terça-feira, 28 de abril de 2020

DÉCIMA DE GRATIDÃO


Das pessoas que conheço, algumas eu não esqueço
Seguem sempre comigo, seja ao lado ou como amparo
Da trajetória, da história, vez em quando meu abrigo.
São idôneas, são cabeças e ainda que eu não mereça
Dizem-se, todas e sem exceção, meus amigos
(Assim é agora e o será, com outras que virão).
Não digo por presunção mas por medo de esquecer
De uma ou outra, nomes, endereços, sobrenomes,
Identidade, CPF, mil e uma coisas da qualificação...
E ratifico às carrego e identifico dentro do coração!

quinta-feira, 23 de abril de 2020

À DERIVA


Isto é a realidade pós galáctica
despida da exatidão matemática
daquele beijo que não dei,
do que perdi, do que não achei
num muito além dessa saudade.

À pura flor de tua maldade,
que se enrodilha em torpe dança
e asfixia também minha esperança,
fez-se motor, partida, entrave,
do percurso errático da minha nave.

sábado, 4 de abril de 2020

QUARENTENA


Ontem, enquanto sentia o cair da neve
Eu escrevia o que nem sempre se escreve.
Que neve? Perguntou-me alguém, que neve?
A que se despenca na alma, não percebes?
Respondi sem me deter mais que o suficiente
Para não perder o fio do transe, do apelo
Do continuar escrevendo, freneticamente,
Tentando ganhar calor, derreter o gelo
Acumulado que me enregela o sonho
De acordar verão na paixão que ponho
Para além do café frio da indiferença,

No esbulho vindo da minha descrença.
Enquanto isso a neve faz de mim inverno
Detendo-me além do não me saber quem
Como tua ausência, causa deste inferno,
Colocou-me no polo frio do teu desdém.
Agora encaro em quarentena a solidão
Tento passar ao largo do sentir-me só
Pelo escape tresloucado da ilusão
De não ter havido temporal por sobre nós.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

OUTRA DO MOLEQUE - PROFESSORES


Desnecessário repetir, que D. Buby (Maria José Pysaco) é a professora mais amada pelo Moleque, ocupando lugar de destaque em suas lembranças e afeto; porém para ele, outros professores também obtiveram elevado grau de reverência e sintonia.

Após o Grupo Escolar Municipal Maria Moritz onde cursou o Primário, ainda em Uruguaiana o Moleque ingressou no Colégio Estadual D. Hermeto para cursar o Ginásio; o tempo de duração de cada um, somados, totalizava nove anos por isso, hoje ambos foram substituídos pelo assim denominado Primeiro Grau. Tanto ao Primário somado ao Ginásio ou o Primeiro Grau, são seguidos do Segundo Grau ou Grau Médio que antecede ao Curso Superior ou Nível Universitário.

Desde que nas vezes anteriores sempre se reportou ao Primário, o assunto tratado nesta historinha do Moleque refere-se a amadores que de uma forma ou outra contribuíram para a formação do Moleque, bem como e principalmente, ao curso ginasial e seus professores, mais propriamente àqueles que marcaram sua trajetória, começando por D. Marília, Professora de Desenho, respeitada Secretária do Colégio, da Ordem e Disciplina, determinando normas procedimentais a serem seguidas e cumpridas, zelando pela disciplina com poder de punir os infratores, além de exercer o trabalho burocrático no controle da documentação referente aos alunos, à matrícula e curriculum/histórico escolar incluindo, ainda, sua decisiva participação à formação regular e ordenada de filas no ingresso de todos os dias e turnos às aulas das diversas turmas e níveis, tudo sob seu competente comando presencial. Por isso, parecia, estar em todo lugar, sempre, com destaque a sua gentileza encoberta pela seriedade e severidade exercida, embora jamais alterasse o tom de voz e a firmeza que de si expandia mormente quando no exercício do aconselhamento ou da decretação e exercício de punição a ser executada e observada com cumprimento eficaz e sério.

