quarta-feira, 22 de dezembro de 2021
GARATUJAS
quarta-feira, 24 de novembro de 2021
DOWN
segunda-feira, 15 de novembro de 2021
OUTRA DO MOLEQUE - REPORTER ISSO/A TESTEMUNHA OCULAR DISSO
O amigo do Moleque, o Guirland, não fora ao Colégio sabe-se lá porque. Ao sinal do início do recreio e a debandada de todos ao pátio de escola, exceto o Moleque que, como era do costume seu e de seu amigo, ficou na sala para realizar, desta vez sozinho, a troca do material escolar de cada colega, de uma para outra “carteira” ou “classe” de forma a provocar a hilária confusão pós recreio, que atrasava o reinício dessa aula com aquela balbúrdia do “onde está meu material, este não é meu, é do fulano ou da fulana”; por sua vez os fulanos e as fulanas também procuravam seu material e dissimulando, também o Moleque que quase sempre trocava seu material escolar, adivinhe com quem, claro, com o amigo Guirland. Essa espécie de jogo ou brincadeira podia não ser muito aconselhável, todavia, tinha o componente pueril da pura molecagem que a sustentava e derrubava possíveis interpretações puristas de terceiros que, parece, nunca tinham sido moleques, e viam nisso maldades que só eles portavam no coração e na alma. Por tê-las praticado o Moleque inúmeras vezes teve que comparecer perante D. Marília, a Secretária do Colégio, responsável pela disciplina e quase sempre advertido verbalmente e, mais raramente, por escrito para que não mais às repetisse. Ocorre que, nas vezes em que foi vigiado, aconteceram as “trocas” de materiais, com isso sendo “limpada” a ficha do Moleque e criando dúvidas sobre se realmente ele alguma vez protagonizara o ato; o aforisma “In dúbio, pro mísero” aplicado não com uma certa desconfiança todavia com visível prazer por D. Marília em favor do Moleque o salvou da aplicação de penas mais severas.
Abra-se parêntesis para dar o indicativo inicial ao sub-título supra. Na esquina do Colégio, pela Rua Flores da Cunha, se localizava um Posto de Combustível, “Posto Esso” marca petrolífera muito conhecida então e que patrocinava o mais famoso e acreditado programa radiofônico, de notícias, o “Reporter Esso” que era anunciado por uma cortina musical reconhecida até pelas criança menores de dois anos, seguida pela voz grave do famosíssimo locutor (“locutouro” pela gozação da gurizada ou speaker que os uruguaianenses entediam dar a sofistificação desejável), com o som irradiado a milhares de decibéis nos alto-falantes dos Postos Esso, inclusive naquele da esquina da Rua Flores da Cunha, próximo ao Colégio, em horários regularmente estipulados.
Feche-se o parêntesis e voltemos ao solitário Moleque preparando-se à azáfama pré-concebida da “troca de materiais”, antecipando-se ao gozo malicioso do transcurso do evento decorrente da brincadeira e algaravia resultante. Nesse momento, porém irrompe dentro da sala o inconfundível som da cortina musical do programa trazendo o inusitado de uma notícia extraordinária: “No ar, o Reporter Esso, a Testemunha Ocular da História, em Edição Extraordinária...” e daí veio em jorros harmoniosos, na brilhante voz do não menos brilhante locutor Heron Domingues, notícias de ocorrências políticas na Capital Federal, Rio de Janeiro, mais diretamente do Palácio do Catete, a sede do governo, consideradas extraordinárias, que de tão importantes sequer naquele momento, muito menos agora, o Moleque não conseguiu gravar, porém ficou martelando na cabeça dele o “ratatatatata, ratatata ...” da cortina e o vozeirão do locutor anunciando o “No ar …” e o nome do noticiário complementado pela orgulhosa chamada “Testemunha Ocular da História”; disso, veio-lhe a ideia de, quem sabe, reproduzir textualmente e por escrito tudo isso, mudando um pouco o Esso por Isso, a cortina musical pelo “ratatatatata” e a “Testemunha Ocular da História” por “Testemunha Ocular Disso”... E, vendo possível tanto, lá se foi o Moleque ao quadro negro, munido de Giz e apagador, iniciando e complementando, não sem antes preencher o meio disso tudo, o texto que segue e que, por ter sido considerado jocoso, amistoso, quase uma charge explícita, verbalizada e não desenhada, o salvou de pagar com suspensões e quem sabe até expulsão do colégio, porque, mesmo sem assinar, o texto lhe foi dado como de sua lavra, reconhecido pelo professor "Catilinárias", que não teve a menor dúvida de quem era o autor, também por D. Marília, D. Dirce - autora da inconfidência do apelido detestado pelo Diretor -, por Mister Olivier, enfim, por quase todo o corpo docente do Colégio. O texto original foi apagado do quadro negro ainda ao final daquele dia e o infra reproduzido chega vivo, no conteúdo pelo menos, na memória do Moleque:
“No ar, em Edição Extraordinária, O Reporter Isso, a Testemunha Ocular Disso! ATENÇÃO, foi determinado pelas Autoridades Municipais, Estaduais e Federais que, até nova ordem: D. Marília não mais poderá exercer ação disciplinadora contra quem quer que seja, mesmo que sejam estudantes que esteja acostumada a punir; a partir de agora, todos terão ficha limpa e nada lhes poderá manchá-la nos próximos três anos. De seu lado, a Professora de Matemática retirará a queixa referente ao incidente que diz ter sofrido quando ao abrir por completo a semi-aberta porta da sala de aula, caiu-lhe sobre sua cabeça, emborcando-a, a cesta plástica do lixo, sem lixo e por essa razão sem que houvesse sofrido qualquer dano, exceto pequenos susto, crise nervosa, constrangimento e exagerada indignação advinda disso tudo, determinando-se, ainda, que às investigações sobre o evento, cessem imediatamente desde que, está decretado, não se pode afirmar com certeza se a cesta de lixo foi colocada de propósito ou se algum pé de vento maroto a depositou sobre a porta entreaberta. Da mesma forma, o Professor Fidélis, deverá deixar a pretensão de penalidades minimizando pretensos efeitos causados pelo “cavaco” de madeira, de origem desconhecida, que caiu por sobre sua caneta quando fazia a “Chamada” e que diz causador de grande borrão no livro próprio, dando por encerrado o incidente, sabendo-se também que nem a caneta foi prejudicada e que, isto sim, pode ter sido ela a única culpada pelo vazamento da tinta. Fica proibida a entrada no Colégio por indisponibilidade de coleiras e canil, dos cães policiais da professora D. Domingas, aceitando-se com ressalvas sua forma dura e enérgica de ser, quem sabe por ser baixinha. Determina-se ao Professor de Moral e Cívica que deixe de ranger os dentes ao ouvir sussurrado o apelido de Morcegão entendendo-o como afago que, no mínimo, diz de sua qualidade auditiva, impar. A próxima edição deste Reporter tratará e trará notícias e determinações, dentre outros, ao ao Diretor Pinho (opa, ele detesta o apelido, segundo a esposa, D. Dirce), ao Monsieur Puig, à D. Norma das muitas Histórias, ao Mestre “Catilinárias” Ledur e especial autorização à grande Professora de Música, D. Ieda, que poderá obrigar, com o aval de toda classe estudantil do baixo ventre, a todos participarem e apreenderem a cantar, desafinado ou não, os grandes clássicos da Música Erudita, também as músicas de Serestas e outras modernosas de nosso dia-a-dia como “Marcianita” (*) cantada por Sérgio Murilo ou, “Corina, Corina” (**) por Demetrius, tudo no seio do Canto Orfeônico Villa Lobos, que poderá ser acompanhado pela Banda Mista do nosso Dom Hermeto. Outras Ordens Ordinárias/Extraordinárias Serão Objeto de Novas Edições do Reporter Isso, A Testemunha Ocular (também Auditiva) Disso. Amém.”.
