quarta-feira, 27 de novembro de 2013

"DEIXEM-ME O AMANHÃ" - ANTOLOGIA POÉTICA DE ITAGIBA JOSÉ

ESTÁ NA INTERNET O NOVO LIVRO DE ITAGIBA JOSÉ,

"DEIXEM-ME O AMANHÃ" ANTOLOGIA POÉTICA, com mais de 100 poemas escolhidos.

ACESSO PELO ENDEREÇO ELETRÔNICO:           www.agbook.com.br                          e/ou no Google(Pesquisa):    agbook  Itagiba José

Formato do exemplar: físico  e virtual (e.book)

Esperamos  que o  adquiram, apreciem  e gostem,  podendo inclusive presenteá-lo para amigos  se o entenderem com  a qualidade  e condições literárias que acreditamos ele tenha.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

CENTRO URUGUAIANENSE - O NOSSO CLUBE EM PORTO ALEGRE

URUGUAIANENSES VENHAM FAZER PARTE DE NOSSA SOCIEDADE, EM PORTO ALEGRE, RS.

Uruguaianenses - PARTICIPEM DAS PROMOÇÕES

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ASSOCIAREM-SE AO CENTRO URUGUAIANENSE

TELEFONES: (51) 3225 9635 (Sede Central)

 (51) 3372 2310 (Sede Campestre)

De segundas às sextas-feiras, das 15:00 às 18:00hs.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

PESCARIA

Olhava o córrego refletindo nesgas de céu
e o comparava a sua própria existência:
também transitara por leitos a si destinados
refletindo nesgas de céu, sem contê-lo;
às vezes, com a impessoalidade do espelho
outras, com projetos somados ao que refletia.

O anzol sequer dava sinal de esperança ou vida
(vida que a minhoca, embora a luta, entregara)
diante do descompasso e enfado dos peixes.
Ora, como peixe desprezara tantos anzóis
por sabê-los engôdos que a dor contém;
como minhoca, dera a vida a anzóis errados
atraindo olhares e ações gulosas.
Só anzol não fora, assim pensava... ou fora?...

De repente, agitação na linha e na água,
um idiota, como ele, vencera a dúvida
e se jogara, corpo inteiro, ao destino.
Era a vida presa aos enganos e curvas,
de novo atraída pelos encantos do proibido,
debatendo-se vã, às forças últimas...

Puxou a linha, à ponta, um peixe pequeno,
boca dilacerada, sufocando no gasoso,
extinguindo a vida, rebelada e vã
à morte que vinha, que vinha, que vinha...
Berrou, então, ao ouvido do peixe:
"Idiota!" e o enviou de volta às águas...

Encerrou a pescaria sem haver pescado
nada além do que um pouco de si mesmo,
refletido que estava na história vivida...
Aos amigos diria, mais tarde, sobre pescaria:
"Meu maior peixe é o amanhã que sou
sendo a vida a maior de todas as pescarias!"

UNIDADE


Vejo você por dentro de de mim,
vejo você saindo de mim,
vejo você pedaço de mim
e extensão de mim em você.
No desaguar da cachoeira,
na ilusão das estrelas,
na sutileza do implícito,
sinto você em toda parte,
aqui, ali, no infinito
você e eu estamos juntos.
E juntos caminhamos sem pressa
o rumo da vida, o rumo do nós,
você em mim, eu em você,
somos um, sem paradoxo
carne e sangue, céu e mar,
pleno de sonhos, enamorados.

PEQUENA HISTÓRIA


... E porque não se conformava
com a chegada da alvorada
deixou-se ficar apesar dos protestos
e esforços de amigos e amantes.
Vivera a noite em toda sua trajetória
e o dia, apesar da luz e pela luz
deveria ser uma canção envolvente
que o transformaria em história.

O sol surgiu e sugou o orvalho teimoso
e, juntando-o a outros iguais,
fê-los nuvem e, mais tarde, chuva.
O chão, o rio, o orvalho conheceu o mundo
e sem saber como ou por que
morreu na noite da dor de uma mulher...
A alvorada enfim havia chegado!

NO ASILO (A ÚLTIMA PRIMAVERA)


Percorrera o domingo de sempre
com o sentimento emperrado na sexta.
Todo o esperado, do nada que tinha a esperar
como sempre, não viera. E ela sabia...

Passava solitária, sem lembranças
e domingos passavam, sem deixá-las.
Ah, quando moça, tanto amor desperdiçado
ah, quantos sonhos para o nada de agora.
Nem mais sonhos existiam,
definhando sem eles, no asilo...

Solitária, apenas o sopro da fé a mantinha:
Vivia! Ainda que sem nada, vivia!

NA TARDE DO SÁBADO


De súbito, um raio rasgou a garganta da tarde
libertou o vento que, furioso, varreu a calma do sábado
e nuvens na orgia, pintaram o quadro de chuva,
desabando a magia fez-se a tempestade.

Nem era verão, o sol escondeu os seus raios
diante do raio que impune brincou
de assustar os humanos na tarde do sábado.

Enquanto lá fora o inusitado ocorria
nos dois, no improviso da fantasia em raios nos dávamos
e beijos raiados, há tanto ansiados, fustigaram o não
que a realidade gritara ao amor que explodia.

Em nós toda a festa do sol esperado
gerando em magia incontida o amor,
ao viver um início de céu na tarde do sábado.

domingo, 30 de junho de 2013

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De segundas às sextas-feiras, das 15:00 às 18:00hs.

FERMENTO


As amarguras são fermentos
que fortalecem o ser
nos ensinam que a dor do pranto
é o início do reverter.
Mas, para que tanto
em um só momento,
não posso mais,
passei do ponto
nos desencontros,
não posso mais.
Mais que sozinho
perdi o caminho
na escuridão.
De amargo quero apenas
o amargo do chimarrão
e quando o sorvo
em goles pausados
líquido verde
bem temperado,
com gosto d'alma
do meu rincão,
a esperança aquece a mente
e o passado vem
para o presente...

DEIXEM-ME O AMANHÃ


Tirem-me tudo se assim entenderem
que mereço
exceto o amanhã que não tenho,
nem conheço.
O homem vive de perspectivas,
de fantasia, da utopia e seus adereços
e o que paga pelo hoje que já vai ontem
é resultado de suas ações e omissões,
justo ou injusto, paga-se o preço.
O amanhã, que nunca tenho, pode trazer
em suas dobras o que me falta para só ser
inundando o leito seco do riacho do agora
com águas puras originadas d'outras auroras
e meus excessos na dor que espanca
nelas banhados renascerão em esperanças.

Vida na vida, sonho encantado, o avesso
destes tempos rudes que vivo e sei, mereço
tirem-me tudo, menos o amanhã
que não tenho e nem conheço.