Pois bem, talvez porque tenha sido D. Marília a professora que anunciara aos postulantes aqueles que tinham obtido aprovação no exame de admissão e o impacto causado ao Moleque pela situação por ele vivenciada, então, objeto de conto anterior, somando-se ao fato de que acompanhou e orientou sua busca, obtenção e fornecimento da documentação concernente ao ingresso no educandário para cursar o Ginásio, feito tão somente por ele, sem acompanhamento dos pais ou qualquer outro adulto e, quem sabe, por isso achando-o assistencial ou emocionalmente carente, desde aí deu-lhe um diferenciado tratamento, afetivo e de elevada paciência, agindo com relação a ele, de forma branda, carinhosa, perdoando-o de várias encrencas em que se envolveu e até dando-lhe crédito e crença nas histórias que ele contava revertendo o peso ou gravidade de situações que, afinal, para ela eram praticadas devido a inocência derivada daquela criança que nada mais era do que um traquina, um peralta consumado e, em outras tantas oportunidades, realmente não fora o agente daquela falta que lhe imputavam, embora tivesse um histórico... Em verdade, o passado sempre pesava contra o Moleque, daí que era difícil defendê-lo...
Os alunos, para entrarem no Colégio, tinham de estar de uniformes que, para os guris, era calça e gravatinha azul marinho, camisa branca de mangas curtas ou compridas, blusão de lã, gola “V”, azul marinho para os dias frios, sapato preto e meias brancas; para as gurias, saia plissada (do francês, plissé) à altura dos joelhos e gravatinha, ambas na cor azul marinho, blusa branca de mangas compridas, sapatos femininos pretos, meias (que diziam, soquetes) brancas que iam até à base dos joelhos e nos dias frios também blusão de lã azul marinho e gola “V”; ainda, tanto para as gurias quanto para os guris era admitido o uso de tênis branco em substituição aos sapatos, especialmente à época de festas cívicas, como nos aniversários da Independência do Brasil, para o tradicional desfile do Dia da Pátria, realizado, sempre, na Av. Presidente Vargas, ou da Guerra dos Farrapos, à guarda da “Chama Crioula”, na Pira instalada na citada avenida (honra que os estudantes dividiam com os escoteiros, todos supervisionados e organizados pelos valorosos integrantes da Brigada Militar - A Briosa).

Registre-se que o Moleque tinha somente uma “muda” de uniforme sendo um sufoco para sua mãe mantê-lo sempre pronto para uso, ainda mais se considerada a falta de noção dele a respeito causando, com isso, pelas traquinagens e molecagens que eram seu cotidiano praticamente em todos os dias, preocupação e trabalhos manuais a sua mãe, avó, tias ou irmãs, que se revezavam, na lavagem e secagem do uniforme, seja da calça, da camisa ou de ambas ou tudo mais e ao mesmo tempo.

Em um período de muita chuva em todos os dias daquela quinzena, nos primeiros dias ainda deu para a família recuperar o uniforme mediante a lavagem e imediatamente secá-lo com o “ferro de passar” que naquela época era de ferro mesmo, espécie de vasilhame preenchido por brasas de carvão, com duas aberturas uma à frente e a outra na parte detrás (por onde se sopravam as brasas, para avivá-las) tendo ao alto uma espécie de empunhadura de madeira para a pessoa conduzi-lo no ato de passar a roupa. Em um desses dias sobre o qual continuava caindo a persistente chuva não deu para a mãe do Moleque secar sua única calça azul e ele sabia que não entraria no Colégio e nem se importaria pela folga, não fosse o problema de que naquele dia tinha “sabatina” de História e ele era muito bom nisso e não queria perder o prestígio alcançado perante a simpática professora D. Norma que o chamava de “Homem da História” e ele ficava muito, mas muito mesmo, envaidecido por isso.

Naquela época, as primeiras calças jeans eram chamadas “Coringa” e não eram das mais “baratas” no Brasil porém, na Argentina, era bem mais em conta, uma bagatela e tendo Laide, sua tia e grande costureira, ido à Passo de Los Libres de lá trouxe para ele a primeira calça de brim que usou na vida; a marca não era Coringa, cuja fabricação era da paulista “Alpargatas Rodas” e utilizava o slogan “Brim Coringa não encolhe”, mas era uma cópia perfeita (bem depois viria o Moleque saber que também a “Coringa” era uma cópia perfeita da original “inventada” por um americano lá pelas bandas do oeste americano – por isso também elas eram conhecidas em Uruguaiana como “Faroeste” - aportuguesado que foi o inglês “Far West” como fora o “Water Closed” em Uruguaiana, pelo menos entre os conhecidos do Moleque, traduzido ou melhor, sonorizado a grosso modo como “Bateclô” e no resto do Brasil simplificado para o conhecido “WC”).