Registre-se, que o texto original deve ter sido menor do que o supra apresentado, quiçá, aumentado; porém, aplique-se a bela desculpa trazida pelo velho ditado, “Quem conta um conto aumenta um ponto” e o fato desse fato ter sido narrado tantas vezes a tantas pessoas que, quase certo, vários são os pontos que lhe foram acrescentados sem todavia lhe alterar o propósito, cerne e conteúdo de uma chacota plantada e urdida à luz de uma inocência e molecagem irresponsável e até ali sempre presente!
Excertos das letras de * Marcianita: Esperada Marcianita/asseguram os homens de ciência que em dez anos mais tu e eu/ estaremos bem juntinhos/ e nos cantos escuros do céu falaremos de amor/Tenho tanto, te esperado/e serei o primeiro varão a chegar até onde estás/pois na terra, sou logrado/em matéria de amor eu sou sempre passado pra traz./Eu quero um broto de Marte que seja sincero/que não se pinte, nem fume, não saiba o que é rock and roll/ Marcianita, branca ou negra...
** e de Corina, Corina: Oh, oh Corina, como vai você/ Pra mim/eu quero Corina/ como vai você!/Quero te encontrar/ Seja onde for/ Minha Gatinha,/oh! oh! oh! minha Gatinha/ …
OBS: Corina, Corina foi a primeira canção que chamou a namorada de Gatinha, forma carinhosa de chamar até hoje usada (talvez em desuso) e foi incorporada pelo Moleque que usa tal forma carinhosa para chamar as mulheres de seu afeto que admira ou, como sua filha, mais que isso, ama.
sábado, 30 de outubro de 2021
PASSAGEIROS
Tudo passa, repassa, exceto o tempo,
Ela passou e a dor de sua ausência
Também passará, como contratempos!
Os mil momentos dos sonhos, à essência
Dela e meus, balançam, indo e voltando
Em meu eu, enquanto sigo passando...
Passa, passará, passou, não temos escolhas
No repassar de águas, sóis ou sombras!
GIRANDO
Vez que outra, calmaria,
adiante noites e dias
seguindo rumos e teias
onde anjos e demônios
dominam cenas e areias
às orgias desenfreadas
da explosão dos hormônios,
logo ali a encruzilhada.
E tudo que passa agora
e tudo já foi embora
como ogivas nucleares
entre minha sorte ou azares
corroídas em meu nada
que já foi ou é morada
de antigas falhas, pesares,
desses seguidos andares,
até que a morte os pare,
na vida que assim estanca
por entre acasos, barrancas,
em fim de caso, não raro
à noite do meu desamparo.
terça-feira, 17 de agosto de 2021
PEDRO E PAULA
PEDRO E PAULA
(Itagiba José)
Assim, Pedro e Paula se encontraram
Ele nem tanto pedra, ela nem tanto água
E se envolveram tanto que se amaram
Tanto, até que a rotina lhes disse: Chega!
Desde então, Pedro e Paula se separaram
Ele nem tanto santo, ela nem tanto igreja
Desiludidos, a ninguém mais amaram
Até que a solidão lhes disse: Chega!
Pedra, água, santo, igreja, o que mais seja
Na pia do desencanto, ora desencontrados
Cada um no seu vazio metro quadrado
Semeou esperas nas águas das "horas vejas".
E, peças menores desse tabuleiro de xadrez,
Tomaram o “cheque mate” da insensatez!
quinta-feira, 10 de junho de 2021
VIAGEM
... Quando olho a lua cheia, no céu, plena
de luz, bela, alva e radiante, creias,
vem à minh'alma tua imagem ofegante
vivendo o amor que nos oferecemos, cenas
da marcante viagem de afetos indomáveis,
carinhos, paz, paixâo, nela inomináveis! ...
Eis-nos ali, libertos, puros e serenados,
envoltos na simbiose de nossos universos
no sim do agora e sempre, inolvidáveis,
perenizados no infinito destes versos!
sábado, 1 de maio de 2021
SURDEZ
Aos poucos foram se apagando de mim os sons da natureza,
ficaram muito distantes, quase sussurros aos meus ouvidos
e os que ouço são zumbidos de mosquitos, sem a sutileza
ou a ternura de promessas que inebriavam meus sentidos.
Apenas sei que estou passeando no imutável tempo,
nas recentes descobertas do presente, perenes e tardias,
muito mais plenas de vivência em meio a contratempos
desta mistura discreta de morrer noite, de nascer dia.
Enquanto passo, neste quase findar desses meus passos,
Sentindo o insondável silêncio externo vir ao meu encalço
Reparto-me em luzes em meu interior de som deserto.
Porquanto aprendo na linguagem Braille dos teus espaços
o som, que me fazes sentir saindo dos teus abraços,
deste amor que me faz ouvir as estrelas bem mais perto.
NO FUNDO OU MEIO DO POÇO?
Prefiro o fundo, ao meio do poço!
No meio convivem medo e esperança;
o medo a supera em geométrica escala.
No fundo, só a esperança salva!
Em quase toda a vida, desde moço,
vivendo entre o meio e o fundo,
nem mesmo por um segundo titubeio:
melhor estar no fundo do que no meio!
Lá no fundo do poço, à sina do sapo
“esperando o golpe do balde” na vinda,
da esquiva à carona apenas um salto,
na boca do poço um novo salto à saída.
No meio do poço, o nada está escrito,
é tudo obscuro, sem luz, nem sinalização,
às vindas e idas do balde não têm registro
acima ou abaixo, sem se saber a direção.
Melhor mesmo é estar no lado de fora
isso é para nenhum ou muito poucos
e a experiência que se renova na hora
exalta as diferenças do certo e do louco,
daqueles que têm bem além do além,
outros às sobras do baile, do esboço,
vivências de rimas de nada, ninguém,
morrendo de tudo no fundo do poço.
OUTRA DO MOLEQUE-HISTÓRIAS DA GALÁXIA "H"
Bhalthazar, disfarçado como esperto papagaio de D. Heloah (assim mesmo, com dois agás, como era dos usos e costumes daquele planeta daquela distante galáxia), motivava cobiças por sua camaleônica forma e pretenso saber, em diferentes segmentos daquela sociedade nem bem social e muito mais dissocial ou anti-social por extemporânea vocação. Ali estava ele, naquela casa de esquina, em intempestiva e improdutiva meditação no “puleiro” a si destinado que abrigava não apenas suas patas em macio piso como, pelo formato deste, se transformava, com um toque sutil e objetivo de seu bico, em confortável cama, quando três “gatunos”, certamente por encomenda de terceiros, dele se apossaram com “puleiro” e tudo, fugindo pela porta e rua lateral do imóvel, num possante veículo SimcaGalático de combustível hélio + carbono + nitrogênio + elipses + “um poderoso abstrato desconhecido” que era o supra-sumo da potência.
O vizinho, Sr. Shuthriphe, inadvertidamente viu a cena e compreendeu o que ocorria, tentou impedir o furto, roubo, rapto ou seqüestro (não importa o nome que lá davam para aquele delito intentado e praticado) do Bhalthazar, mas não conseguiu, pior que isso, foi forçado a ficar inerte sob pena de ser “transferido via éter” para a “Eternidade ou Zona H” nome que davam ao limbo deles, guardado por feras inomináveis que mantinham os infelizes que lá chegavam como escravos sem saída ou opção de lazer e onde tudo era um fim de mundo mais profundo que a pior das depressões que conhecemos e ninguém quer ter. Ainda assim, buscou via telepática, imediato contato com as autoridades do delito em curso, os denominados “Vigias Classe Hs” que a tudo monitoravam pretensamente sob comando do “H Maiúsculo” o dirigente máximo da galáxia, munidos de tirocínio e velocidade “da luz” em seus deslocamentos e investigações, que logo, logo, saíram à busca dos delituosos, prendendo-os adiante, com veículo e tudo, em cadeia psicossomática de envergadura disforme e descolorida em local que denominavam limbo, ali ficando à espera do julgamento supersônico que não tardaria para ser feito dentro do padrão escorreito e concernente às escrituras legais que a tudo disciplinava e comandava, dela nada escapando, até mesmo uma cuspida, se mal dada, nela encontrava a predeterminação aplicável. Tanto quanto a lei, também a Comtista e Positivista mensagem “Ordem e Progresso” signo e chave de abertura de portas palacianas, devia ser seguida ao pé da letra, sem jeitinhos, embora não houvesse outro jeito que não o jeitinho, até mesmo para transformar em vítima o delituoso e culpar os Vigias Hs pelos delitos.