DISFARCE


Disfarça!
Na farsa da fé
espalharam o terror,
o ódio, a discórdia,
a desgraça
e a fome que grassa
os mantém em pé.
Disfarça!
Os comparsas do ter
se encontraram nas trevas
mal-me-quer que os cega
e se espalham na terra
morte a paz, viva a guerra
e morte ao ser.
Disfarça!
São loucos, fanáticos,
lunáticos d'alma devassa
que geram desgraça
em nome de Deus,
da crença suicida
em cadeiras no céu
e assim imolam ao léu,
no altar da cegueira,
o milagre da Vida.
Disfarça!
Dementes, pirados, coitados
órfãos de senso,
instrumentos da dor,
sem luz, sem amor,
de teologia pagãos
são párias, sem ressalvas,
da maior das verdades:
só o amor é que salva.

PASSANTE

Peguei na tesoura, tosei os embalos
D'uns tempos de ida que volta não tem
Fui muito mais que ao fundo da grota
Buscar encilhado o cavalo do além.
Por sobre seu lombo voei nas campinas
E das nuvens meninas colhi o orvalho
Fazendo cambotas me perdi dos atalhos.
Vestido de açoite, guaiaca e pataca
Pudera estar sóbrio no baile da vida
Pudera ter rido, sem dor, sem ferida.
Rodei no galope em meio a manada
Daquele guri já não resta mais nada
Disparo palavras trançadas à navalha.
Dividido em sobras que o vento guardou
Sou antes o que fui, nem fui o que sou,
N'alma forjada na dor que estraçalha.

sábado, 29 de junho de 2013

MILONGA DE RENDIÇÃO


Segui teu conselho, ensarilhei o relho,
Amarrei o cavalo e tropéis de estalo
Agora, penso muito antes de agir,
Sei bem mais para onde e como ir
e os pesadelos, encrencas e novelos,
Se foram para longe de mim.
E a vida voltou a sorrir por ti,
minha doçura, meu bem e minha cura.
Descubro a Pampa na tua estampa
sem sombras do agreste no amor que deste
E nele preso só por te ver, libertei o meu ser
Agora a quimera pilcha este qüera
Não mais me atrapalha o fogo de palha
Por tua ternura, tua doçura, não sou mais quem era...

Milonga, minha milonga, milonga de rendição...
trago teu ser marcado no fundo do coração...

E TUDO MAIS SE VAI


Em vôo rasante a águia apanhou sua presa
e na torturante surpresa a presa desatinada
passou sua vida a limpo, mais que isso
diante disso, da morte que a sorte lhe reservara
(ou azar, qual o norte), viu-se só em seu destino
no desfecho de seu nada, a presa coitada...
A águia, por sua vez, caçadora sem piedade
que à vítima rapinara e nas garras a apertava
seguiu rumo ao ninho matar a fome da ninhada.
A natureza é assim, boa ou má, vazia ou cheia,
dando o mel ou a ferroada, própolis ou a colmeia,
e como tudo, depende a ocasião e/ou protagonista
vida e morte, no recheio os perigos aos artistas.
No percurso, da águia, da presa, da espécie,
nasce, cresce, a vida segue seu curso, fenece
e o novo empurra o ontem para o infinito jamais
que a tudo mais e muito mais, se vai... e esquece.

ORAÇÃO DO AFLITO


Valha-me Deus,
tenha o nome que tiver,
seja Homem, seja Mulher
Espírito, Verde, Vermelho
a outra face do espelho
o Sim, o Não, o quem sabe.
Valha-me Deus nesta hora,
em todas as demais horas,
mas nesta, em especial,
traze-me a benção, a alegria,
Tu que és Luz e Energia.
Tupã, Jeová, Alá, Oxalá,
seja lá o nome que for
se És, como creio, Amor,
Valha-me muito o Senhor
pois perdido estou e morro
se não me deres socorro...

TEIMOSIA

 Seguindo a regra geral vou caminhando... mal!
mas caminhando meu próprio passo, sem treta,
sem muletas, troçando do azar pelas gambetas...
E quando pareço mais trôpego do que o normal
é porque estou convalescendo de pealo recente
sendo certo que à cada queda levanto-me mais gente.
Provo, pela realidade, sou um teimoso e ponto final
mais que um milagre sou a prova de que Ele existe
tanto por estar vivo, tanto pela razão que persiste
na esperança e vida que se soma em cada qual.
Mais vale um teimoso derrotado, temporariamente,
do que um néscio triunfante além do temporariamente,
vivo e o que é que tem e se bobear morro também.

COMETA


Veio do acaso que a ninguém pertence
da luz que cega mais do que ilumina
e todos foram pegos na armadilha...

Ante a menina, os vassalos, ajoelhados
ofertaram flores sem espinhos ou pecados
e perfumavam seus sonhos indecentes...

De tudo aproveitou, o fogo fátuo,
exaurindo as almas das presas encantadas
e, buraco negro, não devolvia nada...

Como veio, partiu, deixando ocasos
não mais menina, luz, paixão, acasos,
fugaz passagem que não deixou rastros...

NENHUM POR NÓS


Flutuo em tua praia
sabendo-me sozinho
e só em mim desmaia
o escuro do caminho.
Na luz desse dia
que o sonho anuncia
navego, me entrego...
Tu, na mesma praia,
muito mais sozinha,
d'outras madrugadas
feres de espinhos
às flores anunciadas
que não formam ninho.
E a noite do enfim sós
aborta o dia não nascido
e no escuro da indiferença
jazem corações e crenças
e em nós e em cada um
morre o plural jamais vivido
do pelo nós, nenhum...

NA TRAVE


Passaram-lhe a bola
no tempo e espaços certos
porém não estava no lugar
quedara preso do incerto
que o titubeio esfola
na sina do não chegar.

Enquanto isso, aceso
o zagueiro passado
tomou-lhe a frente
como sempre, sem pejo
no tranco pesado
e estancou o repente.

Mais um gol perdido
Mais uma derrota
fracasso rotundo.
Novamente o quase tido
desviou sua rota
à linha de fundo.

Quem sabe, adiante,
n'um futuro jogo
como em raras vezes
no sim do durante,
mesmo no malogro,
estufará as redes...

CONTINUISMO


A humanidade, no alvorecer do terceiro milênio
geme à busca, por qualquer meio, dos inteiros
sempre perdida em emaranhados de problemas
prostra-se à eternidade dos esquemas fracassados.
Nada vê além do umbigo, momentos no escuro,
o egoismo corroendo o agora, futuro, pensamentos
pensa inocente que nada fica na corrida dos segundos
exceto a dor que estraçalha os trajetos deste mundo.

E o escárnio estancou o riso, fez do abraço o açoite
e do latifúndio da ironia brotou o espaço da noite
dilacerando o dia que morreu triste, sem aviso,
preso às queixas do cotidiano, sem improviso.
Assim se esfola inteiramente a humanidade
em tristes e obtusas figuras dos jogos difusos
dos seres gregários que arrastam pelas cidades
os pesados fardos de seus egos sós, confusos.