Como ainda é, o jeans era azul, não marinho, mas quase; o Moleque então decidiu substituir a calça do uniforme, azul marinho, e seguiu para o Colégio e assim chegou lá e ingressou na fila, esta com todo aparato de sempre: filas ordenadas, com D. Marília passando em revista a tropa e mesmo tendo tentado se esconder o Moleque viu-se flagrado por ela que de imediato determinou que ele desse um passo à esquerda e saísse da fila e, ao início do que seria uma descompostura, perguntou-lhe porque não estava convenientemente uniformizado como todos os demais, atrevendo-se a vir ao Colégio com aquela calça “Coringa” que, embora fosse de um azul desmaiado, não era o azul marinho da calça que deveria estar vestindo. O Moleque, respondeu-lhe direta e sucintamente, dizendo que devido ao tempo chuvoso sua mãe não pode “secar” a única calça do uniforme que tinha e que a substituíra pela calça “Coringa” para não faltar às aulas, mesmo porque e naquele dia estava marcada sabatina de História e ele não queria deixar de fazê-la... blá, blá, blá... entendia tivesse tomado a melhor decisão diante do inevitável, desde que, fosse como fosse, a “Coringa” que vestia era azul e, mal ou bem, com ela tentava respeitar o mais possível o uniforme exigido, blá, blá, blá... Por incrível que pareceu a todos, D. Marília primeiro ouviu atentamente a peroração daquele pedaço de gente até ao final, depois, permaneceu durante alguns minutos como se estivesse conversando com seus botões, considerando o que ouviu, quem sabe deixando-se vencer pelos fatos (parecia que naqueles dias realmente o céu desabara-se em baldes de chuva sobre Uruguaiana e, certamente à origem do Moleque pois acreditava que de fato sua família não era de “posses” e, sopesando tudo isso, a chefe da disciplina, rendeu-se às evidências permitindo o ingresso dele, perdendo sob o quesito uniforme, desde ali e pelo menos no aplicável às calças dos guris, o enérgico comando que mantinha, eis que partir de então, fizesse chuva ou não, tanto o Moleque quanto inúmeros outros passaram a usar calças de brim “Coringa”, não encolhe, original ou falsificado, em substituição às calças azul-marinho originalmente exigidas para irem ao Colégio.

Além de D. Marília, professora de Desenho e que em inúmeras oportunidades quando repreendia o Moleque endereçado à Secretaria pelo professor da hora, porque aprontara na aula, ou no recreio, ou nos corredores, sabe-se lá onde ou mais onde, para a devida correção ministrada por ela que, simultaneamente promotora (aceitando a denúncia) e juiz (julgando e aplicando a pena) terminava sempre com um comentário dolente, quase triste, que o deixava deveras arrependido de ter feito aquilo que agora ia pagar: “Quando é que tu vais te tornar homenzinho? Eu rezo muito para que Deus e nossa Mãe te ilumine e faça que aconteça isso o mais breve possível”. Depois dessa reza ou desabafo aplicava a pena que entendia cabível, a maioria das vezes foi de ficar detido na sala de aula durante o recreio o que o incorrigível Moleque transformava em festa e bagunça ao trocar livros e cadernos de todo mundo, exceto do seu amigo Guirland que substituía pelos seus, por sua vez substituído pelos dele... dá para imaginar a confusão que era a primeira aula depois do recreio, com a metade do tempo de duração consumido pela busca e rearranjos de todos com relação aos seus materiais escolares e identificação daqueles que encontrara em sua carteira... Em duas ou três oportunidades ele foi apenado com suspensão de comparecimento no dia aprazado e desde que não tivesse sabatina e, em outras suspensão de uma ou algumas, poucas, aulas da matéria do professor que o encaminhara à Secretaria.