Enquanto isso, parece que foi por obra e graça do mau humor de Bhalthazar, agora despido do disfarce e lutando pela própria sobrevivência depois da briga que teve com o Sr. Shuthriphe, os vários céus da galáxia se encheram de nuvens nimbus pesadas, prenhes de muito terror e raios, anunciando temporais carregados de cadáveres e esqueletos de aves já sem asas, vindas da “Eternidade ou Zona H”. Em meio a tudo aquilo, como se fosse um sopro de ilusão, uma criança lindíssima chamada Cohngtho ganhou um bolo e nele, escondido, reinava um jacarezinho muito bravo, que rosnava rilhando seus dentes afiados trazendo por sobre sua parte anterior (ou seriam suas costas?) várias larvas ou óvulos ali depositados que pululavam sem se saber como, porque ou por quem. Os mais variados personagens dessa galáxia tentaram de todas as formas e conseguiram libertar a criança, mas não mataram sequer uma larva ou óvulo que fugiram em violento pé de vento que, tampouco se soube, se pé direito ou pé esquerdo pois na verdade e por mais inverossímil que seja, aquele vento não tinha pernas e muito menos pés.
Ora, ora, as tais larvas ou óvulos, do jacarezinho do mal, se transformaram em peste invisível e performática e do rabo do jacarezinho e atacaram o bolo maior chamado mundo ou universo ou, como queiram, toda a galáxia que não os esperava e muito menos estava preparada para recebê-los ou enfrentá-los. Entre as formas dessa peste atacar, uma era pelo contato entre os habitantes, porém, a mais comum era pelo ar que os habitantes para sobreviver respiravam, por isso com o respiradouro que chamamos de nariz voltado para cima (o que tornava difícil sair à chuva sem guarda-chuva) a defesa desse ataque se tornou quase impossível. Os muitos contaminados contaminavam outros tantos e assim por diante, formando o que foi chamado de “pangaláxiamia” (o que conhecemos como pandemia) que transformou para pior a vida dos habitantes. E foi um “salve-se quem puder” para todos, com ou sem eira ou beira, embora alguns ainda professassem sentimentos esquecidos desde tempos imemoriais, todavia escondidos em suas entranhas agora expostas às intempéries e vicissitudes; estes, iniciaram campanhas de arrecadação de bens à sobrevivência criando uma corrente de solidariedade que se pretendia houvesse sempre existido e jamais existira de fato porquanto sempre tinha cascas de bananas por trás delas. Enquanto isso os entendidos, cientistas claro, antes tão desconsiderados, em franca e agora respeitável atividade saíram à busca de armas para enfrentamento do inimigo com chances de êxito para vencê-los. A partir daí e só a partir daí aqueles antes ditos idiotas e campeões na perda de tempo, em estudos non sense, foram reconhecidos como os salvadores da Pátria ou melhor, da vida, pela grande maioria dos galaxianos (uma minoria de idiotas, metidos a heróis de frascos e comprimidos, acreditavam em mil e um tratamento precoce ineficaz).
E Bhalthazar, por onde andaria Bhalthazar? Pois bem, com toda sua fama, capacidade e pretenso saber, após o incidente de que foi vítima, voltou ao seu “Puleiro” e se aquietou, um tanto quanto livre das tralhas que o amordaçavam ou melhor, que só lhe deixavam repetir o que a insanidade do grupo lhe repassava e, assim calado, virou um grande poeta de silêncio inalcançável, alheio a tudo quanto não fosse se conservar integrante do “Puleiro Mor”, o qual jamais pensara ter e que agora o tendo fazia qualquer coisa para manter, até peremptoriamente calar a boca se preciso fosse. Saliente-se que silenciosamente rezava pedindo aos céus que ajudassem Lhulbhabha, a quem acreditava fosse o antônimo de si que, embora idiota, jamais cometera qualquer furto ou roubo, para voltar do merecido limbo a que fora enviado por galaxianos honestos (e que por serem, exatamente isso, honestos, agora caíram em desgraça vitimados por sorrateiros golpes dos poderosos que não suportaram viverem longe das “mamatas” que os tornavam mais ricos e poderosos) e viesse concorrer consigo, entendendo como única chance que tinha de sucesso para continuar no comando da “Galáxia H”, usando e usufruindo do pomposo e nada abstrato título de “H Maiúsculo” sendo a única, ainda que péssima, alternativa àquele (que todos sabiam, como se fosse possível e era, bem mais péssimo do que ele).
A galáxia, apesar de tudo segue viva porquanto seu solo é rico enquanto que seus habitantes, em sua grande maioria, são ricos apenas de imaginação, jeito, trejeito, curvas e métodos ortodoxos derivados da lei do menor esforço, sem educação ou conhecimento cultural suficiente para igualaram-se ao solo que habitam e preguiçosos, néscio, preferem mitificar absurdos, elegerem pretensos heróis de bravata para lhes repartir o bolo (que ficam com os maiores e melhores pedaços) e, impassíveis eis que se repetem “n” vezes, em vez de fatias se contentam com migalhas... A tal “Galáxia H” parece, nem tão distante assim de nós, nem Bhalthazar ou Lhulbhabha, como se sabe, o são...
quinta-feira, 15 de abril de 2021
PREDESTINAÇÃO
Nem bem começara a tarde, nem a tradicional sesta,
o temporal anunciado em nuvens escuras no céu plúmbeo
desabou por sobre infelizes vítimas, prenhe de aleivosias;
daí em diante nada se sabe do que ou quando, tudo é festa,
do que ou quando se estancará toda água desse plenilúnio
forjado em grossas gotas ou flechas grávidas de ventanias.
Arrisque-se a sair de casa expondo-se como um fio terra
pensando não ser imã suficiente para atrair poderosos raios
que, quase certo terá à frente, um caindo em sua cabeça
e o seu nada atestará que raios não poupam quem se ferra
pensando ser maior por ter coragem de enfrentar desafios
pouco importando a importância do resultado que ofereça.
A vida é simples como um início de tarde, uma simples sesta,
a aproveite e sugue o sumo próprio de quem sabe vivê-la
mesmo sem ter, mais do que tudo seja, amando, sendo amado
e o seu ser atestará que em si se basta, sendo orgia e festa
em inesgotável plenilúnio de luzes e sonhos, sem represas
para o qual todos, sem ressalvas enfim, foram predestinados.
terça-feira, 13 de abril de 2021
CANTOS DE SEREIAS
Muitos ou todos diziam, certos,
que eras além do demais para mim
e diante de tua beleza, por certo,
por mais bonito que eu fosse e nem assim
que nunca fui, nem perto, enfim,
também eu sabia que eras demais para mim.
Porém, parece, somente nós sabíamos, decerto
O que um e outro era ou seria, sempre, para si.
No entanto, para nosso desencanto, o canto
dessas urbanas sereias presas nas areias
da ampulheta chamada destino, fez-se ouvido
resultando na dispersão de sonhos intumescidos
desenvolvidos n'outros caminhos e acenos
enquanto se dissolvia nossa trigonometria
não apenas em repetidos senos e co-senos,
para fora e além do infinito de nossa simetria.