INSTABILIDADE


Logo à frente o medo de se saber "quem sabe"
vulnerável, infinitamente vulnerável
e o eufemismo do hoje indo antes que se acabe
resfriando sóis e luas do amanhã instável.
Tudo isso, sei, virará pó ao longo do caminho
dores, alegrias, medos, fobias, azar ou sorte,
retornarão às franjas do ido, enfermo descaminho
de tanta vida que se desdobrou em morte.

O hoje que passa, em si só não se basta
ainda que somado ao ontem desperdiçado
no amanhã que ainda não veio e arrasta
os indecifráveis teoremas do passado.
Rebeldes astros de órbitas irregulares
não sendo frascos, aprisionam perfumes
sulcando traços e, apesar dos pesares,
irradiando a efêmera luz dos vagalumes.

À ESPERA DO AMANHÃ


Na fria e úmida manhã porto-alegrense
os edifícios são sombras sob o nevoeiro
como meus sonhos no junho outonense
onde o inverno se anuncia por inteiro.
A vida vai passando assim, úmida e fria,
a noite se estende bem além do horizonte
no buraco negro onde a luz perde o dia.
Em meus ombros a cruz curva-me a fronte...
Ah, primavera com seus ventos de esperança
o renascer, o rebrotar de forças e da vida,
por onde andas, quando virás, minha criança,
brincar em mim, ventar em mim sem despedida.

RETRATO DO AVESSO


De súbito, entendi!
É o tempo o senhor
Sou apenas o súdito
Sem queixa ou pudor.
Então, assim, percebi
Que o sim e o não
Em qualquer versão
Ou mesmo endereço
Não tem razão de ser
Ou ter, tudo é começo.
Minhas escolhas
São folhas soltas
Que reprimem orvalhos
Do ontem, de atalhos,
Que sem me dar conta
Despedacei em tédios.
Pretenso remédio
Que não faz a cura
Das tantas juras
Do inalcançável
Que indisfarçável
Em mim repousa.
Presas do tempo
Todas as coisas
O bem, o mal
Ir-se-ão sem ter
O som do agora
Do meu sofrer
E dos gozos meus...
Todos sabores, ao final,
Dos meus amores,
De minhas dores,
No agridoce do adeus.

REFLUIR


Reflito sobre o caso e estremeço,
não te livraste do passado, do começo
em que fui mero adereço, descartável
de tua vida, do imponderável.
Mesmo que em teus olhos, tua amargura,
neste inimaginável de tuas agruras
pareça agora ser eu o principal agente
sem refluir remansos no tempo que vives
não sendo eu o meio ou o final diferente,
nem mesmo a essência do que tu dizes.

sábado, 22 de junho de 2013

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CRISTAL


Sabemos que o tempo
parou naqueles tempos,
enamorado!
Ficou em nós,
sem ter passado.
Ficou além do horizonte,
na luz, suspenso no ar
e a dor, então, se fez ponte
para a saudade passar!
Passar, ah, quem pudera
voltar ao tempo que era
em cores vivas, total,
um lindo sonho de cristal!

REFLEXO


Dize-me que olhas e me reconheces
naquele verso lido ao acaso, miragem
em verdade, não vistes pois esqueces
que só o olhar dá beleza à paisagem.

E assim me amas e por isso vês
o teu amor refletir-se em preces
que estão n'alma e olhos, no que
só o teu amor aumenta, engrandece...

Dize-me tanto teu olhar, imagens
de inusitado belo, de passagens
sublimadas em cores e matizes.

E saem à vida, ao amor, mensagens
de paz, felicidade, paisagens
das maravilhas que assim me dizes

CINZA-ROSA


Ela nem tinha o que dar, esperava
bem mais do que eu podia dar
enquanto eu, do amor que imaginava
bem cedo soube, não lhe ia bastar.

E logo adiante, o fim, o ir embora
deixando para mim o esquecimento
e este passar e não-passar de horas
de êxtase e amor, ódio, arrebatamento.

Quero chorar o amor mal resolvido
embora por amar sozinho tenha sido
bem mais feliz que ela, em verdade

Posto que a chama deste amor antigo
consumiu esperanças e se fez abrigo
deste cinza-rosa chamado saudade.

RECOMEÇAR

Não há mistério na sutileza
que pomos à mesa neste trivial
encontro tarde, vindo do antes
que neste instante vive outra vez.
É na medida, tom verde claro
batendo à porta desta manhã.
Ah, o nosso amor, o amor
de tantas voltas, mesmo lugar,
é pão da vida, é pão dos sonhos
que nem chegamos a fermentar.
Ah, tempo para recomeçar,
tempo desse nunca mais,
para perder, para ganhar,
vamos à mesa desta manhã,
ao pão da vida, ao pão dos sonhos,
recomeçar, mais uma vez, 
recomeçar, viver de novo...

MULHER


Tão delicada! Tão Meiga! Feminina!
Sem preconceito invade minha retina,
Traz trilhas esquecidas à visão desbotada
Reavivando focos de ternura na neblina
Do sutil sibilar de rimas amordaçadas
No renascer da terra, sem feri-la.
Toda mulher nesta estampa de menina
Toda a graça nas luzes de teu jeito
Cega-me no espanto de tua doçura
O tanto quanto que ascende o meu peito
Ao infinito de tua natureza pura.

SEM DEPOIS


Da ravina do meu nada de agora
Contemplo o alto do que joguei fora
E sofro a incontinência urinária da hora
Do impossível retorno do que se foi embora.
O tempo, inexorável, segue indo sem volta
E dia virá que não virá estagnado na revolta
Do eterno dessa brevidade que mais se solta
Na vívida, imensa paixão das coisas tortas.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

ASSOCIA-TE AO CENTRO URUGUAIANENSE - VENHA PARA PERTO DE CASA

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quarta-feira, 19 de junho de 2013

FIO PARTIDO (Continho)


FIO PARTIDO

Ultimamente não pensava em outra coisa, parecia-lhe a cada dia que passava confirmar-se sua nova posição diante do que via e ouvia. Não era possível que durante tanto tempo estivesse cego e inadvertidamente colocado em posição de censor; ria nervosamente enquanto repassava em seu presente o que fizera com o ardor dos fanáticos.

Reprovara os desonestos, os criminosos, as prostitutas, apesar de vez por outra utilizar-se delas, abominava em resumo, todas as manifestações delituosas, pecaminosas segundo seu conceito de interiorano, temente a Deus e, principalmente, temente a Igreja que o fustigara, desde guri com dogmas e conceitos instalados em sua fé e extremados por seu comportamento que, agora acreditava, haviam corrompido sua justiça. Neste momento sentia-se pior do que todos os outros porque, ainda que seu ato fosse apenas a extensão de todos pequeninos e ensaiados durante uma vida, não tinha a coragem de assumi-lo, nem a destreza ou a capacidade de despir-se da grande farsa que lhe fora imposta desde o ventre materno.,
Após haver sido um menino irrequieto, por volta da puberdade iniciara um processo de amadurecimento reconhecido por todos que lhe cercavam; tal processo lhe levou a ser adulto prematuramente e bem assim pesar as situações de acordo com o pretenso bom senso detido, somado a sua formação intelectual, obtida pela égide de padrões clássicos. Com isso, verde, encaminhou sua vida para um incipiente cotidiano onde o ‘não fazer’ era a tônica e a contrapartida, ‘fazer’, o extraordinário. Quase tudo era proibido, de mau tom. Literalmente adotara a lógica racional apenas, afogando a emotividade na materialização da perfeição que se auto-outorgou possuidor, ajudado pelas pessoas que o consideravam brilhante, adulto, ponderado, de predicados superiores...