A única vez que o Moleque não foi apenado foi quando realizou a mais grave de suas peraltice. Ocorre que tinha uma guria, a Mara, que ele e seu fiel amigo Guirland, achavam ser ela uma das mais chatas da aula, cheia de dengos, "mimimis" e afetações ao se dirigir aos colegas ou mais ainda aos professores. Em um daqueles dias chuvosos, quando o Pampeiro vindo da Patagônia, bateu firme em Uruguaiana, com sua garoa fria, dilacerante, os dois amigos se dirigiam ao colégio quando um desses sapinhos de chuva, perereca ou semelhante, pulou da poça d'água à frente do moleque que voltando-se ao amigo lhe pediu uma folha de arquivo, ele não tinha arquivo e seus cadernos não eram espirais, o que rapidamente lhe foi cedido; antes até de que Guirland lhe perguntasse para que queria a folha, o moleque com ela capturou aquele sapo, guardando o “embrulho” no bolso.

Embora, então, não estivesse de castigo, o Moleque se atrasou para ir ao recreio, ficando na aula junto com o amigo e, desta vez não fez o troca-troca dos materiais escolares, pelo contrário e o mais rápido possível para sair dali, pegou o “embrulho” e o colocou dentro do arquivo da Mara, na primeira folha de modo que o peso da capa segurasse o sapinho que, liberto da folha de papel, continuaria preso agora naquele arquivo. Feito isso com Guirland assistindo sem participar ativamente da “operação sapo”, saíram o mais rápido possível dali, indo para o recreio.

Na volta, aula de francês com a professora Maria de Lourdes que detestava o Moleque que aprontara para ela e não tinha sido expulso como ela exigia (ocorre que ele entendia que ela o perseguia gratuita e implacavelmente – a velha história dos anjos de cada um, não se darem bem – por isso, antes de uma aula dela, pegou a cesta de lixo, vazia diga-se, e deixando semiaberta a porta de entrada da sala de aula formou um ângulo suficiente para alojá-la e quando aberta a porta por inteiro, despencasse em cima de quem entrasse, lembrando que a próxima aula era de Francês e deveria ser, como foi, D. Maria de Lourdes. Não deu outra, tudo funcionou como imaginado, todos da aula se divertiram com isso e lá foi o Moleque sentar a frente e ouvir um justo “pito” de D. Marília, receber sua penalidade ou castigo e ao final ouvir a célebre oração, desolação, pergunta “Quando é que tu...”.

Voltemos entanto, ao sapinho preso no arquivo da pobre Mara que ao abrir o mesmo teve o maior susto de sua vida, com ele saltando em seu colo, ou lá não se sabe onde, tendo ela sucumbido àquele, desmaiado não sem antes ou durante o desmaio, urinar-se toda, com o xixi escorrendo pela sala desde sua cadeira... Foi um rebuliço infernal, quem foi? como foi? o que foi?, as perguntas se acumulavam tropeçando uma nas outras, D. Dirce (esposa do Diretor do Colégio) nem iniciara a aula de Geografia, atônita, mandou alguém à Secretaria de lá vindo D. Marília, mais o Diretor Francisco e tentam “ressuscitar”, despertar, a desmaiada e conseguem, alguém diz que é preciso avisar os pais da “vítima” que chegam algum tempo depois e assim prossegue aquela algaravia na confusão que aos poucos foi serenando em vista da explicação dos pais da Mara de que ela tinha problemas de saúde, beirando a epilepsia, mas não era epilética e que a levariam ao médico embora achassem que nada de grave tinha ocorrido e que gostariam de saber quem tinha feito e o porquê daquilo. Eis o problema, quem?, nesta altura do campeonato o Moleque disse ao amigo que falaria a verdade, que tinha sido ele; Guirland, preocupado com a possível expulsão do moleque, o aconselhou a calar a boca, não dizer nada... D. Marília disse que enquanto não descobrissem quem tinha sido o autor daquela “façanha medonha” como chamou a patacoada toda, não liberaria ninguém daquela sala de aula para ir embora para casa. O Diretor falou quase a mesma coisa, considerando a gravidade da ocorrência; o pacato pai da Mara, muito calmo e em revisão ao que dissera antes afirmou, agora que já não importava muito saber quem ou o porquê de tudo eis que ela estava bem plenamente recuperada, que não passara de um susto e que tudo já estava sanado. Todavia, a decisão e firmeza de não liberar a turma aé que fosse descoberto o autor daquela horrível façanha, trouxe ao Moleque, mesmo relutante pelo apelo de Guirland que temia por ele, a decisão e dever de contar a verdade sobre a traquinagem e, se levantando sob a desaprovação de todos, exceto de D. Marília que o olhou com um misto de decepção e compaixão (Não, de novo, não), declarou que era o autor do que chamou de “brincadeira” sem saber da fragilidade da saúde de Mara pois se o soubesse jamais teria feito; por isso pedia perdão a todos, principalmente a própria Mara e aos seus pais pelos transtornos e mal que inadvertidamente causara, aos seus próprios colegas aos quais submetera a possibilidade de um imerecido castigo de não serem liberados, aos professores e, principalmente, a D. Marília, que sempre lhe demonstrara afeto e perdão pelas inúmeras vezes que dera trabalho.