E fomos de gole em gole do azedo embriagados,
Sem mais o doce do vivido e jamais esquecido
Que teimosamente permaneceu ali, ao nosso lado
Como dolorido espinho espetando os desatinos.
E foste embora, sem jamais ter ido em mim
Que conservo teu aroma no amor inenarrável,
Em meio ao imensurável da saudade e suas teias
Para muito além dos falsos cantos de sereias.
domingo, 28 de março de 2021
FESTAS JUNINAS – FOGUEIRAS, BATATAS, MILHOS, ETC.
Mais uma, das tantas, do Moleque:
Quase ao final do outono, quase ao início do inverno, se apresentava junho com suas festas que, caipiras em outros pagos, em Uruguaiana era bem gauchesca mesmo, com aquele bando de guris e gurias trajados à campanha e lides campeiras(¹), borboleteando por sobre o mel dos passos marcados, desenhado pelas músicas e danças trazidas pelas gaitas ponto ou não, piano ou não que, engasgadas de milongas, xotes e rancheiras embeveciam os convivas, como o Moleque que somente não estava vestido a caráter por falta de pila(²) mas nem por isso deixava de se esbaldar em meio aos demais, especialmente às demais, claro porquanto, de fácil combustão, em meio delas crepitava como capim seco jogado ao fogo.
Mas, não eram apenas os folguedos juninos patrocinados pelo Grupo Escolar Maria Moritz que davam corda ao Moleque; ele próprio, mais alguns amigos e os tinha em grande número, desde o alvorecer do mês rumavam às Vilas Júlia ou Rui Ramos, localizadas nos arrabaldes da cidade, lá prás bandas do Matadouro, local de abate de gado – vacum, ovino, suino - à comercialização nos açougues e bem mais além do que a escola; a geografia dessa região plana, com várias nascentes e olhos d'água que formavam arroios e sangas onde os valorosos militares do 8º Regimento de Cavalaria realizavam manobras de instrução e aprimoramento montados em briosos cavalos, quase xucros(³), em espetáculos parecido com os circense nas acrobacias e, por que não, nas confusões entre as partes, cavalo e cavaleiro que nem sempre se acertavam, gerando situações de comédias como verdadeiros palhaços da companhia; as ocorrências eram tão encantadoras e hilárias, dando ou não dando certo os exercícios que, o Moleque e mais alguns de seus colegas, gazeteavam aula nos dias marcados, para assistir o show que, jamais, deixou de ser um grande atrativo e nunca decepcionava pela qualidade do aqui e agora, do improviso e, quem sabe também por isso, sendo gratuito, realizado ao vivo praticamente junto ao espectador que embora o ímpeto próprio da idade, só não interagia porque não tinha cavalo para montar e os berros do sargento impedia.
Quase sempre quem se dava mal nos exercícios de saltar por sobre arroios e sangas, ou atravessá-los ao trote, além dos cavalos, eram os milicos, reiúnos, soldados(4), como queiram e somente uma vez, para grande alegria e algazarra dos espectadores, uma plateia sedenta de inusitado, aconteceu do próprio sargento-instrutor também se dar mal: um reiúno sem traquejo equestre não dava seguimento à montaria que, desobediente, estancava à beira do arroio e não tinha pinguelim(5) que o impelisse à frente, fazendo-o desempacar; “Volta, toma distância de uns dez ou quinze metros e de lá, vem à galope e faz esse matungo(6) pular o arroio”; não adiantou nada tudo isso, embora o milico tenha cumprido a ordem exceto no quesito galope pois o indomável cavalo, ainda que mais açoitado pelo rebenque(7) não chegou a galopar ou fez “corpo mole” desdenhando do condutor. Irritado, o instrutor aos berros mandou o milico desmontar e entregar às rédeas para ele que iria mostrar como deve proceder um militar num caso desses; dito isso, desmontou do seu e montou naquele veiaqueador(8) desordeiro e tomou larga distância do arroio, para lá dos 30 metros de onde partiu a galope, intrépido, açoitando às duas ancas do cavalo. Olha foi como se um raio chispasse(9) o terreno pelas patas do cavalo que, ao chegar na barranca do arroio, em magistral e impressionante retesamento muscular estancou sem aviso e nem se sabe como, complementou tal inércia com um movimento brusco de trás para a frente e de baixo para cima com as patas traseiras, enquanto as patas dianteiras se mantinham inertes fincadas à barranca, arremessando o instrutor num vôo cego, de cinco ou seis metros, para dentro das águas frias do arroio... aquele cavalo maroto, atrevido e sem patente, vingou a todos os infelizes milicos jogados à sanha de um instrutor que mais berrava do que ensinava, meio que despreparado, convenhamos.
Voltemos, porém, ao cerne e assunto principal; naqueles locais, ainda ermos, destacava-se na vegetação não apenas maricás(10) e suas flores que dependendo de quando aparecem, de dezembro a março, anunciam se o inverno será para mais ou para menos rigoroso (quanto mais cedo a floração, mais enregelante será o inverno), também as sina-sinas(11) planta um tanto quanto franzina que tem como caracteristica principal enorme quantidade de espinhos no tronco e nos galhos. Pois bem, pelos efeitos naturais da vida vegetal (e quem sabe animal também) muitas dessas plantas a cada ano se tornavam secas sendo apelidadas de ramas que, incendiadas, emprestavam aos folguedos juninos o brilho e calor das fogueiras ao redor das quais todos brincavam e até as pulavam com outros, mais expeditos, o que o Moleque jamais entendeu como, caminhando descalços por sobre brasas sem se queimarem; além disso, eram assadas mandiocas (chamadas de aipim em Porto Alegre), batatas (em especial as chamadas “americanas” de cor amarelada, muito mais doces do que as batatas brancas) e até pipocas, mais milho assado; registre-se que o pinhão era raro devido a ausência de araucárias ou pinheiros naquelas plagas(12).
O Moleque e sua turma puxaram muita rama seca pelas ruas de acesso às suas respectivas frentes de casas onde realizavam suas fogueiras em horários distintos de forma que todos participassem de todas, em grande comilança, danças e cantorias, além de demonstrações de arrojo e valentia sem conotação com outro predicado senão o de se mostrar em exibição inútil e sem noção ou, mais suave e verdadeiro, pela simplicidade de ser feliz pelo ato de meramente participar da brincadeira sadia. Assim em 12 de junho, véspera do dia dedicado a Santo Antônio e em 13, as fogueiras eram acesas, umas por volta das 19:00H, outras mais tarde; também em 23 e 24 (diziam ser esta a noite mais comprida do ano mais propícia ao exercício de magias e “simpatias” que revelavam o futuro, principalmente às gurias) do mesmo mês, véspera e dia dedicado a São João, o espetáculo se repetia, voltando a ocorrer em 28 e 29 véspera e dia dedicado a São Pedro e São Paulo, onde todas as fogueiras se tornavam bem menores em comparação a única, enorme, em que todos colaboravam para sua realização, em meio a um descampado, no epílogo das festas em grande estilo. Bombinhas e buscapés, em todas, explodiam e serpenteavam por entre a gurizada e, pasme-se não ocorreu nenhum acidente a respeito, pelo menos que disso tenha lembranças o Moleque, tampouco dessa gana incendiária não sobrou para nenhum deles o vício respectivo.
