segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022
PROPOSTA
Por favor, deixe-me ser como sou ou penso /
Não retire de mim a chama de fé ou senso, /
Nem ridicularize o piegas que me abastece; /
Antes, beba o néctar que, acredito, ofereço /
Embriague-se disso e mais que desconheço /
Nesse andar pleno no sobressalto que acontece. /
E, bem assim, de olhos bem abertos, suponho, /
No encontro dessa realidade com os sonhos /
Seremos o bem que chega e não se despede /
Firmes no curso desse todo que em nós reparte /
O insuspeitável requinte de uma obra de arte, /
Deixando indeléveis marcas do nosso adrede. /
PAIXÕES PRECOCES
O que dizer que apaixonara o moleque, /
nem dez anos, num bem-mal-me-quer /
pela meiguice, graça, leveza serelepe /
além da clara beleza, daquela mulher /
fascinante chamada Ingrid Bergmann /
olhos, boca, pernas, seios, hálito romã, /
fisicamente desenhados à perfeição? /
Em especial, é claro quando ela revê Rick /
na sua birosca, pede a Sam tocar a canção /
“Us time Goes by” e bebendo um drink, /
olhando o vazio da vida deles, da espera, /
Casablanca, Paris, tanto faz, tudo é guerra. //
O que dizer, do mesmo moleque, volúvel, /
como um beija-flor entre uma e outra flor, /
nelas buscando encontrar néctar insolúvel /
delas, sem saber se era paixão, se era amor, /
ao quedar-se em supremo êxtase, encantado, /
diante d'olhos violeta levemente esverdeados /
únicos, celestial brilho de um não sei quê /
de paraíso, cheio de talvez, cheio de porquês, /
nos filmes, “Assim caminha a Humanidade”, /
mais ainda, “Cleópatra”, além da história, /
presente a mulher rainha, honra e glória, /
Elizabeth Taylor, Flor de Liz à eternidade. //
Em “Imaginação” idealizou mulher serena, /
luz diáfana de sol e lua misturados, plena /
na imensurável graça e, disso hipnotizado, /
mal sabendo que existia e, adiante, saberia /
ao encontrá-la linda, naquela fotografia /
de um filme, em algum lugar do passado! /
Jane Seymour, toda ternura, sublime, pura, /
em seu olhar, rosto, mãos, sua formosura, /
é bem maior que toda a imaginação do poeta /
quando buscou paisagens nos jardins do céu /
soune desde seu irreversível, ilimitado léu
que nem em sonhos a descreveria completa! //
Não muito adiante, em tempo adolescente, /
sua farta estampa destilava encantos, tudo, /
Sophia Loren, invadia sonhos de tanta gente /
no esplendor de olhos, seios, lábios carnudos. /
Bem mais amena, porém, não menos bela, /
outra italiana arrebatava tantos Quasímodos /
destilando a inebriante sensualidade dela, /
Gina Lollobrigida, volúpia pelo corpo todo. /
Paixões por Marilin Monroe, a deusa loira, /
Rita Hayworth, imortalizada para além de Gilda, /
Catherine Deneuve, a bela da tarde, tão linda, /
Brigitte Bardot, tanto quanto ou mais ainda... //
Todas paixões precoces que duram vida a fora, /
continuam vivas, sem jamais se irem embora /
e, delas a que, fosse possível, é a mais perene /
se fez Branca, paixão de Zequinha de Abreu, /
em Tônia Carrero, constelação de sonhos ateus, /
atiçando o proibido, desequilibrando gêneses. /
Amenizando lascívia, turbilhão, desassossego /
não era só beleza física a encantar o moleque, /
o invulgar talento de Fernanda Montenegro /
a fazia maior, encantadora gema rara, confete /
bastando-lhe apenas um olhar, pequeno gesto /
e tudo o mais, certo ou não, se tornava certo!
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022
MAIS QUE UMA PRECE
Senhor Deus valei-me /
Em sonhos, risos e quimeras, /
Ao lançar linhas de espera /
No turvo rio do momento. /
São meus os mananciais /
De curvas dos pensamentos /
Que a cada riso ou lamento /
Explodem nos vícios meus, /
No viço que se perdeu, /
No chão das iniquidades, /
Nas perdas e ganhos da idade /
Pondo de joelhos o filho Teu /
Que manquitola agonias /
Na rudeza do concreto /
Embriagado de elegias /
Pela posse do secreto /
...E se morro no abstrato /
Repintando noite em dia /
Desnudo todo contrato /
Que me faz ver fantasia, /
Binário surreal de falácias /
Que bailam dentro de mim, /
Tanino extraídos de hemácias /
Do princípio, meio e fim. /
E, quando posta, reverto /
A ponta da espada no peito, /
Como causa, me converto /
Em simples e mero efeito. /
Rios de amores, ódios, nada, /
Das entranhas da jornada, /
Na rosa dos ventos um norte /
Desagua a vida em minha morte... /
POTRO AMARELO
Bem que queria encontrar, montar o Potro Amarelo de quando guri /
Que ao galope de sonhos me levava aos potes de ouro do arco-iris /
Mas me fugiu ao longo dos anos, dedos e medos que, enfim, perdi! /
Lenda, verdade, mito, mentira, alegre ou triste, o feio e o belo, /
Mistura fina, Potro Amarelo, sonho encantado do meu tesouro /
A prata, o ouro, metais, matizes, mesmo ilusões, jamais esqueci. //
Onde te escondes Potro Amarelo, onde te escondes? Pelas entranhas /
Das sesmarias da pampa eterna, coxilhas, vales, grutas ou furnas /
Em estrebarias, nestas fuligens de sonhos antigos, desencarnados /
Mortos de esperas, atropelados pelo trem sem freio da realidade /
No tropel das horas, no tropel das dores que não se quis /
Na pilcha concreta da ansiedade, buçal e rédeas do infeliz... //
Onde te escondes Potro Amarelo, onde te escondes? Dentro de mim? /
Na fantasia dos meus desejos, Potro Amarelo, te vejo força motriz, /
Mola encantada que falta me faz nas galopadas que nunca fiz... /
Procuro os potes do arco íris e colho espinhos e cicatrizes /
Percorro estradas de chão batido, lua sem brilho, infeliz /
No sol emprestado de um cotidiano amordaçado, perto do fim... //
Preso de enganos, longe do início, longe do meio, longe do ido /
Potro Amarelo, onde te escondes, Potro Amarelo? não há futuro /
Neste guri, talvez continues e não te procuro, dentro de mim. /
Pudera agora, na peça vida o último ato, interpretado, resumido /
Naquele alento antes vivido, naquele enfim de lá dos confins /
Onde a brisa, Potro Amarelo, expulsava névoas e medos de escuro! /
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