Mara nada falou, seu pai, porém, agora com sinal de aprovação da mãe, serenamente repetiu o que havia falado antes a respeito, minimizando ou amainando a vida do Moleque; D. Dirce, Professora de Geografia e esposa do Diretor, Professor Francisco e como D. Norma, também demonstrava afeto pelo Moleque, disse que ele certamente merecia ser castigado pelo que fez entretanto, tinha de ser considerada sua coragem ao assumir e principalmente de pedir as devidas desculpas, vindas do remorso confessado; o Diretor, por sua vez, declarou que o caso, análise e decisão final, era da alçada da Secretária da Disciplina a quem competia fazê-lo da melhor forma e solução. D. Marília, então, disse ao Moleque para acompanhá-la e lá se foram ambos, ela à frente, ele a um passo atrás, para a sala da secretaria onde ela imperava e o termo é condizente com sua postura séria, compenetrada e decidida.

Iniciou D. Marília com as argumentações pertinentes, relatando o que poderia ter resultado daquilo que o Moleque chamara de “brincadeira”, agradecendo a todos os santos o fato de que apenas o susto tenha sido recebido por todos e tenha, desde aquele sofrido por Mara, como o sofrido pelos pais dela, pelos professores, pelo Diretor, até pelo zelador do Colégio, entendido e tratado de pequeno efeito ou monta. “Já imaginou se tua colega tivesse saído daqui direto para o Hospital ou coisa pior?... O que tens a dizer sobre isso, senão agradecer que de tua inconsequência e irresponsabilidade nada pior resultou? ...”.

Após quase duas horas de “pito”, ele balbuciou algumas palavras repetindo às antes ditas perante todos; D. Marília voltou a carga dizendo que ele tinha de apreender a medir as possíveis consequências de seus atos antes de praticá-los, que a chave é, não apenas se concentrar no foco, todavia, antes, olhar o todo e disso extrair o melhor; que o fato dele ter assumido a culpa, pedido desculpas a todos e declarado que sua intenção não fora outra que não a de fazer uma brincadeira, respeitando-se ainda sua idade, o menino que era, não eliminava a possibilidade dele ser expulso do Colégio... Uma angustiante pausa seguiu-se após tais palavras... dando sequência, disse ela que a mesma argumentação antes utilizada também lhe davam a certeza de que suas orações estavam sendo atendidas e o “homenzinho” que ela imaginava começava, parece, a partir daquele episódio, a nascer, pois é preciso ser sério e leal consigo mesmo e com os outros, ter caráter probo e personalidade forte para enfrentar a vida e o que nos impõe a condição humana de erros e acertos, sem fugir da responsabilidade quando se erra senão pelo reconhecimento do erro, única fórmula e início do caminho que conduz ao reerguimento do decaído. Por isso tudo e atendendo, até, o manifestado pelos pais de Mara, pela Professora Dirce, o susto que ele pregara em todos e que, tinha certeza, foi muito maior para ele, entendendo que tudo isso somado já fora pena suficiente para puní-lo, o deixava ir, todavia advertindo-o que acabara sua cota de erros e daí em diante nada desculparia qualquer outra transgressão à disciplina... E, pela primeira vez, não encerrou com às rotineiras oração e perguntas: “Quando é que tu vais te tornar homenzinho?...”!