Não se tem, também notícias de que alguém se tenha ferido, levemente que fosse, por queimaduras, exceto pelo acidente, incidente melhor dizendo, protagonizado pelo Dula, o marido da Bila, uma das filha da "mãe" Mocita. Vez que outra, Dula ultrapassava a cota no trago indo além do quinto “martelo”(13) e no trajeto de volta ao lar, caía nas incontáveis valas e valos do caminho sendo ajudado a sair da encrenca por vizinhos e conhecidos que o sabiam bom e pacato sujeito até mesmo quando enxarcado pelos “martelos” ingeridos. Ao epílogo, naquele ano, lá estava Dula com entusiasmo e grande alvoroço distribuindo aplausos e vivas pra todo mundo, com sua voz tronante um tanto quanto enrolada, em dicção falha por culpa do álcool; as pernas, da mesma forma, trôpegas, o mantinham no tonto movimento que o comando cerebral determinava. Dona Lucidez há horas o havia abandonado quando ele, descontrolado como estava, resolveu pular a fogueira e, de imediato, sem aviso, lá se mandou para exercer o ato que tanto aplaudira naqueles que arriscavam e conseguiam fazê-lo. Nem tão alto estava o fogo porém Dula, na sua beira, tropeçou nas próprias pernas e despencou no meio dele; inegável que o impulso dado ao seu corpo pelas cambaleantes pernas saturadas de “trago” lhe serviu para que rolando escapasse de um resultado pior, pois saiu na outra ponta da fogueira todo chamuscado porém vivo e exceto pela queima de alguns fios de cabelo de sua larga melena, mais a totalidade de cílios e pestanas, da traseira e joelho da bombacha, das pontas do ponche e do cotovelo da camisa de lã, que a tudo vestia, nada sofreu, sendo contido quando disse que iria pular de novo porque não se entregava e ia vencer a peleia com aquelas ingratas ramas que ele mesmo, junto com os outros, trouxera de muito longe para queimar e elas deviam ser agradecidas por isso, não pealá-lo como tinham feito... e a vergonha do destemido Dula que jamais caíra de qualquer cavalo, como bom ginete que alardeava ser... ah, nas valas e valos, bem aí era outra história, não eram elas ou eles e sim ele, bicho indomável, que corcoveara quando nelas e neles vez que outra caía...
De qualquer forma, as fogueiras, tradição iniciada por Santa Isabel para avisar Virgem Maria do nascimento de São João, trouxe muita alegria e calor a infância do Moleque que a cada junho às reacende nos cantinhos da memória e volta a brincar de pulá-las, comer batata e milho assados, etc, etc...
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GLOSSÁRIO: (¹) eles de bota, espora, bombacha, campeira, lenço vermelho ou branco no pescoço; elas, vestidas de prenda, com vestido comprido até o tornozelo, fita e flor no cabelo quase sempre solto; (²) corruptela do Cruzeiro, moeda da época; (³) Diz-se do animal bravo, ainda não domesticado; (4) milico é o nome que se dá aos soldados em geral, sendo o reiúno o menos valorizado, o iniciante; (5) Chicote comprido e delgado usado pelos cocheiros; (6) cavalo ruim, velho, imprestável; (7) Espécie de chicote; (8) cavalo manhoso, matreiro; (9) de chispa, fagulha, faísca, centelha, lampejo; (10) o mesmo que espinho-de-maricá, planta da família das leguminosas-mimosáceas; (11) árvore leguminosa, espécie de espinheiro, geralmente empregada em sebes viva; (12) País, região; (13) medida para líquidos equivalente a 0,165 litro; copo pequeno para aguardente.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021
DOS CADERNOS DE POEMAS (TEMÁTICOS)
CADERNOS DE POEMAS DO POETA ITAGIBA JOSÉ (TEMÁTICOS)
I – POEMAS TRÁGICOS
II – POEMAS LÍRICOS
III – POEMAS CLÁSSICOS
IV – POEMAS ÉPICOS
I
POEMAS TRÁGICOS
- ÍNDICE –
Acidente
Facho de Luz
Morte Natural
Na Arena
Engrenagem
Bêbedos
Imaginação
O Algoz
Cavalos de Batalha
Triângulo
O Direito de Estar Só
Rosa de Chica
De Óculos Escuros
Remoinho
Sala de Jantar
Submundo
Identidade
Pés de Barros
O Passeio
Miséria
Do Ponto de Vista do Criminoso Ocasional
Percurso
Alegoria
Moleque Engraxate
Rancor
Desilusão
Nenhum Por Nós
Sol Posto
Prostituta
Loucura
POEMAS TRÁGICOS-POETA ITAGIBA JOSÉ
ACIDENTE
Um carro em alta,
Na rua baixa,
Canta pneu,
Um baque, surdo,
Bradou bem alto
O que ocorreu...
Um corpo rola
E o carro em alta
Na rua baixa
Sangra pneu!
FACHO DE LUZ
Essa luz, tirem essa luz de cima de mim!
Ela me cega, essa luz, tirem, tirem de mim!
E novamente o torpor, na cadência do nada,
Invadia àquela vida que, na madrugada,
Diante da luz, dessa luz que a atormentava,
Se precipitara na loucura da escuridão.
Essa luz, dizia baixinho, essa luz, essa luz,
Murmurava o que ninguém suspeitava
Ou ouvira, jamais; e dormia e chorava
E morria e renascia para morrer de novo.
O médico, sonolento, da pequena cidade
Tentava fazê-la voltar à consciência...
Para que despertá-la? Se perguntava,
Retirar de seus olhos essa luz que a cega
E minutos atrás a mergulhara no abismo?
Como dizer àquela pobre mulher
Que o marido, os filhos, a sua família,
Há pouco sorrindo, há pouco tão viva,
Passara além do abismo à eternidade?
Nessa luz, a duzentos por hora nessa luz!
Essa luz, devagar, a curva ... meu Deus!
Essa luz, tirem essa luz de cima de mim...!
MORTE NATURAL
Morreu como tanta gente
Sem campos de batalhas,
Sem cama, sem palavras,
No anonimato.
Em troca das flores,
Velas ou lágrimas,
Comuns diante da morte,
Ganhou o aparato policial,
A curiosidade popular
E a manchete do jornal.
Ele que pouco ousara
Ter tempo de beijar os seus,
Beijou o asfalto à cem por hora.
Morreu como tanta gente,
No anonimato,
Atropelado pelo progresso.
NA ARENA
... E aí a calça caiu
Na gargalhada geral
Dos espectadores ...
Quem lhe mandou entrar
Na arena do circo
Sem roupas, sem artifícios
E sem o nariz de palhaço?
Afinal é o riso a praga
Que açoita o ridículo
E o bem que me refaz
Em teus braços.
Enquanto lhe caía as calças
Sua vergonha tirava férias ...
ENGRENAGEM
Andava pela periferia,
No fundo querendo penetrar no núcleo.
Dardejava, encanecia, pudera
Não é todo dia que se pode pensar raposa
E se deliciar em uvas maduras ou verdes,
Não importa, sempre uvas, ora!
De tanto se expor, foi sugado,
Caiu no teatro de marionetes,
Aceitando os cordões que lhe impuseram
E a manipulação de suas ideias e ideais.
Foi espicaçado, moído, desmoralizado,
Doutrinado, mas estava dentro do núcleo,
Seguro, sóbrio, e isso já lhe bastava.
Caiu quando acreditou estar subindo
E, triturado, jamais ser reencontrou,
Nem valeria a pena ou poderia fazê-lo
Eis que apodrecera como as uvas
Atiradas à pretensa raposa que seria,
Abocanhado por sua própria ambição.
… E dizer que um dia ele havia sido
Um contestador, da periferia,
E, quem sabe, um ilustre ser humano
Corrompido somente de ilusões e esperanças!
BÊBEDOS
Carne esponjosa
Regando a sarjeta
De lixo humano.
Bêbedo, como um trapo
Dorme com o sol do meio-dia
Batendo em sua cara.
Desviando do monturo,
Indiferente e irritado,
O mundo passa ao largo
Com olhos e nariz, tapados.
Mundo dos homens
Regando a natureza
Com sua poluição.
Como o próprio bêbedo
Que reprova e expulsa,
Batendo em sua cara.
