terça-feira, 30 de abril de 2013

ENCANTO


Nem sei como dizer ou descrever, é tanto
o encanto é tanto, tanto é o encanto...
Sem medida, mais que céu, mais que mar
ela tem um quê que me fascina
um quê que me domina, tanto,
n'um sorriso e trejeito de menina
pureza misturada à malícia, ao acalanto
ela é fascinante, brilhante, delícia
de meiguice exuberante, canto e encanto,
encanto e canto, linda e feminina...

JUNTOS


Eis-nos juntos, aqui, sempre e agora
tentando viver a aurora no tanto quanto
e tão logo se perca o espanto dessa revolta
do ir-se sem jamais ter ido e como um relógio
no infinito marcar e passar das mesmas horas
no deambular impreciso de nossas pernas tortas.
E com as vindas e idas desse nosso andar
fenecem luzes, pose e preces, assim parece,
n'um quase nunca mais que desaparece
nessa cerração que de espessa nos embaça
escondendo o desmaiado sol que nos abraça.
E continuamos além dos prazos e relvas, juntos
mais solenes, solitários, na selva dos adultos
grávidos de ausências, estampas sem centelhas
no percurso entre o meio, o fim e às estrelas.

OFERTA


Repouse o teu silêncio em meu silêncio
A tua cruz na minha, o teu eu em mim
No curso desta prece e andar imenso.
Deixa-me carregar-te enquanto posso
Neste nosso andar desbotado de carmim
Neste caminho íngreme que se fez nosso.

Perdi a chave dos sonhos que um dia tive
Desaparecida na neblina dos teus olhos
E tudo e mais vivi e tudo e mais retive
Em meio às reprises desses velhos sonhos.
Que reproduzem e se eternizam onde estão
Nos carinhos, graça e ternura de tuas mãos.

E passo assim como a ventania louca
Destruindo passagens de horas, poucas,
Em que fui além do que pensei um dia ir
Contigo em mim, assim plena e esfuziante
Mais do que viva, mais do que luz, amante
De um eterno agora, de um eterno fluir...

Repouse pois o teu silêncio em minha alma
E deixa-me ser teu céu na tarde calma
Que cai entorpecida de pecados idos
Deixe-me tocar-te, pensar-te presente e nua
Habilitando-me em quartos de todas as luas
No supremo embalar dos sonhos vividos.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

COLHEITA


Não desprezes os ginetes (*)
que se esfolam nos lombos
dos baguais (**) mais atrevidos,
dê-se vivas aos destemidos,
aos vacilantes mil tombos
e um milhão aos alcagüetes (***).
A vida é cheia de bretes (****)
fervilhantes de perigos
baguais teimosos, selvagens
que do ter fazem abrigo, meta,
paspados(*****) de um quero tudo
quero-queros (******) de sarjetas
quais insaciáveis chupins (*******)
vampiros do suor alheio
pouco se lhes dá o meio
para alcançar o chinfrim(********)
Nela, vida, outros caminhos
de calmarias e abrigos
o que se plantar se colhe
nem tudo que espicha(*********) encolhe
nem tudo é inimigo ou imerecido
mas o bem de ter nascido
por si mesmo é o bastante
pouco importando o adiante
tendo o agora a ser vivido.


Glossário:

(*) : ... (bras. do sul,)... bom cavaleiro (do árabe, zanata(?);
(**): ... diz-se do cavalo bravio ou recém-domado;
(***): ... alcoviteiro, denunciante...;
(****): ... (fig) logro, cilada...;
(*****): ... (do espanhol) escoriação, arranhadura, marca...
(******): ... ave pernalta da família dos caradriídeos...;
(*******): ... (ave da família dos icterídeos); (fig) marido que vive às custas de mulher rica...
(********): ... (adj.) reles, pífio, ordinário, insignificante...
(*********): ... alongar, estender, esticar...

MAL(A)


Sofremos nessas passagens
que nos povoam a memória
de histórias mal resolvidas
daquelas que azedam a vida.
Um muito de desencantos
quase nada de acalantos
algaravia, ao contrário,atrofia
muita noite pouco dia...
No cinza que chega cedo
o sopro de ar sobre a vela
mel e sal, amargo, azedo
o coquetel se revela
transbordante de trapaça...
Será que a dor vale a pena
e sendo a estrada tão pequena
carregar o que não passa?...

MEANDROS


É tema, teorema, esquema
Que repassam na nua estrada
De tantas luas, em todos ares.
Ah! em tantos mares de solução
Que solucionados estão no limbo
Desses abismos chamados furos
Repercutindo desde o passado
O insondável do meu futuro.
O coração palpita, agita,
sem saber-se ou seguir razão
Sem que se baste ao desenlace
Ou desempate em minha aflição
E tanto haverá de desaguar
Em imagens, novas miragens
Outras passagens da ilusão
Menos no amargo que escondo
E acabo pondo no encoberto
Fundo falso, incerto, de desilusão.