 Era frio e inflexível e, a bem da verdade, mantinha a firme intenção de ser justo ou, no mínimo, o mais justo possível; por acreditar que sua ação era correta, jamais sentiu remorsos; não perdoava erros, inclusive seus (que de tão raros quase inexistiam), provando alternadamente para si que a indulgência é o câncer da moral. Dessa forma, perdão era uma palavra que não fazia parte de seu dicionário. Não tinha qualquer dúvida sobre a propriedade do processo dedutivo, considerando-o único capaz de sorver toda a gama de seu próprio raciocínio. Era narcisista porquanto admirava sua própria inteligência, sagacidade e conhecimento. Mais que isso, exercia o pecado capital da soberba. Possuía uma vontade e teimosia férrea que o levava, embora os sacrifícios, ao fim desejado.

Essa posição erecta diante dos fracos e mortais, essa inflexão moral começaria a ruir naquela que tantas vezes abençoou, pelo colorido que deu a sua vida, pelo calor que deu a seu corpo. Conhecera-a na praça Barão do Rio Branco (a do centro e a mais bela praça de Uruguaiana) em um entardecer quente de um verão mais quente ainda. Mal sabia que ao penetrar no fundo daqueles olhos claros estava se encaminhando à vivenciar bem além da fragilidade de seus semelhantes aos quais e por isso imputara vícios e corrupções da carne e do espírito sem estirpe, mesmo sabendo, lá no fundo, que estirpe não vem do berço, senão da formação que o cotidiano amolda e quando e se posta à prova, pode sucumbir ou se revigorar por inteiro no latifúndio da qualidade.

Embevecido e tonto se entregou ao gozo daquele flerte e com surpresa rapidamente ultrapassou a fase preliminar mergulhando com mais velocidade ainda, nas demais fases. Lá estava ela nua e linda, linda e nua, emoldurando sua cama, local de tantas reflexões, transformada em oásis de todas as loucuras, de pura luxúria, todos os prazeres.... Não conseguia entender e nem queria é verdade, como uma mulher fosse capaz de causar-lhe tantas emoções e deleite enquanto se deixava levar pela inércia mental e material que, desconhecida e suave o forçava a exaurir-se neste momento... nada fora antes, até ali, nada... Agora, tudo era e mais seria...

A relação amorosa continuou desde então a fluir afortunadamente para si e, um a um, iam sendo revistos conceitos e cláusulas pétreas de que fora feito... O tempo que passava junto com a amada não tinha passado ou futuro somente aquele presente que apagava tudo. A felicidade não necessita de rótulos para existir realmente, ela é apenas a complementação de nós mesmos e não se situa longe de nosso próprio momento e do que somos, estando logo ali ao alcance da mão, dentro da mão... Longe, a felicidade é independente e relativa, absoluta e absurda...

A tranquilidade dele era maculada apenas pelo fato de querê-la mais tempo, todo o tempo perto de si e encontrar nela certa resistência que não entendia a razão. Passados alguns meses do relacionamento, não resistindo mais tantas incertezas e indefinições, colocou-a na situação de aceitar ou não o fato de trazerem o relacionamento à luz do sol, para que todos tomassem conhecimento de tanto, não aguentava mais tê-la distante, um segundo sequer... Soube pela própria moça, então, que ela era casada com um terceiro e vivenciava uma grave crise neste relacionamento quando o encontrou... Golpe dado, duro, assimilado entanto pelo amor imensurável que o revestia... De imediato e decisivo, formulou a solução pelo rompimento desse relacionamento marcando o início de uma relação estável entre ambos. E assim foi feito. Nas ruínas de um casamento encerrado, os alicerces do relacionamento que, via transversa, também colaborara para sepultar àquele...

Desde então passaram-se não mais que oito anos e a relação ou concubinato começou a dar mostras de deterioração... Não era mais o que fora ao início, naqueles tempos de descomprometimento; a chegada de filhos desanuviara temporariamente os percalços, todavia e ao longo do tempo os agravara. Nada era como antes, nada encaixava e as reclamações recíprocas cada vez mais iam se tornando rotina. Ele não era mais o sujeito enxuto dos tempos de moço; ela, não podia mais ser o que fora para ele. Tudo ia mal e as brigas cada vez mais davam conta claramente para ele de que poderia ocorrer consigo o que ocorrera anteriormente para o terceiro, ex-dela. Começou a observar tudo utilizando os antigos métodos dedutivos somente que, agora, era movido pelo estranho veneno da dúvida e cada movimento inocente significava uma confirmação de seus medos e receios mais profundos. Sorveu gota a gota esse veneno de forma a, logo adiante, exalá-lo pelos próprios poros. A vida tornou-se um inferno. Não tinha mais o medo de perder sua amada, tinha o medo, o pavor até, de ser ludibriado, traído, enganado. Quanto mais aumentava essa sensação doentia, mais tornava-se ela ex-amada e, como o passado a condenava, mais propensa a efetivamente traí-lo... ah, o ciúme, a dúvida, o mal...

Fechou-se cada vez mais em si mesmo, entrando em violenta depressão. Neste retiro malévolo para dentro de si mesmo, em determinado momento não teve mais dúvidas de que estava sendo objeto de chacota sua mulher, ex-amada, com um terceiro que somente  existia em sua imaginação... O que fazer, eis o dilema! Os ciclos de paixão haviam se acabado restando agora somente gélida aurora no cotidiano do ódio.
CucaDiante das queixas contundentes dela e da disposição expressada de abandoná-lo, durante a derradeira briga, cego de desespero e ódio, matou-a descarregando seu revolver. A cada tiro, se sentia liberto até que não mais balas teve e como que saindo daquele transe deu-se conta do que fizera. Ele que fora tão preparado, lúcido, brilhante nada mais era agora que não um farrapo humano que escrevera o epílogo de uma história que não era a sua e sobre a qual não tinha o direito de findá-la...

Fugiu para não ser preso em flagrante delito, antes que a polícia chegasse ao local do crime. Com certeza foi sua última ação racional....

Desaparecido nos rumos do tempo não voltou a dar notícias sequer para seus filhos que passaram à guarda dos avós maternos. Ingressando na marginalidade pelo conhecimento detido, emérito planejador e organizador dentre outras aptidões, recebeu desse mundo, o do crime, o mesmo reconhecimento que obtivera antes enquanto cidadão respeitado, do bem. Nunca mais se apaixonou se transformando, de novo, em um iceberg de lógica e raciocínio digno de figura como um dos mais procurados, vivo ou morto, pela Polícia. Seus comparsas suspeitavam que aquele homem prático e sem carinho, árido como um deserto, não podia ser humano e obedeciam-no não apenas pelo temor que inspirava todavia porquanto os planos por ele elaborados sempre resultava em êxito, sem delongas ou perigos gratuitos.