Dentre aqueles professores se destacava pela sua compleição física e mental Mister Oliver, o texano professor de inglês que sabe-se lá como “aparecera” lá pela fronteira e ingressara no corpo docente do Colégio. Era uma figuraça, ressaltando o que lhe parecia comum ao Texas e ao Estado gaúcho, vendo semelhanças entre a Pampa e as pradarias texanas, incorporando-se aos costumes como o chimarrão e o jeito de agir e falar do gaúcho daquela região, mesmo que lhe fosse impossível se livrar do sotaque que o denunciava. Além disso, era pessoa que gostava muito de poemas e “tiradas” gauchescas, sendo que, todas as aulas eram iniciadas, invariavelmente com jocosas e pitorescas trovas como: “Buenas e aqui me acho / Às vezes meio com sede / E outras vezes borracho* / Beijando beiço de china / E quebrando guampa de macho”; ou, “Buenas e aqui me espaio**/ No magro dou de soco / No gordo dou de talho***”
(*) Bêbado, (**) espalho, (***), talho.

E por gostar de poesia declamava muitas do repertório gaúcho, em especial às do grande poeta gauchesco, Jaime Caetano Braun, com preferência aos poemas “Galo de Rinha”, “China” e “Bochincho”. De sua terra repetia uma que, ao final e talvez pela repetição à exaustão, ficou gravada na memória do moleque que a repete pela vida inteira no original, com direito a tradução literal e simultânea, oriunda da própria fonte, o inesquecível gozador e simpático Professor Mister Oliver:

Fly Man Aviador

Fly man, fly man Aviador, aviador
Up in the sky Lá em cima, no céu
Where are you going to Para onde você está indo
Flying so reigth Voando tão alto
Over the mountain Sobre montanhas
And over the see e sobre o mar
Fly man, fly man Aviador, aviador
Please, take me Por favor, leva-me

Filho de barbeiro, o moleque tinha seu cabelo aparado pelo pai, pior, cortado à escovinha, com máquina zero, ficando apenas um “tufo” de cabelo ao alto da cabeça; fisicamente ele era o menor dos alunos. Enquanto Mister Oliver ministrava sua aula, nela percorria todo o espaço físico, com aqueles vozeirão e sotaque meio que “arrevesado” praticamente repetindo a mesma tecla ou escala de som, vocalizando as palavras “potatos-tomatoes”, “tomatoes-potatos”, “potatos-tomatoes”, “tomatoes-potatos” (batatas-tomates, tomates-batatas...); sempre, ao circular pela sala de aula, passando às costas do moleque que ele apelidara “Campeon” (um champion inglês misturado com um campeone, espanhol, guardando alguma semelhança com o campeão português cuja silaba “ão”, nem inglês ou americano do norte, muito menos espanhol conseguem pronunciar senão com a sonoridade da silaba “on”), nesse momento é que o moleque se cuidava, embora não adiantasse de nada, pois sofria um tapa de refilão no alto da nuca que fazia aquele barulho que se pretende reproduzir, em onomatopeia, “splééshe”, que ressoava na sala trazendo risos para todos, menos para o Moleque. Apesar disso e de ser a vítima do “tapa na careca” em quase todas as aulas, pode-se dizer que Mr. Oliver foi um dos bons professores que o Moleque teve.

Durante tão somente um ano letivo, lecionou francês a professora Maria de Lourdes que não “fechava” muito com ele; começava a aula e ela determinava que Argemiro, um “caxias” que sentava bem à frente, trocasse com ele que sentava lá no fundo e assim mantinha vigilância total em cima do Moleque durante todo o tempo da aula. Para sorte dele, no ano seguinte ela foi substituída por outro professor que era francês nascido em Paris, o Monsieur Jean Pierre Puig e que algum tempo depois seria Diretor do Colégio substituindo ao Professor Francisco.

Em música, a professora e maestrina D. Ieda tinha a admiração do Moleque, como também, a professora de Desenho, D. Marília que ele separava da secretária séria e enérgica, por ele muito respeitada por isso, porém sem demonstrações de simpatia o que deixava patente enquanto ela atuava como professora de Desenho. Em Português, o professor Ledur um sujeito calmo e letrado e, no Latim, a D. Domingas, que os maledicentes diziam que sua indisfarçável impaciência, de atitudes firmes, exigente e no xingar sem papas na língua, decorriam da agressividade dos dois cães, pastores alemães, que a protegiam somados ao fato de ser solteirona; o certo é que D. Domingas realmente tinha dois cães bravos, era solteirona e era baixinha, tinha no máximo 1,48m, quem sabe nem isso e, se Lombroso tivesse razão em suas teorias, ela seria um prato cheio para comprová-las, desculpem a brincadeira. O certo é que D. Domingas era uma excelente professora de Latim, justa mas sem riso fácil para ninguém o que facilitava o reconhecimento de sua sinceridade fosse quando xingava ou quando, raramente, elogiava algum aluno.