Embora todos os benefícios
Não dá para passar ao largo,
Nem tapar olhos, boca ou ouvidos.
SEM PALAVRAS
Passou o dorso da mão direita
Sobre os lábios lambuzados
De sol, baba e cachaça,
Da mistura do suor com o pó
Fez seu último gesto simbólico.
Retirara da vida a febre, o vício
Em andanças por entre copos e garrafas
Buscando o próprio ego que vilipendiara
Abdicando de amigos e familiares.
Quis ser sorriso, foi um escárnio
Quis o mundo e nem teve a decência
De lutar para ter, pelo menos, a si mesmo;
Quis ser um deus e foi só um alcoólatra,
Um demônio feito de despojos!
Ao limpar os lábios com o dorso da mão
Fê-lo para reencontrar-se com o amém
Sequer conseguindo reinventar-se perdão
Do que há muito esquecera, também,
Nem disse adeus, mesmo fosse alcoólico...
Passar o dorso da mão direita, à chalaça,
Nos lábios lambuzados de suor e cachaça,
Foi seu derradeiro gesto simbólico...
TETUSKIN!
Apanhara a rosa no jardim do sonho
E desde então o sonho ficara rosa,
A noite se fizera dia,
E o dia se fizera vida.
Desfolhada a rosa
A vida se repaginou em noite
E do sonho restaram espinhos.
Tetuskin! Tetuskin! Tetuskin!
Tetuskin é tão incompreensível
Quanto a dor que sentimos
Ao perder o amor nosso de cada hora.
Tetuskin! Tetuskin! Tetuskin!
… Ela espinhava de solidão!
O ALGOZ
Sorria de fechar olhos e abrir orelhas
Mas permanecia mudo
Com tal atitude, parecia uma caricatura
E despudoradamente, negava o seu apoio.
Como que recuperando o controle
Sobre o músculo facial antes retesado
Vociferou seu ódio sobre a indefesa vítima
Que o mundo se encarregara de lhe devolver
E se deliciou em ser a taboa podre
A que o náufrago tentava se agarrar.
Tudo estava bem agora,
Conseguira após tantos anos
A vingança alimentada pelo ódio
Que por extensão o mantivera ativo
Durante toda uma vida.
Realizara sua vingança
E desmentira os idiotas que a proclamavam
Como uma felicidade efêmera
Diante daquela oferecida pelo perdão.
Naquele momento deixou de ser a vítima dos outros
Para se revelar vítima de si mesmo
E jamais admitiu que os idiotas, à final,
Os idiotas tinham razão!
CAVALOS DE BATALHA
As rodas de borracha deslizavam
Mansamente, na cidade grande
E nada chamaria mais a atenção
Naquela tarde de chumbo e sol
Do que tanta miséria retratada
No todo daquela carroça;
A própria ironia, como se buscando
Um lugarzinho no asfalto quente,
se postara imediatamente atrás,
Num carro importado que buzinava
Querendo empurrar o lixo à frente,
dobrar à esquina, fugir ao contágio...
Percebido um gesto fugidio,
Nervoso, da mão que varou o vento
Indicando entrada à esquerda
O mundo parou, como sempre,
Para a miséria atravessar a rua...
Não sei qual o mais infeliz,
Se o cavalo ou o carroceiro
Ambos desnutridos, desolados
Puxando seus infortúnios,
Um atrelado a uma carroça
Outro, sem saber como ou por que,
Atrelado ao chumbo e sol da vida!
IMAGINAÇÃO (Em Algum Lugar do Passado)
Encontrara sua amada
Após buscá-la inutilmente na realidade
Reduzida a uma fotografia antiga,
Em uma casa de antiguidade.
Aquele rosto fotografado
No alvorecer da arte fotográfica
Espelhava a meiguice, a ingenuidade
Que ele sonhara haver existido.
Apaixonado por aquela imagem
Sabia que não a veria em carne e osso
Mas acreditava que a encontraria
Em um canto qualquer do infinito,
Lá onde os mortais penetram, apenas
Com as asas da imaginação.
Um dia, após violenta tempestade,
À sua frente fez-se o arco-íris
E, rapidamente alçou-se à estrada colorida
Percorrendo-a n'último sopro de vida.
Com a chave, que não soube explicar
Como viera ter às suas mãos,
Abriu as portas do Céu e encontrou sua amada.
A fotografia, do início de um século,
Transmudara-se para aqueles braços
Que o envolveram em sua Paz e Amor.
A cidade inteira, enquanto isso,
Penalizada comentava que perdera
Seu cidadão mais pitoresco:
Um bom sujeito, louco e inofensivo,
Que amava, como se o ato de amar
Por si só não fosse uma loucura,
Amava uma fotografia!
OBS: Registre-se que o poema foi escrito em ago/1967 e publicado em Dez/1976, anos antes da realização do belíssimo filme “Somewhere in time” (Português: “Em algum lugar do passado”), de 1983, estrelado por Cristopher Reeves e a encantadora, meiga, Jane Seymour, também Christopher Plummer, sendo o tema (história) idêntico, ou quase, ao deste Poema. Cremos tenha sido por mera coincidência!
ROSA DE CHICA
Rosa Laídes Vieira era seu nome e ninguém sabia,
Rosa de Chica era como a chamavam.
Tinha seus problemas sociais, morais, venais,
Mas fora moça prendada, de família, ingênua,
Até que um dia conheceu o cravo e com ele o espinho,
A dor, o abandono, a rua, o mundo e ninguém sabia.
Desprezada, humilhada, pisoteada, arrancou do útero
O filho que a amaldiçoara. Pariu na cidade grande!
Vendo arrancada do fundo de si mesma
A materialização de sua desgraça e pecado,
Instintivamente apertou a criança contra as coxas
E seu urro de dor abafou o único vagido da criança.
Esse foi o último fio de realidade
Que Rosa Laídes rompeu em um gesto de defesa
E foi nesta data que nasceu Rosa de Chica
Completa para o mundo... e ninguém sabia.
Rosa de Chica viveu durante anos à margem,
Na obscura rua da fatalidade, desdenhada,
À margem da Rosa Laídes que fora...
Quem matou o filho de Rosa Laídes?
Não foi Rosa Laídes, foi a de Chica!
Quem criou Rosa de Chica? Foi Rosa Laídes?
A conjuntura? O Destino? O Estado Puerperal?
Não, o estado Puerperal isoladamente
não mata filho de ninguém, nem de uma Rosa de Chica
sem pressões, loucuras ou arrependimentos!
Para analisar o nascimento de Rosa de Chica, comecemos por Laídes,
Moça prendada, de família, ingênua, até que conhece o cravo
E com ele o espinho, a dor, o abandono, a rua, o mundo...
Quem matou a Rosa Laíde e também seu filho,
Fazendo nascer a Rosa de Chica que todos ridicularizavam,
Foi tudo isso, meus jovem, foi tudo isso!
TRIÂNGULO
Belisca João o pé de José que bate na bola
Belisca João o pé de André que bate na cara de João.
João não reflete, se perde, reage e bate em André,
José se intromete, atrapalha, separa João e André.
Uma bala, uma faca, uma pedra, é o fim de José.
É João, é André, é a fuga, o medo, a noite, a morte!
Quem matou? Quem morreu? João, André? Oh, José!
João e André, três anos depois, é a condicional.
Já não é mais João, já não é mais André, são fantasmas
Libertos das grades de ferro da Penitenciária,
Prisioneiros ainda das grades chamadas lembranças
Que beliscam João, que beliscam André,
Se intrometem, atrapalham, separam João e André,
Como outros josés que trazem José...
Belisca João o pé de André que lhe bate na cara,
João não reflete, se perde, reage e bate em André.
Uma faca, uma bala, duas pedras, é o fim de João,
Também é o fim de André ... E José?
Morre agora, José!