Naquele dia tudo corria como fora planejado. Por volta das 23 horas dominaram o vigia da empresa de transportes e o levariam junto consigo até os limites da cidade onde o abandonariam ainda de olhos vendados e mãos amarradas... só que surgiu uma terceira personagem com a qual não contavam: a mulher do vigia que levara-lhe o jantar demorara mais tempo do que o normal para retirar-se, acabando por ver a ação em curso e, pensando não ter saída ou simplesmente por abissal medo, histericamente começou a gritar e correr levando um dos integrantes do bando a atirar nela e no próprio vigia que a acudira. Vendo a cena, ouvindo o som histérico da mulher e os tiros dados, ele ingressou em um transe do qual nunca mais sairia... Sua própria ação delituosa, que deletara totalmente de seu cérebro e lembrança, voltara com inexcedível força e o fustigava por igual, em indizível tormento... O precário vídeo-tape de seu passado, tantos tiros, uma mulher histérica gritando e sendo morta, tudo enfim, o levou para a escuridão do nunca mais... Caminhou até seu comparsa assassino e, convencido de que este matar sua mulher, o matou... Foi ele mesmo quem chamou a polícia para justificar que o assassinato que cometera o fizera em legítima defesa de sua mulher e que infelizmente não pudera evitar sua morte... o mundo rodava, tudo rodava... Foi preso, finalmente!

Agora, cada dia que passava vinha confirmar sua nova posição diante do que via e ouvia; todos o diziam louco, paranoico, esquizofrênico e o próprio local onde se encontrava detido, o Instituto Psiquiátrico Forense, escancarava que tal crença era tida pela própria Justiça como verdadeira... louco, doente da razão estava o mundo, a sociedade, todos os outros, ele apenas matara o assassino de sua amada mulher. Vez que outra, porém, as imagens se embaralhavam e via sua mulher estendida ora no depósito da transportadora, ora na sala ou quarto de sua casa... e aquelas crianças, quem eram?... tudo era vago e estranho...

Divagava, rápida e profundamente que à dedução nada escapa e ela lhe oferecia a realidade de que não praticara o ato que lhe imputavam, confusamente trazido a baila a eliminação daquele que assassinara sua mulher com a acusação de que, horror dos horrores, também ela ele havia matado...

Em sua respeitável sentença assim discorreu o Meritíssimo Juízo: “... É nada escapa a dedução, nem mesmo a nossa condição de seres humanos, suscetíveis de erro e acertos, inclusive quando limitamos ou graduamos o tempo que é ilimitado, esquecendo-nos de que um momento pode durar apenas um segundo ou dezenas de anos. E quando deduzo que quase uma década, longo tempo para alguns, pode transfigurar-se em apenas um momento divisor entre o racional e o irracional, ou vice-versa, aceito a dedução como uma regra que admite a insuspeitada exceção de que, apesar de toda a impossível e procurada perfectibilidade, dentro de nossa imperfeição, somos às vezes mais irracionais que o próprio animal irracional que nada sabe e por isso dignos da compreensão e piedade daqueles que mantém, quem sabe com que sacrifícios, uma visão mais elevada, ainda humana sobre seus semelhantes e o meio em que vivem.

A irracionalidade do réu vivida e extravasada há muito tempo atrás continua fechada a sete chaves em uma caixa qualquer alojada em um canto escuro de seu cérebro; por certo e no mínimo livra-o do remorso e dor que lhe causaria a mera lembrança de tanto pois que provado está o imensurável amor que nutria pela mulher que assassinou, como tanto depuseram e reverenciaram as testemunhas.

Não saberia dizer se vale a pena ou o que acrescentaria à Justiça e à Sociedade abrirmos tal caixa e ver o réu, aí sim, estrebuchado vivenciar o trapo humano que já é, embora não tenha consciência disso. Para nós, cuja pele nem foi arranhada pelo problema, exceto pela dose de comiseração inerente às pessoas, é fácil pedir justiça, fazer o possível para despertar no homem bom que foi, o assassino adormecido , para àquele sofrer o que merece por atos deste; a realidade, todavia, é que o réu já foi punido e continuará sendo até o fim de seu tempo, encerrado em um mundo que é vedado a todos nós, onde o sol se mistura a chuva, a água ao óleo e o réu aos próprios réus que criou e recriou em sua vida...
... Condeno o réu à Medida de Segurança para que ele seja objeto de tratamento psiquiátrico, mais forçado pela contingência legal, do que por desejar ou pretender, venha o mesmo despertar para o mundo real...”

Alguns anos depois da condenação, ainda sob tratamento Psiquiátrico, sem retorno ou possibilidades efetivas de cura, encontraram o corpo do réu  sem vida dentro da minúscula cela que o abrigava.

Por um detalhe importante, admite-se que ao menos por algum instante ele voltou a ser sadio ou normal como queiram, para logo a seguir cometer a loucura (ou normalidade, para o caso?) do suicídio: Na mão esquerda, punho cerrado, um bilhete que dizia

“Ninguém pode conviver como seu próprio algoz... nem mesmo eu...Desculpem!”. 


SETE TROUXAS (VELHO DAMIÃO) - (Continho)


SETE-TROUXAS (Velho Damião)




Deixou à mostra o dente canino superior direito quando em um arremedo de risada escancarou a boca quase deserta e emitiu um som gutural e assustador que dava arrepios e medo à gurizada. Cercado pelas trouxas de roupas sujas que sempre trazia consigo era a própria personificação do “bicho papão” com que as mães assustavam seus filhos, impondo-lhes o sono que não sentiam ou o bom comportamento que não possuíam.

Devido às trouxas recebeu, ninguém sabe quando, o apelido de Sete-Trouxas. Os adultos e iniciados o conheciam como Velho Damião. Com qualquer desses nomes ou apelidos era conhecido em toda a Uruguaiana, cidade brasileira, fronteira à Argentina, banhada pelo rio Uruguai, com sua Padroeira Sant’Ana, mão da Virgem Maria (daí o nome, Uruguaiana) e imensa planície chamada Pampa, a terra coberta de grama, a mulher, a mãe generosa e prendada...

Pela sua singularidade, excepcionalidade até, o Sete-Trouxas transformou-se, ao longo de aparições ocasionais e desaparecimentos inexplicáveis à gurizada, como sem explicação era sua própria origem, na estrela máxima do pitoresco tão farto de nomes em minha cidade, reacendendo a cada aparição a chama eterna do mito...

Naquele dia estava sentado em meio às trouxas, retendo toda curiosidade infantil que o rodeava, rindo de alguma coisa que a todos passava desapercebido. De repente, o céu se encheu de sons alvoroçados e mil trovões passearam impunes por sobre todas as cabeças, se afastando a medida em que o avião se afastava; a reação de Bubu, como também era chamado pelas crianças, foi sumir por entre suas trouxas, delas emergindo muito tempo após ter retornado a paz da manhã, sem o alucinante som causado por um avião em velocidade acima da barreira do som...