O grande professor de Educação Física era o ativo Sargento Rosalino que agiu com especial cuidado e competência ao preparar seus “atletas”, ops, alunos, para o enfrentamento da primeira Olimpíada Estudantil, chamada de “Jogos Primaveris” porque disputada ao início da primavera e que colocava em contenda esportiva os educandários de Uruguaiana (além do Dom Hermeto, o Instituto União, o Colégio Sant'Ana, o Colégio do Horto, este exclusivamente feminino), com jogos nos diversos esportes como vôlei, basquete, atletismo, futebol e outros, sendo realizados em diversos locais, com o futebol tendo porfias disputadas nos estádios dos clubes profissionais da cidade: o E. C. Uruguaiana (Estádio Felisberto Fagundes Filho), E. C. Ferro Carril (Estádio dos Eucaliptos) e o Sá Viana F. C. (Estádio dos Álamos). Infelizmente o Moleque participou somente da primeira Olimpíada defendendo as cores do Dom Hermeto, tendo, no ano seguinte, se mudado para Porto Alegre.

Como supra citado, em História o Moleque teve como professores D. Norma e, depois dela, o Professor Clóvis; em Geografia, após a querida D. Dirce, veio o Sr. Silvério para exercer o cargo de professor, outro que fazia o Moleque vir para a frente só porque, um dia, após a aula de Trabalhos Manuais da Professora Sônia, sobrara uns “cavacos” de madeira e o moleque atirou um deles, tipo aviãozinho, visando o “caxias” Argemiro que sentava bem à frente e, infelizmente, aquele cavaco saiu fazendo curvas e zig-zagues dentro da aula, acabando o percurso batendo no alto da lousa ou quadro negro e daí se precipitando à cabeça do professor e, mais, dali caindo por sobre a caneta-tinteiro em que fazia a marcação da presença ou ausência dos alunos durante a “chamada”, realizando o movimento corpóreo ou braçal, para tanto; ao toque do cavaco na cabeça e em sequência quase simultânea, na caneta-tinteiro e, incidental e involuntariamente, o professor movimentou o braço esquerdo batendo e derrubando o vidro de tinta ao seu lado e quase cheio, espalhando todo seu conteúdo por sobre a mesa e, pior, muito pior, empapando e borrando todo o “Livro de Chamada”... vida dura, lá foi o Moleque à Secretaria, mais um castigo vindo, mais um professor que o mantinha bem vigiado durante as aulas... vida dura, muito dura!

O Moleque não tem certeza do nome da professora de Trabalhos Manuais que, acha, fosse Sônia, o que lembra e bem, é das diversas batalhas que participou, ou sejam a dos “cavacos de madeira”, também das “sobras de gesso” em seu estado sólido duro ou em pó, resultantes de trabalhos de escultura com esse material, compostos de pratos e outros arranjos, com desenhos e pinturas, coloridos, todas dentro da sala de aula e quando então tais matérias-primas foram trocadas, para evitar a balbúrdia trazida pelas “batalhas”, criando-se ensinamentos à confecção de mantas de lã, não durou muito para se descobrir que os volumes de lã podiam ser enrolados formando uma circunferência, isto é, uma bola que proporcionava, aos fundos da classe, interessante disputa de pênalti entre duplas, com um chute para cada um dos contendores, enquanto um chutava o outro defendia, trocando as posições de defesa (goleiro) e ataque (chutador), com livros servindo de marcos do gol … dá para imaginarem a bagunça, o alarido, decorrente disso tudo. A professora era maravilhosa, bondosa demais e não tinha muita força para conter seus alunos com o que, em quase todas as aulas de Trabalhos Manuais lá estava a D. Marília eis que e certamente inteligente como era, remanejou o horário e as aulas de uma e de outra não coincidiam... a vida se tornou dura de novo, muito dura e vigiadíssima, desta vez não só para o Moleque, registre-se!