O DIREITO DE ESTAR SÓ
Um dos gêmeos revoltado resmungava
O outro, humilde, permanecia quieto.
O primeiro estendeu-se comprimindo o outro
E tudo não passava de uma provocação,
Não estavam delimitadas suas áreas,
Nem cabia acordo; ao mais forte, tudo!
Enquanto se dilatava o ventre da mãe
Um sugava o alimento, o outro a fome;
Um o poder, o outro a servidão;
Um a exuberância física, o acinte,
O outro a fraqueza, a humilhação
E quando vieram ao mundo,
Ultrapassado o portal do indizível,
O esfomeado engoliu o seu ódio,
O opulento engoliu o seu orgulho
E, mesmo assim, conseguiram permanecerem sós.
Abortados, jamais viriam saber
Que repetiram em um ventre de mulher
O drama do ventre do mundo.
SALA DE JANTAR
A sopa fora servida quente e aguada
aos comensais da semana
e nem seus picantes temperos
alteraram a monotonia dos convivas.
Os pensamentos sobrevoavam extremos:
Qual a melhor maneira de jogar a sopa?
sobre o outro? no assoalho? ou no estômago?
As colheres retiniam nos pratos
que, conforme a sopa desaparecia,
mais se expunham ao metal feminino.
A mesa em leque fechava o ciclo
e os bancos duros integravam os caracteres
dos desventurados que suportavam.
Ao som do apito estridente
os convivas, cabisbaixos e ordenadamente,
acompanhados por guardas e metralhadoras
voltaram às celas e aos devaneios...
Amanhã, tudo seria igual e novamente!
SUBMUNDO
Das veias do tempo, desprendeu sua história
Que jorrou fértil no ouvido curioso.
O farrapo falava de dores e mortes,
Definindo desgraças sem chorar suas causas,
Mas suas consequências;
A principal delas, ser ele apenado
Para o resto da vida!
Ele outrora orgulhoso e estúpido
Dono de uma cidade
E da manchete do jornal policial,
Ficara reduzido a um fardo de lamúrias.
Sozinho com suas lembranças
Passava seus dias e nas paredes
Da cela suja onde reinava,
Sabe-se lá se por ironia ou crença,
Escreveu em letras tremidas:
“O CRIME NÃO COMPENSA”.
DE ÓCULOS ESCUROS
Hoje, estou a olhar o mundo de óculos escuros
E vejo tudo cinza,
Desanimo diante da perspectiva de enfrentar meu dia
E a natureza contribui para esse desânimo,
Está quente, grave, abafado.
Apesar disso tenho de fazer o que faço sempre,
Agir no mesmo diapasão
E dedilhar o conhecidíssimo teclado
Da velha máquina de escrever,
Cair na mesma rotina, cheirando a mofo.
Quando menino colori meus óculos de cor-de-rosa,
Depois várias cores alternaram-se nas lentes
Exceto a rosa que, agora sei, não mais virá.
Ao verde da adolescência sucederam-se o vermelho,
O amarelo, o lilás e este cinza que me cerca
E me força a usá-lo cada vez mais
Mantendo-se, possivelmente, como símbolo
Do azedume recolhido no interior de meu ego
Durante minha própria campanha na vida.
Espero que minha decadência física,
Amanhã, seja minha ascendência moral
Que possa cobri de branco o conteúdo inócuo
Trazido nas lentes da reminiscência.
Por enquanto e, pelo menos, hoje,
Estou olhando o mundo de óculos escuros
E posso afirmar, com toda certeza,
Não há beleza no que vejo!
REMOINHO
Ajuda! Meu Deus, quem ajuda?
Vagando, vazado, reprimido,
Sem ter um riso ou a ti;
Ultrapassei o castigo, o bem
Da volta, não tem nada além
Nem aquém. Na lei do espaço
Quebrado me perdi, atingido,
Vivendo o não sei se eu sei
Ajuda? Onde está a ajuda?
Que se fez intangível, ruim,
Se no furor da verdade
Que se jogou sobre mim,
Ou no torpor da mentira
Onde com febre vivi?
Onde está, meu Deus, a ajuda?
O endereço dela nem tenho ou sei
Mas alguém tem de ser o alguém
Que perdi em meu dia a dia
Quando a tive e calei, e calei.
Ajuda! Ajuda! Sou eu ... sou ...!
IDENTIDADE
Mantenho diante do vejo e sinto
Esta postura antropofágica como defesa;
Se não tenho o porto de herói ou guerreiro
É porque me contento em ser covarde ou,
Pelo menos, ser normal como todos os outros.
Procuro manter coerência em meus momentos
Para que no gênese de meus pensamentos
Possa reter a ordem que o cotidiano retira;
Assim, construo dois mundos
O que pode parecer inadmissível:
Enquanto do lado de fora da muralha
Porto-me como gladiador embrutecido
Lá dentro deixo cantarem pássaros
No jorrar da cascata da imaginação.
Não tenho pretensão de mostrar-me como sou
Abrir-me para ser retalhado não é exatamente
O que desejo; não tenho coragem para tanto
Reconheço que se aparência e verdade
Puderem ser mantidas sem atropelos
Passarei pela realidade imposta pelo meio
Sem prejudicá-la ou combatê-la.
À final, a inércia e a aceitação passiva
Fazem parte do arsenal da humanidade
E só e fraco não tenho forças para vergá-las.
Todos transferiram a solução para todos
E guardaram dentro de si o melhor que têm,
Não sou exceção, pudera!
PÉS DE BARRO
E a televisão abriu seu noticiário
Com o conteúdo patético de sempre:
Os homens continuam matando e morrendo,
O mundo, velha esponja regada a sangue,
Não se satura, nem explode de ódio,
Continuando, indolentemente, o mesmo mundo.
Até o pequeno e ousado jornal da cidadezinha
Conserva esta mesma postura trágica,
Tão antiga como o próprio anonimato
Das boas ações que o cotidiano abriga.
Tais ações, não têm a bela agressividade
Que as outras detém, nem lhes sobra
Um toque de extraordinário ou pecado
E por não terem mistérios ou ritos pagãos
Não fazem performance na publicidade,
Em decorrência, mão dão lucro ou audiência.
Cantemos, pois, o mal, tudo dos crimes,
Apontando guerras santas ou profanas
E de qualquer forma vis porque guerras,
Sem movermos mais que o necessário,
Quem sabe até nem isso, que se lixem,
Para salvar a pele dos insensatos, se possível.
O mal é tão grande que necessitamos
Criar super-heróis e violência gratuita
Para povoar os sonhos de nossos filhos.
Somos tão fracos que apresentamos o mal como um deus
E o bem, ah, o bem, como efêmero paliativo.
Esse ciclo da vida e loucura, continua a passar
Por nossos sentidos, tato, olfato, visão,
Nesse medo que temos uns dos outros
Vital ingrediente para o vigor do noticiário.
E dizer que vivemos de nossas misérias...
DO PONTO DE VISTA DO CRIMINOSO OCASIONAL
Sinto o peso do mundo sobre mim
Pesa-me uma vida mais que a morte
Tudo se conjugou para o resultado
Que extinguiu sonho, extirpou força
E, sem ânimo, prostrou a realidade.
Vertiginosamente ruiu a fé, o poder
E, impotente diante de um corpo,
Só, fraco, vazio, torpe, vi meu ego
Retratado em tantos monstros.
Instrumento, causa, consequência
Não importa, fui todas as coisas
Ou adjetivos, todas elas, tudo.
Interrompi uma trajetória, uma luz
Continuarei a caminhada, a dois,
Levando a minha vítima comigo,
Eu também vítima de meu passado!
PERCURSO
Quando então chegarem as lembranças, na lembrança deste céu
e teimosamente revigorar-se a esperança, na esperança deste céu
estarei regressando às reticências, na demência de sonhos incompletos,
vivendo assim o derradeiro lance de estrada que me leva até o depois.