Prismas


Sou urbano, fui rural
mudei os panos, não as penas,
foram-se as pombas, às centenas,
o galpão, o fogo de chão,
o poço, o balde, açude e sanga
do nado alegre da tenra idade,
no tudo tido, como as pitangas
doces e rubras, memória sangra.

N'um outro prisma minha saudade...

Passam-se as pontes, vãos de rima
caminho aberto em minha neblina
chega à cidade o exílio cinza
do que já fui, do que nem sou,
fecha a porta ao que passou.
Novas rosetas aos pés descalços
surradas botas de realidade
ferida de nada sobre o asfalto.

N'um outro prisma, minha saudade...

Briga


Retiro tudo o que disse,
tolices vezes tolices,
dá nisso, raiva, ódio, tensão.
Enquanto, nós, negativos,
nosso ódio é o positivo,
a mentira se faz razão.
E tome queda de braço
e tome ira, ao compasso
do amargo gosto do não.
E tudo se faz palavras
duras, bruscas, gestos, ações,
o que fora se escancara
vira anzol, faz-se grilhões.
A trama assim enrolada
desdobra o meio atroz
conosco a vítima, o algoz,
a frase destemperada.
É o dia cedendo à noite
estrelas despudoradas,
quarto sem lua  no açoite
das necroses desfolhadas.
Voltemos tempo sem dobras
de joelhos ou de logo após,
só há paz no quanto sobra
do amor que vive em nós
e sem fuga, ira, ironia,
a noite partejará o dia.

terça-feira, 9 de abril de 2013

FLAGRANTE


Carros à rua, gente nas calçadas
Astros varando o concreto
Passando, em disparada
Aos olhos inertes de quem
Não sabe o que vai,
Menos ainda, o que vem.
O até breve do tempo marca
Momentos, se soma, se alterna,
Oscila, cintila, lívido calendário
De meros registros diários
N'um jamais que não vem
N'um quem sabe que se tem.
À busca, na estrada sem fim
Nos olhos distraídos de sim
Formam atalhos, caleidoscópio (*)
Destapando o que vem do ópio. (**)
E ninguém sabe onde e o que fica
E o tempo inumerável nos abraça
E nele e dentro dele a gente passa
Com a (des)graça que se acredita
Sendo começo, meio e fim da fita... (***)

(*) Figurativo: "aquilo que faz ver as coisas por um lado agradável."
(**) Figurativo: "aquilo que causa entorpecimento moral."
(***) Bras.: "filme, película."

VERTIGEM


Um quadro, um quarto, uma quadra
esquadra singrando mares
nos bares desta maré...
Vai moldura, vazio, volta pressa, ares
vencem pó, a fé, faz-se a prece, até
dos aflitos, neste nunca que se é...
A fumaça desce branda, branca, envolvente
vindo do espaço de um abraço gente,
logo vai preencher os braços desse ontem
que me espanca, me espanta, qual fantasma
de estrelas e tênue brilha e conduz
ao escuro do meu nada, do meu carma
dessa tralha que, de ouro, só reluz,
dessas tantas madrugadas e presilhas.
Albatroz nesse algo atroz, nossa rima,
nosso consolo, nosso ciúme, o vagalume
pisca-pisca, desconsola no perfume
desse agora que nem chega vai embora
no drama que não faz sentido ou conserva
o sabor do tanto ido no roçar do tudo tido.
Pelo medo do nunca, sem resenha ou reserva
o tudo-nada deste vertiginoso instante
morreu na pressa do seguir adiante...
Sem badalo, quaresma ou carnaval,
estatelado no monumental vendaval
que o hoje à deriva nos projeta
somos depois no depois que se refresca
e se apressa nestes desfigurados anos
de que nos descuidamos e passamos
do incerto dos prazeres aos desenganos!

sexta-feira, 5 de abril de 2013

À DESIRÉE (*)


Do alto desses meus anos
Escalo o meu futuro
Sou zero em desenganos
Infelicidades ou escuro
Recém liberta das fraldas
Estrela, manhã, grinalda
Estirpe de "pelo duro".

Alegre cresço e apreendo
Lições que me são dadas
Feitos, ternura que entendo
Olhando exemplos em casa
Na razão, no sentimento,
Sou arco-íris, firmamento,
O sonho que me embasa.

Por tudo isso, o sorriso
Esplêndido que me ilumina
Reflete o que idealizo
Relva, flor, sol e neblina.
Os meus anos, a vida brilha,
Na incrível maravilha
Em ser mimada e menina.