Daí, como que fugindo de alguma coisa incompreensível e intangível às crianças que o cercavam, partiu imediatamente para um local que fosse mais seguro e evitasse o perigo que o avião lhe representava. O paradoxal é que o avião não oferecia medo à gurizada enquanto que ao Sete-Trouxas sim e este por sua vez, à gurizada...Talvez inspirasse temor pelo pedaço de desconhecido e magia que materializava, talvez...

Para os adultos Sete-Trouxas era um louco inofensivo cuja evocação do nome impunha respeito, temor e calma às crianças. Para estas, uma figura saída sabe-se lá de que pesadelo ou sonho, deformada pelo mundo que não sabiam explicar como em um primeiro instante causava medo para logo adiante se transformar em outro sentimento, ameno, calmo, simpático até, no misto de ternura e cumplicidade que se refletia na energia compartilhada entre a personagem e os expectadores circunstanciais. Eis um fenômeno que não necessita de análise profunda para ser explicado: o pobre Velho Damião, louco e inofensivo, em meio às trouxas que carregava e lhes serviam de abrigo, peregrinava pelo infinito e temia a máquina, sendo quando a encontrava ou ouvia o som de sua passagem bem mais infantil do que as crianças que inadvertidamente assustava e atraía. Em suas trouxas carregava, o pó das ruas, parques e avenidas de Uruguaiana, como as crianças carregavam as esperanças de seus familiares...

Como um cometa de aparições irregulares, Sete-Trouxas passou à constelação do mundo infantil uruguaianense, arrastando como caudatários a curiosidade e ternura de todas as crianças que o conheceram. Alternadamente, Sete-Trouxas aparecia e desaparecia; ora era visto se refestelando nas águas do Salso ou do Riacho, ora recolhido e encolhido, pelo frio, em meio às trouxas, sob uma árvore na Curva da Morte; outras, nas redondezas do Hospital de Caridade e, incrível, simultaneamente, investido de uma ubiqüidade emprestada gratuitamente pela fantasia, sonhos e medos de todas as crianças, se encontrava no Prado das Bicicletas, na Cova da Onça, na Ponte Internacional, pelos quartéis, em frente ao Cemitério, na lua...

Devido as ausências inexplicáveis para muitos, Velho Damião foi acrescentando às trouxas a fama da imortalidade, tendo quem afirmasse, com evidente exagero, que fora testemunha ocular da fundação da Vila Santana Velha, início de Uruguaiana, pelo reverenciado Domingos de Almeida; que participara de guerras, inclusive às 1ª e 2ª. guerras mundiais, mais, da Gerra Civil Espanhola onde presenciara o teste nazista efetivado pela aviação alemã em Guernica, lá pelos meados da década de 1930, quem sabe advindo dessas passagens o imensurável pavor de aviões que possuía...

Durante o tempo que desaparecia, afirmavam que era recolhido pela piedosa família Telechea em fazenda localizada junto à cidade propriamente dita. Outras vezes, que demorava alguns meses ou dias junto à piedosa família Marcantes, lá pelos lados da Vila Ferroviária. Quase ao final de sua trajetória, afirmam, foi recolhido ao Asilo de Velhinhos de onde finalmente partiu para outra...

Sete-Trouxas era aparentemente mudo, dificilmente se fazendo entender através dos sons e gestos desconexos que efetuava, todavia, pela exaustiva repetição de alguns deles, mormente quando irrompia do céu batendo na terra o som de um avião intrometido, contava uma história de síndromes e traumas na tentativa de ser, quem sabe, um pouco como quase todo o mundo, tendo início, meio e fim. Gesticulando apontava o céu, emitia sons incompreensíveis enquanto suas mãos, segurando a cabeça, simulava espanto e desconsolo e daí planando-as em piruetas imaginárias às deixava cair abruptamente, em ângulo reto, rumo ao chão, com os dedos unidos e estendidos, fechando os olhos como em desmaio e, ao abri-los, esbugalhados, sua mão direita já fazia piruetas ao redor da orelha esquerda enquanto a cabeça se mexia como se fosse o próprio pêndulo do tempo retrocedendo até um momento distante, trágico, mágico, intangível, parado, perdido... Os intérpretes dessa mímica diziam que nela ele apresentava seu surgimento em Uruguaiana, que sofrera um acidente aéreo e perdera o passado; outros diziam que oferecia-se uma boa explicação para o fato de sua “loucura” em fobia, síndrome, ou trauma pós guerra em que o Bubu teria participado e onde deixara de ser o que fora para nunca mais se encontrar... Outros, ainda, diziam que havia sobrevivido, com seqüelas intangíveis e inimagináveis à Gripe Espanhola... Para a gurizada cheia de crenças e mistérios, nada disso importava, até porque certamente o Velho Damião, havia caído do dorso do Pégaso e , por isso mesmo, desde a mitologia grega direto ao chão de Uruguaiana, representando um mundo, isto sim, não muito distante deles, de fantasia, onde o tempo e o espaço não têm medidas, sendo o velho Bubu uma fantasia real que, vez que outra, com um gotinha a mais  de coragem se podia tocar com os dedos...

O fato é que todos explicavam tudo porém ninguém se convencia de nada sobre o Sete-Trouxas familiar aos olhos e sentidos, todavia distante pela carcaça e aura de mistério que o envolvia em sua origem, história e estórias, desatinos e errante forma de viver, circunscrita aos limites de Uruguaiana, sem ter de seu nada além do que àquelas trouxas, a ternura do povo, o alvoroço da gurizada e a palavra muda de uma história jamais contada...

A última vez que o vimos, antes de deixarmos Uruguaiana rumo à Porto Alegre (dos Casais, lembram) foi lá pelas bandas do cemitério municipal e nos assaltou aquela impressão do sobrenatural bicho-papão que se desligava de nossa ingênua e infantil imaginação, vestindo-se agora, nessa loucura de nos termos tornado adolescentes, de brutal e áspera realidade, trazendo-nos à conta do rompimento do elo que o manteve cativo e identificado com o infinito de nossa própria fantasia!

Dizem que Sete-Trouxas deixou sua Uruguaiana para sempre e que a cidade chorou sua morte na crônica e na voz emocionada do grande locutor da Rádio Charrua, Mário Pinto (ele próprio, um mito), ou de Mário Dino Papaleo (outro mito). A verdade, porém, é que mitos como o Sete- Trouxas (Bubu, Velho Damião, como queiram) não morrem jamais e ele que foi mito nessa expressão de realidade que pretensiosamente denominamos vida, continuará a aparecer vez que outra pelas ruas de Uruguaiana, senão diante dos meninos que fechando os olhos apressarão o sono que não têm ou reduzirão a marcha de suas traquinagens, na fantasia daqueles adultos que o vivenciaram enquanto crianças e passam de geração à geração sua história ou a parte de sua história que minha Uruguaiana gloriosamente reteve, contou, sem jamais contá-la... Assim, Sete-Trouxas continuará a desfilar na fantasia dos inocentes, carregando suas trouxas, as mesmas trouxas que um dia mamãe dissera que recolhiam e escondiam crianças peraltas, querendo assustar pela fantasia todavia e sem querer dizendo uma realidade pois que, vai ver que todas as trouxas do Velho Damião foram sim e quem sabe continuam sendo, indubitavelmente repositórios de todas as molecagens das crianças que um dia fomos...

