sábado, 1 de maio de 2021

SURDEZ


Aos poucos foram se apagando de mim os sons da natureza,

ficaram muito distantes, quase sussurros aos meus ouvidos

e os que ouço são zumbidos de mosquitos, sem a sutileza

ou a ternura de promessas que inebriavam meus sentidos.


Apenas sei que estou passeando no imutável tempo,

nas recentes descobertas do presente, perenes e tardias,

muito mais plenas de vivência em meio a contratempos

desta mistura discreta de morrer noite, de nascer dia.


Enquanto passo, neste quase findar desses meus passos,

Sentindo o insondável silêncio externo vir ao meu encalço

Reparto-me em luzes em meu interior de som deserto.

 

Porquanto aprendo na linguagem Braille dos teus espaços

o som, que me fazes sentir saindo dos teus abraços,

deste amor que me faz ouvir as estrelas bem mais perto.

NO FUNDO OU MEIO DO POÇO?

Prefiro o fundo, ao meio do poço!

No meio convivem medo e esperança;

o medo a supera em geométrica escala.

No fundo, só a esperança salva!

Em quase toda a vida, desde moço,

vivendo entre o meio e o fundo,

nem mesmo por um segundo titubeio:

melhor estar no fundo do que no meio!

 

Lá no fundo do poço, à sina do sapo

esperando o golpe do balde” na vinda,

da esquiva à carona apenas um salto,

na boca do poço um novo salto à saída.

No meio do poço, o nada está escrito,

é tudo obscuro, sem luz, nem sinalização,

às vindas e idas do balde não têm registro

acima ou abaixo, sem se saber a direção.


Melhor mesmo é estar no lado de fora

isso é para nenhum ou muito poucos

e a experiência que se renova na hora

exalta as diferenças do certo e do louco,

daqueles que têm bem além do além,

outros às sobras do baile, do esboço,

vivências de rimas de nada, ninguém,

morrendo de tudo no fundo do poço.

OUTRA DO MOLEQUE-HISTÓRIAS DA GALÁXIA "H"

 

Bhalthazar, disfarçado como esperto papagaio de D. Heloah (assim mesmo, com dois agás, como era dos usos e costumes daquele planeta daquela distante galáxia), motivava cobiças por sua camaleônica forma e pretenso saber, em diferentes segmentos daquela sociedade nem bem social e muito mais dissocial ou anti-social por extemporânea vocação. Ali estava ele, naquela casa de esquina, em intempestiva e improdutiva meditação no “puleiro” a si destinado que abrigava não apenas suas patas em macio piso como, pelo formato deste, se transformava, com um toque sutil e objetivo de seu bico, em confortável cama, quando três “gatunos”, certamente por encomenda de terceiros, dele se apossaram com “puleiro” e tudo, fugindo pela porta e rua lateral do imóvel, num possante veículo SimcaGalático de combustível hélio + carbono + nitrogênio + elipses + “um poderoso abstrato desconhecido” que era o supra-sumo da potência.

O vizinho, Sr. Shuthriphe, inadvertidamente viu a cena e compreendeu o que ocorria, tentou impedir o furto, roubo, rapto ou seqüestro (não importa o nome que lá davam para aquele delito intentado e praticado) do Bhalthazar, mas não conseguiu, pior que isso, foi forçado a ficar inerte sob pena de ser “transferido via éter” para a “Eternidade ou Zona H” nome que davam ao limbo deles, guardado por feras inomináveis que mantinham os infelizes que lá chegavam como escravos sem saída ou opção de lazer e onde tudo era um fim de mundo mais profundo que a pior das depressões que conhecemos e ninguém quer ter. Ainda assim, buscou via telepática, imediato contato com as autoridades do delito em curso, os denominados “Vigias Classe Hs” que a tudo monitoravam pretensamente sob comando do “H Maiúsculo” o dirigente máximo da galáxia, munidos de tirocínio e velocidade “da luz” em seus deslocamentos e investigações, que logo, logo, saíram à busca dos delituosos, prendendo-os adiante, com veículo e tudo, em cadeia psicossomática de envergadura disforme e descolorida em local que denominavam limbo, ali ficando à espera do julgamento supersônico que não tardaria para ser feito dentro do padrão escorreito e concernente às escrituras legais que a tudo disciplinava e comandava, dela nada escapando, até mesmo uma cuspida, se mal dada, nela encontrava a predeterminação aplicável. Tanto quanto a lei, também a Comtista e Positivista mensagem “Ordem e Progresso” signo e chave de abertura de portas palacianas, devia ser seguida ao pé da letra, sem jeitinhos, embora não houvesse outro jeito que não o jeitinho, até mesmo para transformar em vítima o delituoso e culpar os Vigias Hs pelos delitos.

