sexta-feira, 17 de julho de 2015

NO FUNDO DO COPO - Continho


Mais um dia de trabalho. Mais um esforço despendido em nome de algo indefinível, algo assim como a auto conservação nem por isso, ou quem sabe por isso, deixava de buscar no fundo do copo, alegria efêmera da ilusão que lhe faltava e que, ausente do ser humano mata-lhe a humanidade.

Finalmente tornava-se o bravo guerreiro, herói vilipendiado, vitorioso de tantas batalhas invisíveis e inaudíveis, que fremiam e lhe empolgavam tanto a ponto de fazê-lo babar pelo canto da boca no gozo profano da entrega e refrega que gloriosamente alcançava e vivenciava. E a vitória vinha pelo torpor que se agasalhava em seus poros, em sua consciência, provocando sono e, ao mesmo tempo, agitando-o tanto a ponto de expulsá-lo; enfim, a luta constante entre o bem e o mal, pela fuga que escolhera como princípio, meio e fim...

No outro dia, mais um dia de trabalho, à cabeça o peso dos ecessos da noite anterior, álcool e drogas misturados, nos ombros o peso do mundo que o aniquilaria, um dia. Era preciso passar pelo dia para receber a noite e a dose de otimismo que, paulatinamente, lhe roubaria ou dele expulsaria a consciência de sua fraqueza e miséria.

Aos poucos foi deixando de cumprir sua quota de sacrifício e, simultaneamente, aumentando sua quota de ilusão roubada aos vícios... com isso se decompôs em fatores para ser ou atingir pretenso total que obviamente jamais seria ou conseguiria.... E bem ou mal assim viu fazer-se fenecer, morrer até, sua capacidade de sentir vergonha, pesar, remorso, de exercer-se gente; despido de tudo, vagou pela cidade e por seu próprio e desolado ego só, triste e sem rumo, descobrindo-se espantalho de corvos inexistentes viu-se mais furiosamente empinando copos, olhando seu fundo que, mais e mais vezes encobria... Tudo era sempre, tudo era dia, tudo era noite, sem divisões o tempo sequer desnudava, nem precisava, sua própria unidade chamada momento cujo cálculo exato pertence somente a Deus.

E assim andou e continuou andando trôpego, até aquele dia, mais um dia de fuga, sem retorno em que, sentado na sarjeta viu o sol levantar-se diante dele e acreditou que, finalmente, o maior espetáculo da terra chegara só para ele; disposto a regê-lo, levantou-se e de braços abertos caminhou rumo a alvorada. Arrepios passeavam livremente em seu corpo enquanto sentia que todas as correntes e cadeados se desprendiam, liberavam-no sem a necessidade de um copo que fosse.

Dentro de si, o mar fez-se ponte por onde a terra chega ao céu e nunca se sentira tão livre e tão integrado a um sonho quanto neste momento. Apressou o passo de encontro ao sol e recebeu seus primeiros raios no peito cansado e cabeludo. Sua alma enfim parecia em paz, a própria paz voltara e tudo voltava a ter sentido...

Alguns dias depois, o mar devolveria à terra, um corpo inchado, deformado, que alimentara peixes em obediência às leis da natureza... o mar ou muito além dele, o infinito, retivera para si a alma que um dia fora o invólucro daquele pobre e maltratado corpo... O vento, pensam alguns, sussurrava por entre as ondas, areias e ouvidos: “...Nem tudo acabou, nem tudo acabou...”.

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