Na fantasia do Sete-Trouxas esteve e foi fecundada a simplicidade que o tempo nos impõe como perda e quem sabe um dia a Uruguaiana de seu tempo possa materializar o amor que o envolvia, fazendo-o estátua em meio a um parque onde as crianças de novo possam ter com ele e toda a fantasia e quimeras...

Voluntária ou involuntariamente, para os céticos inclusive, tenho para mim que Sete-Trouxas deu graciosamente a visão do impossível, a impressão de que apesar de tudo vale a pena viver, mesmo caindo do dorso do Pégaso ou de dentro do céu...

segunda-feira, 17 de junho de 2013

MAIS OUTRAS PEQUENAS HISTÓRIAS... (Continhos)


Outra vítima foi, merecidamente diga-se, o Tenente Octacílio, militar respeitado na região por seu garbo e imponência (parecia que olhava os outros, do alto de sua soberba), dono do terreno da esquina, considerável área de terras em que plantava hortaliças e outras plantas, com canteiros bem cuidados, um primor, tendo no centro a residência, grande construção, arredondada, de madeira, com teto de zinco e aberturas, portas e janelas, “enfeitadas” com vidros em pequenos quadrados, por toda a extensão deles, certamente para a luz do dia por eles ingressar. Pois bem, uma tarde, em meio a disputa de “cortes” (esclareça-se que tal disputa consistia em, uma vez para cada um, tentar cortar o barbante retesado da pandorga remontada-como se dizia quando a pandorga estava no ar- através de um elemento cortante, normalmente uma lâmina de barbear, preso ao fim da “cola” ou cauda de cada pandorga) cortaram o barbante da pandorga preferida do moleque, um “marimbondo” branco e amarelo que, pela força do ar zumbia intensamente; e lá se foi ele, correndo atrás enquanto ela caía, fazendo piruetas no céu, direto em meio à plantação do Tenente, lá estancando a queda, sem danos, inteira.
O moleque bateu palmas à frente da casa do empertigado militar e logo, logo, veio ele atender ao lado de seus dois cachorros policiais, bestas feras que intimidavam e afastavam qualquer visitante, por mais corajosos que fossem. De verdade, o moleque tinha medo daqueles cachorros.

- O que tu queres, guri? – perguntou, vociferando.

- É a minha pandorga que caiu e está lá no meio de sua plantação de couve... por favor, o Sr. poderia me deixar entrar para apanhá-la ou buscá-la para mim (claro que, então, o português não era bom – até agora é mais ou menos - nem a concordância era tanta, vicío que se pega depois e não se consegue dele desgrudar).

- Deixa que eu te trago – falou o Tenente, encaminhando-se à busca a pandorga em meio à plantação...
De lá a trouxe inteira e quando chegou à frente do moleque, antes de entregá-la, fechou a mão grande que possuía reduzindo a pandorga a um feixe de varetas quebradas e papel rasgado, arremessando o produto de sua “criminosa” atitude, por sobre a cerca de arame farpado que separava sua propriedade da rua (que não era asfaltada, repita-se).
Estarrecido, indignado, o moleque, puxou do bolso traseiro de sua calça remendada, sua “funda” ou “bodoque”, ou ainda “atiradeira”, e munindo-se da munição que a rua e o campo lhe oferecia, mais conhecida como pedra, botou a correr o Tenente e seus cachorros que foram se abrigar na casa... mesmo assim e ainda indignado e cego pelo ocorrido, continuou o moleque a “chumbiar” (atirar pedras com a funda) a casa, especialmente quebrando, um a um, todos quadrículos de vidro das janelas e portas, bem como, atirando as maiores pedras no telhado de zinco... Foram dez ou quinze minutos, quem sabe uma eternidade de terror para o Tenente e seus cachorros que por certo jamais esperaram ou esqueceram tal reação...
Desnecessário dizer da alentada queixa que o Tenente apresentou aos pais do moleque, pretendendo ressarcimento dos prejuízos. O pai do moleque, ponderada e sensatamente, quis saber sua versão sobre o ocorrido... Contada a verdade, mostrada a horripilante prova, ao que ficara reduzido o antes majestoso “marimbondo”, após chamar a atenção do moleque para não mais reagir com violência diante da violência externa, nem se deixar escapulir do eixo em que deveria sempre assentar a razão (o velho pai sempre aconselhava: “Meu filho, jamais esqueça, some o coração à cabeça”), voltou-se ao Tenente e, serenamente disse-lhe que, por vias tortas, tinha recebido de volta o justo preço por sua equivocada atitude e que não iria ressarci-lo pois merecidamente colhera o que plantara e, acaso pretendesse ir além, bem poderia este buscar o Judiciário e nele escancarar sua falta de sensibilidade diante da criança que o moleque era, portando-se daquela forma, como um moleque qualquer, com idade moral inferior a do próprio moleque que apedrejara a si, seus cachorros e sua casa... O Tenente jamais ingressou no Judiciário...
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Recentemente tinha falecido sua avó, que sempre o defendia (era um santinho para ela, “meu São José”, como dizia; fato comprovado por sua mãe através do relato da D. Conga, uma vizinha que ao vê-lo passando abraçado à avó, dissera “o moleque é um anjo com a avó do lado... mas quando vai sozinho, é um demônio feito gente”; Ocorre que a casa da D. Conga ficava a meio caminho da escola, tinha uma cerca branca, de ripas de madeira, que era um chamativo para que nela se passasse uma vara fazendo um som que alertava os sete cachorrinhos basset, que D. Conga criava; os “lingüiças” passavam correndo por entre as ripas da cerca e perseguiam o moleque que ia em disparada até a primeira esquina e lá chegando se munia de diversas pedras e as atirava com a mão ou com a funda contra os pobrezinhos dos cães que recuavam e prudentemente voltavam para casa... todos os dias isso acontecia obrigando D. Conga a prender os pobres animais para não serem apedrejados na hora da ida e da vinda do moleque à escola) ...
      1. Conga era mulher do “Seu” Rui que, como o "Seu" Maragato, era um homeopata que curava todo o mundo da região com seus acônitos, mercúrios,arsênicos e beladonas, e que, também como o "Seu" Maragato,    gostava de um carteado (jogos de cartas, jogos de azar) no “Seu” Emílio ou Clube Sete de Setembro onde tinha jogos de “tava" (“jogo do osso” para muitos), de bochas e de cartas (truco, pife, sueca, vinte e um, bacará, etc.) e/ou no Caça e Pesca, clube do centro da cidade. 
O "Seu" Maragato era marido da professora, D. Diamantina, severa, dedicada educadora, fundadora da Escola Rui Barbosa que até hoje existe em Uruguaiana e que alfabetizou muita gente boa, uma molecada infernal e mal comportada de então, a qual disciplinava principalmente através da palmatória com a qual distribuía bolos às mãos dos infratores.