Quando, então, voltar a ser garoto e não ser e fazer rir entre os moleques,
temperarei crepúsculos e alvoradas à fragrância de sonhos incompletos;
quando voltar a ser ninguém, ao ninguém que sempre sou,
no esquecimento, serei mero pó carregado nas asas dos ventos
na plena orgia de saber-me nunca mais!
ALEGORIA
Cuidado que o bicho papão está
solto
o pão está caro e o dia está
roxo
e a luz acesa é a luz a pagar.
Cuidado, o celular estrila no bolso
apertado
e o riso de graça estraçalha
a vida no bocado
que fica na sua, continua nos homens,
na boca da noite, da fome.
Cuidado, o lado tem lado na rua,
devora tua própria escala
de nariz do palhaço, de morte
que reduz tudo ao nada
e brilha à sombra da vida
que se impõe ou pensa no nada
do teu tudo escasso que o vírus consome!
O PASSEIO
Ia Maria
Uruguaiana
a Porto Alegre
vendendo vida
e ria tanto
e como ria
a Porto Alegre.
Era o passeio,
carro do ano,
tão almejado,
a Porto Alegre.
Mas de repente
bate em Maria
nos olhos turvos
à curva à frente
e o riso cessa
cessa o instante
e Porto Alegre
fica distante.
Perdeu o Porto
grande alegria
com a Maria
que chegaria.
Cheia de espera,
toda Maria
que era linda,
de Porto Alegre
ficou na estrada,
nem vinte anos,
de Porto Alegre
cheia de espera.
Em geada fria,
sem fantasia
a Uruguaiana
e o passeio
tão esperado
restou Maria
não consumado.
Curva em Maria
tanta existia,
à curva nada
sobrou a estrada!
MISÉRIA
Tempo de pobreza
miséria dividida,
prato do dia
o sol do meio-dia.
À noite, as estrelas
e a água potável
da fonte inesgotável.
Enxuga o orvalho
de olhos, ranhetas,
espaços falhos, cabeça
no estômago vazio.
Imagina o mastigar
no deglutir gestos
engolidos em seco.
Tempos de pobreza
miséria esturricada
prato de dias a fio
a própria miséria!
Nem há mais razões,
estrelas, fontes, colmeias,
só misto de nada com tristezas.
MOLEQUE ENGRAXATE
Tão cedo para a vida acordaste
Moleque engraxate, tão cedo choraste
O choro que o mundo te provocou
Moleque engraxate a ilusão terminou.
Caminhas inseguro, moleque engraxate
Carregas na língua a fala que bate,
Pequeno e sisudo, arguto e vilão
Aprendes e professas outro palavrão.
Proclamas a glória de saber lustrar,
Tu que não sabes nem mesmo brincar
E o germe que viça em teu peito inocente
É o vírus do ódio que por tudo sentes.
O amor, infância são coisas banais
Sofres na carne realidade, punhais,
As feridas abertas não cicatrizarão,
Sucumbes ao vício, desconheces perdão.
Trabalhas agachado aos pés d’outra gente,
Pensa que dinheiro, moleque engraxate,
A tudo e a todos convence e abate.
Ah, quando te olho assim na sujeira,
Na altura do nada, criança fagueira
Deploro esta vida de muitos madrasta
Que divide os homens em classes e castas.
Vejo-te moleque, sem eira nem beira,
Pequeno engraxate entregue à fogueira
Do mundo imundo que bate e tonteia
E te fez tão jovem conhecer suas teias.
É noite e ainda tu andas nas ruas,
Perambulas sem dono, sem lar, continuas,
Apregoa tua fibra moleque falaz...
Moleque engraxate que pena me dás!
RANCOR
Da caligrafia do tempo
Despenca esmaecida
Folha amarela, esquecida
Ao peso dos contratempos.
Fotografia de inverno,
De tantos outros infernos
Das estações ressentidas.
DESILUSÃO
Eu o forte!
Nada vendo em teus olhos,
Vi além, o reflexo dos meus.
E sozinho amei,
Inventei
E arrebentei de nada.
Eu o forte! Eu, meu nada!
NENHUM POR NÓS
Flutuo em tua praia
Sabendo-me sozinho
E, só em mim, desmaia
O escuro do caminho.
Na luz desse dia
Que o sonho anuncia
Navego, me entrego...
Tu, na mesma praia,
Muito mais sozinha
D'outras madrugadas,
Feres como espinhos
As flores anunciadas
E não se formam ninhos
Na noite do enfim, sós,
Aborta-se dia não nascido
No escuro da indiferença.
Em nós e em cada um
Morre plural jamais vivido
Jazem corações e crenças,
Tristemente, por nós, nenhum!
SOL POSTO
E cai a tarde assim
Como a zombar de mim
Mostrando o que perdi,
Suspenso por um triz
O sol morre infeliz
Como eu também morri.
É tanto o encantamento
Na dor deste momento,
Registro a olho nu
E a cor da tarde calma
Esvai-se como a alma
Da tarde que foi tu...
Mas amanhã é certo
O sol aceso, esperto,
Inteiro e renascido
Virá banhar de luz
A vida que seduz
Todos os sentidos.
Cá dentro o meu sol posto
Expulsa para o rosto
A noite em que estou,
Nenhum sonho me diz
Adiante, o dia feliz,
Da tarde que voltou!
PROSTITUTA
Prostituta tua luta, tua labuta é imoral
Usa o corpo que parece a manchete de um jornal
Eu te acuso, ms te uso e te uso
E te acuso de venal, pecadora, desgraçada,
Sem vergonha e marginal.
Prostituta te entregas a quem te pague afinal
Te transformas na amante, na amada,
No refúgio, na esposa ocasional
E também no 'quebra-galho' mais bestial.
Hoje o Pedro, ontem o Paulo, amanhã?
quem sabe quem, pouco importa
corpo máquina, não pertences a ninguém.
Teu lar é a sarjeta, teu corpo, o 'ganha-pão'
Tua alcova, teus abusos, em qualquer lugar estão.
Prostituta, filha pária, catalizas teus vinténs,
O amor tu desconheces, só dinheiro te convém,
Vives na promiscuidade, é dela que provéns,
Sem jamais ouvir-viver o caminho que é de bem.
Prostituta, Madalena da era espacial
Não tem pena, te condenas a viver pelo mal.
Vês a filha que geraste, que vida ela terá?
Seu futuro, oxalá, não seja o 'trottoir',
Não tem pai, não terá mãe, não terá nada!
Prostituta mais te acuso, mas te uso
Embora queira te ajudar.
Prostituta tua luta, tua labuta é imoral
Usa o corpo que parece a manchete de um jornal.
Prostituta te ajuda, volta à vida, te ajuda,
Pede ajuda e perdão para os erros teus;
Prostituta te ajuda e te lembras, te ajuda
E te lembras que ainda existe Deus.
LOUCURA
Parado, olhei essa distância
que o separava de mim,
as grades da cela o mantinham afastado
do tempo, alienado, suo, irreverente;
sem compreender sua realidade
nem seu destino, não opinava
e introspectivo, parecia triste.
Olhou-me, devastando minha sanidade
e em um lampejo de inteligência sã
cuspiu-me toda a sua desgraça:
"Joga-me quatro bananas,
joga-me quatro bananas!", ordenou-me
diante de minha surpresa e constrangimento.
Por um momento meu silêncio e sua ira se defrontaram.
À explosão de escárnio sobreveio a frase que o mantinha vivo:
"Vou matar todos vocês, vou matar! Um dia, vou matar!"
Por que tanta agressividade? perguntei-lhe,
"Agressividade? agressividade?...
é que tu não sabes o que é ser louco!"
Recolhi-me à pretensa sanidade que detenho
com receio de meu egoísmo ressaltar meu ego
porque, quem sabe, louco tenha sido desde sempre.