Graças a Deus, a Mãe Dele e nossa, a todos os Santos e anjos, pela existência e ensinamentos que foram passados por esses e todos os demais professores que ajudaram ao Moleque se formar como pessoa, no homenzinho que D. Marília rezava que fosse ou viesse a ser. Também além desses estimados e saudosos professores, o Moleque agradece àqueles que chama de “Professores ao Reverso”, aquela turma de “calaveiras”, “bebuns” e outros tantos frequentadores do Clube Sete de Setembro, da jogatina tão famosa quanto aquela praticada quase sempre pelos mesmos jogadores no então denominado Caça e Pesca da região central de Uruguaiana, sem esquecer aos que criavam os galos de rinha, atletas, frequentavam e participaram dos jogos e lutas, espécie de “MMA” campeiro, no rinhadeiro que ficava na Av. Flores da Cunha, entre os Colégios União e do Horto e que ganharam memoráveis versos no poema “Galo de Rinha” do nosso grande poeta gaúcho Jaime Caetano Braum.

A propósito, tem um historinha hilária do amigo Vanderley Chiquettel (filho mais velho da amada e saudosa D. Roquita, irmão do Nei, do estimadíssimo Wilmar, da Nilza, da Neida – que casou com Marcos, da querida Iolanda – que casou com o amigo Juarez Barbat aos quais o Moleque por diversos motivos é muito grato, e mais outras duas irmãs, todas e todos integrantes da família que o Moleque teve a honra de conviver e manter em sua lembrança e afeto). Vande também criava galos atletas das rinhas, e teve como o mais famoso o seu quase invencível galo branco, alertando que o galo era branco e não cinza, mas quase cinza, hem!

Pois bem, contemos a divertida história prometida: Num domingo de manhã, dia e horário das rinhas, Vande se dirigia para o rinhadeiro segurando o galo em seus braços quando, passando por um dos tantos bares ou botequins do caminho foi chamado por amigos que também frequentavam e iriam ao rinhadeiro, convidado a entrar no boteco e tomar umas que outras antes das peleias rinhadeiras. Sem muita lenga-lenga, o que era de seu feitio, Vande entrou e já lhe trouxeram um copo de “trago” e ele, antes de pegá-lo, com rapidez e cheio de cuidados colocou seu galo embaixo do braço e para que ele não viesse sentir os vapores do álcool, virou-lhe a cabeça para às costas dele, Vande, e somente então pegou o copo iniciando o bebericar concernente e, que prazer, aquela que era “das boas”, como todos lhe tinham afirmado e até por isso se quedou distraído envolto em devaneios enquanto bebia e jogava conversa fora com seus amigos. Ocorre que um gaiato, também amigo dele, sem que ele visse, se postou atrás e ofereceu um copo cheio até as bordas de cachaça ao galo que começou a bicar o copo e bebeu um bocado da “marvada”. Logo depois todos aqueles cretinos, juntos com o amigo que em nome da gozação tinham enganado, foram para o rinhadeiro, onde o galo branco, quase cinza, de Vande não pode participar da lutas daquele dia porque sequer conseguia ficar em pé. Vande ficou enfurecido com seus amigos gozadores, mas não por muito tempo, gente boníssima que era, brincalhão, amado por todos, acabou perdoando aos que lhe aprontaram, prometendo volta que se houve, o Moleque não ficou sabendo, o que souberam todos é que, a partir disso e talvez essa tenha sido a “volta”, Vande fazia seus amigos pagarem, cada um por vez, bebidas para ele que, quando em companhia do galo deixava a cabeça do mesmo bem ao alcance de sua visão pois aprendera que nessa circunstâncias não podia confiar naqueles gaiatos...

Coisas de Uruguaiana, com os Professores curriculares e aqueles “Professores ao Reverso” formados pela universidade da vida e, mesmo calejados, sacudidos, atordoados, vítimados, não perderam o viço da esperança e da boa intenção de legar àqueles que amavam o melhor que puderam oferecer, ensinar e dar, como com certeza fizeram ao Moleque que, mesmo ou mais agora como adulto, os reverencia sempre. Salvem todos os Professores de nossas vidas, de cujos ensinamentos, “das boas” bebemos com ou sem um galo branco quase cinza virado ou não, sempre os recebendo com prazer, tenham sido ofertados nos grandes, requintados e nobres salões do acaso ou nos salões simples do cotidiano, os Professores que de nós somente merecem afeto, aplausos e gratidão!