Enquanto isso, parece que foi por obra e graça do mau humor de Bhalthazar, agora despido do disfarce e lutando pela própria sobrevivência depois da briga que teve com o Sr. Shuthriphe, os vários céus da galáxia se encheram de nuvens nimbus pesadas, prenhes de muito terror e raios, anunciando temporais carregados de cadáveres e esqueletos de aves já sem asas, vindas da “Eternidade ou Zona H”. Em meio a tudo aquilo, como se fosse um sopro de ilusão, uma criança lindíssima chamada Cohngtho ganhou um bolo e nele, escondido, reinava um jacarezinho muito bravo, que rosnava rilhando seus dentes afiados trazendo por sobre sua parte anterior (ou seriam suas costas?) várias larvas ou óvulos ali depositados que pululavam sem se saber como, porque ou por quem. Os mais variados personagens dessa galáxia tentaram de todas as formas e conseguiram libertar a criança, mas não mataram sequer uma larva ou óvulo que fugiram em violento pé de vento que, tampouco se soube, se pé direito ou pé esquerdo pois na verdade e por mais inverossímil que seja, aquele vento não tinha pernas e muito menos pés.

Ora, ora, as tais larvas ou óvulos, do jacarezinho do mal, se transformaram em peste invisível e performática e do rabo do jacarezinho e atacaram o bolo maior chamado mundo ou universo ou, como queiram, toda a galáxia que não os esperava e muito menos estava preparada para recebê-los ou enfrentá-los. Entre as formas dessa peste atacar, uma era pelo contato entre os habitantes, porém, a mais comum era pelo ar que os habitantes para sobreviver respiravam, por isso com o respiradouro que chamamos de nariz voltado para cima (o que tornava difícil sair à chuva sem guarda-chuva) a defesa desse ataque se tornou quase impossível. Os muitos contaminados contaminavam outros tantos e assim por diante, formando o que foi chamado de “pangaláxiamia” (o que conhecemos como pandemia) que transformou para pior a vida dos habitantes. E foi um “salve-se quem puder” para todos, com ou sem eira ou beira, embora alguns ainda professassem sentimentos esquecidos desde tempos imemoriais, todavia escondidos em suas entranhas agora expostas às intempéries e vicissitudes; estes, iniciaram campanhas de arrecadação de bens à sobrevivência criando uma corrente de solidariedade que se pretendia houvesse sempre existido e jamais existira de fato porquanto sempre tinha cascas de bananas por trás delas. Enquanto isso os entendidos, cientistas claro, antes tão desconsiderados, em franca e agora respeitável atividade saíram à busca de armas para enfrentamento do inimigo com chances de êxito para vencê-los. A partir daí e só a partir daí aqueles antes ditos idiotas e campeões na perda de tempo, em estudos non sense, foram reconhecidos como os salvadores da Pátria ou melhor, da vida, pela grande maioria dos galaxianos (uma minoria de idiotas, metidos a heróis de frascos e comprimidos, acreditavam em mil e um tratamento precoce ineficaz).

E Bhalthazar, por onde andaria Bhalthazar? Pois bem, com toda sua fama, capacidade e pretenso saber, após o incidente de que foi vítima, voltou ao seu “Puleiro” e se aquietou, um tanto quanto livre das tralhas que o amordaçavam ou melhor, que só lhe deixavam repetir o que a insanidade do grupo lhe repassava e, assim calado, virou um grande poeta de silêncio inalcançável, alheio a tudo quanto não fosse se conservar integrante do “Puleiro Mor”, o qual jamais pensara ter e que agora o tendo fazia qualquer coisa para manter, até peremptoriamente calar a boca se preciso fosse. Saliente-se que silenciosamente rezava pedindo aos céus que ajudassem Lhulbhabha, a quem acreditava fosse o antônimo de si que, embora idiota, jamais cometera qualquer furto ou roubo, para voltar do merecido limbo a que fora enviado por galaxianos honestos (e que por serem, exatamente isso, honestos, agora caíram em desgraça vitimados por sorrateiros golpes dos poderosos que não suportaram viverem longe das “mamatas” que os tornavam mais ricos e poderosos) e viesse concorrer consigo, entendendo como única chance que tinha de sucesso para continuar no comando da “Galáxia H”, usando e usufruindo do pomposo e nada abstrato título de “H Maiúsculo” sendo a única, ainda que péssima, alternativa àquele (que todos sabiam, como se fosse possível e era, bem mais péssimo do que ele).

A galáxia, apesar de tudo segue viva porquanto seu solo é rico enquanto que seus habitantes, em sua grande maioria, são ricos apenas de imaginação, jeito, trejeito, curvas e métodos ortodoxos derivados da lei do menor esforço, sem educação ou conhecimento cultural suficiente para igualaram-se ao solo que habitam e preguiçosos, néscio, preferem mitificar absurdos, elegerem pretensos heróis de bravata para lhes repartir o bolo (que ficam com os maiores e melhores pedaços) e, impassíveis eis que se repetem “n” vezes, em vez de fatias se contentam com migalhas... A tal “Galáxia H” parece, nem tão distante assim de nós, nem Bhalthazar ou Lhulbhabha, como se sabe, o são...