(*): Acróstico escrito para minha filha, Desirée Alfonso Perrone, quando completou 11 anos.

BALANCETE


Roçar os pés descalços sobre a relva
N'um lúdico momento d'um segundo.
Fugindo, corpo e alma, desta selva
De pedras e pesadelos de meu mundo.

Seguir o rumo solto e sem alarde
Dos sonhos retidos em areias gastas
E realizá-los sem importar-se, tarde,
Ou como o antes que por ser se basta.

E repercutir n'um arco-íris o universo
De amor cantado ao infinito, em versos
Do grande amor que nos abraça à vida.

Assim perenizados, atos e pensamentos,
Na glória e êxtase de tantos momentos,
N'um desatrelar de ilusões perdidas.

REVIRAVOLTA

 De uma galopada enfezada
Resultou-lhe a rodada mal parada
Duas pernas e a coluna, fraturadas
E o guri, fez-se ali, resto de estrada.
Vestiu-se em outro alguém, sem mais quem
Nesse entortar de trilhos, à poda
Recolhido à fria cadeira de rodas,
Foi mais ninguém do que alguém.
Um dia um passarinho esvoaçando espinhos
Sem saber-se trouxe consigo um ninho
De liberdade sem palavras e sem vetos
E o guri prostrado à angústia, infeliz,
Quase sem querer, n'um gesto,
Pilchou a alma desse encanto descoberto
Nas leveza e singeleza dessa cena
E por um momento apenas
Voltou a ser livre e feliz.

IMPEDO (*)


Nem só de canha (**) vivem meus tragos
Também me impedo (***) de ilusões
E nas ressacas meus desagravos
Parando aos poucos vai coração.
E ao despertar dos sonhos loucos
Morre-se tudo e mais um pouco
Nos descaminhos dessa estação.
Alpedo (****) ocorrem os contratempos
Pelas paredes do que já se foi
Mistura turva do senhor tempo
Parida de um antes p'rá ser depois.
A realidade, potro indomado,
É Pampa ou campo de carrapichos (*****)
Unhas de gatos (******), urtiga (*******) entalada
Nos desvãos destes bochinchos. (********).
É mais que um trago, tiro e adaga,
Neste vazio que alpedo existe
N'um rio de lavas, corpo com alma
Dúzias de copas (*********), dúzias de tristes.

Glossário

(*): Bêbado (Do espanhol, pronuncia-se impêdo)
(**): Cachaça (Do espanhol e do sul do Brasil)
(***): Fico bêbado (Do espanhol, pronuncia-se impédo)
(****): À toa (Do espanhol e do sul do Brasil, pronuncia-se alpêdo)
(*****): urze, erva daninha, da família das caliceráceas
(******): urze, erva daninha, nome comum a 3 plantas: acácias bonarienses e ripária e mimosa sepiaria
(*******): urze, erva daninha, com o nome científico de urtica urens
(********): bochinche, confusão, rififi, desordem, briga, bagunça
(*********): guarnições redondas e convexas, nas duas extremidades do bocal do freio campeiro

REGAÇO


Cada hora, cada segundo
Transpasso todos espaços
Neste agora o meu mundo
Sonha em teu regaço
Esta luz que assim deflora
Manda a solidão embora
À paixão todos os passos...

RANCOR


Da caligrafia do tempo
Despenca esmaecida
Folha amarela, esquecida
Ao peso dos contratempos
Fotografia do inverno,
de tantos outros infernos
Das estações ressentidas...

BREVE PASSAGEM


Madrugada... Gota de orvalho se torna
Aos primeiros raios de sol, viagem
Brilhante e de fria se faz morna
Vestida de diáfana imagem...
Um universo em despedida
Emprestando brilho constante
À folha verde esquecida,
Um pouco de último instante
No esplendor da descida...
Nem na gota que morria
A vida ficou pequena
Naquela, a beleza do dia
N'um raio de sol apenas.

CORAGEM!


Abre as portas que mantém trancadas
Espanca o medo, dê fuga à vida encurralada
Não há ilusão que não possa ser ressuscitada
Deixe fluir o sangue coagulado
Da ferida crua dos sonhos fracassados.
Enfrente suas tormentas de uma só vez
Sem mais delongas, medos, sem mais talvez
E ao sobrar inteira dessa luta desigual
Haverá sóis e luzes extirpando o mal.
Dar-se-á conta então do infinito do doar-se
E mesmo tonta, fraca, embalada por dar-se
Abrirá portas e janelas e, mais atrevida,
Todas as comportas ao sumo chamado vida...
Ela é de graça, de graça é o prazer
À graça da taça, à graça viva de viver
O sonho não morre, nem a dor fenece
Na própria dor, nem o amor, na prece...