O certo é que todos, desde o Tenente Octacílio, passando pelos "Seu" Rui e "Seu" Maragato, mais D. Conga e D. Diamantina, e todos os citados nas "histórias" aqui contadas, foram pessoas que integraram o universo mágico do moleque, detentoras do seu respeito e carinho, ainda que tenha ele sido tão sapeca e "língua solta".
  
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A área em que o moleque nasceu tinha inesgotável nascente d’água formando uma cacimba, logo adiante o poço de onde “tirava água” potável para beber e, seguindo um filete d’água que a medida que avançava campo à fora ia engrossando, formando, no meio, uma espécie de piscina que o moleque chamava de açude ou sanga, onde este e outros tantos parceiros regalavam-se nos escaldantes verões da época, tomando banho, nadando, divertindo-se.
Também tinha muitas plantas frutíferas, laranjeiras, bergamoteiras, pessegueiros, pitangueiras, amoreiras e até uma figueira que dava os figos mais gostosos que o moleque provou na vida (somente os figos ele esperava para comer maduros; o restante das frutas, eram comidas “verdes” p’rá não dar chance de que outros o fizessem). Ah, tinha o tomateiro, relíquia de sua avó que o plantava regado a muito zelo e sem adubo químico, cujo fruto, colhido no pé e com uma pitadinha de sal, tinha inolvidável sabor. O campo ainda oferecia plantas rasteiras que desabrochavam em abóboras, melões e melancias, como por milagre já que, para conhecimento do moleque, ninguém as plantava ou cuidava, simplesmente apareciam por geração espontânea da natureza.
As duas pitangueiras frutificavam em diferentes épocas, nunca concomitantemente. Um dia mandaram o moleque comprar fósforos no “bolicho” do “Seu” Fífi que ficava em meio a um arvoredo e, neste, reluzia uma pitangueira com lindos frutos vermelhos e carnosos. Na passagem, o moleque apanhou meia dúzia de pitangas e entrou no “bolicho” saboreando-as. “Seu” Fífi, sentado em uma cadeira de balanço, atrás do balcão de madeira de onde atendia seus fregueses, vendo o moleque comendo pitangas, irritado, reclamou dizendo severamente que nunca mais ele fizesse aquilo. O moleque tentou ponderar – Mas “Seu” Fífi, o Sr. vai “chorar” por duas ou três “pitanguinhas”...? – Não quero saber de lero, ainda mais de ti, malandro passado, desavergonhado! Vê se não faz mais isso, está proibido, viu! – Rapidamente o moleque girou os calcanhares e saiu “chispando” do “bolicho”, sem comprar os fósforos. Chegou em casa e munido de um copo de lata (que era feito de lata de azeite, com alça soldada pelo vizinho funileiro) colheu de uma das pitangueiras, de sua casa, que estava cheia de frutos, o suficiente para encher o copo de lata e, na mesma velocidade que veio, voltou ao “bolicho”; “Seu” Fífi continuava sentado na cadeira de balanço e sem dela se levantar, vociferou – “O que queres Moleque? Já te disse que...” – Não terminou a frase, atingido pelas pitangas que o Moleque levara no copo de lata, palavrões e desaforos do Moleque: - Toma, velho miserável, pelas pitangas que comi... faça bom proveito, seu cretino (e outros, impublicáveis). Quando “Seu” Fífi se recuperou do golpe surpresa que havia sofrido, o moleque já ingressava em outro “bolicho” para, finalmente, comprar fósforos...
Tinha o “Bar Azul”, o “bolicho” do “Seu” Inácio, a padaria do “Seu” Frederico, o “Bar” do “Seu” Baterone, o pomposo armazém de secos e molhados do “Seu” Honorato, as “lenharias” do “Seu” Belizário, do “Seu” Emílio e do “Seu” Camargo. Um dia a mãe do moleque mandou-lhe comprar lenha (fogão à gás, refrigerador, eletrodomésticos em geral não existiam ou, se existiam, era um luxo dado a quem tinha bala na agulha, que não era o caso da família do moleque que só conhecia o rádio galena (instrumento rudimentar de chumbo que captava som) e o de luz elétrica (ambos, maravilhas e mistério para o moleque que não entendia como tanta gente neles cabia, como era possível ouvi-los falando, tocando diversos instrumentos musicais, cantando... deviam ser, acreditava, minúsculos anões, com perdão do pleonasmo).
Voltemos a compra da lenha, a mãe do moleque mandou-lhe comprar lenha no “Seu” Belizário pois que a lenha do “Seu” Camargo e do “Seu” Emílio era “verde”, úmida, e não pegava fogo com facilidade. Ao contrário a lenha do “Seu” Belizário era seca. O moleque não queria ir buscar lenha no “Seu” Belizário porque, brincando de batalha (cuja arma era a funda e a munição frutinha de cinamomo planta que conhecia como paraíso) com outras crianças, se escondera no pátio da “lenharia” fazendo escudo de proteção a lenha disposta em organizadas camadas por aquele. Ocorre que em meio a enfezada luta, aparece “Seu” Belizário... no fogo cruzado que se seguiu, ele deve ter levado uns quatro “tiros” tendo o que mais o irritou sido disparado pelo moleque que lhe atingiu em cheio a testa, rente ao supercílio... não sangrou mas fez-se logo, logo tremendo inchaço. Pior, para o moleque que fugiu sem prestar socorro algum, ele foi o único visto e anotado pela vítima. Isso fora pela manhã, agora, de tarde a mãe que até ali tudo ignorava, determina peremptoriamente que ele vá direto ao “inimigo”... Era muito pouco tempo para que “Seu” Belizário tivesse esquecido a agressão sofrida, o inchaço devia ainda marcar sua testa... O que fazer?... O moleque saiu para os lados da lenharia do “Seu” Belizário (as do “Seu” Emílio e do “Seu” Camargo ficavam no sentido oposto) e, contornando a quadra, em enorme percurso e tempo despendidos, deu com os costados na lenharia do “Seu” Camargo, mais próxima do que a do “Seu” Emílio. Pediu encarecidamente para escolher as “achas” de lenha pois queria as mais secas, o que não foi possível simplesmente porque, de fato, todas as “achas” eram “verdes”. Sem escolha, agarrou o pesado fardo de lenhas, acondicionadas no saco de estopa vazio que levara e fez o caminho de volta, pensando na desculpa que daria à mãe, sobre a lenha que sabia “verde” quando esta descobrisse; o mais simples sempre é melhor, pensou por isso, afirmaria que tinha ido à lenharia do “Seu” Belizário e a lenha que ele tinha não era tão seca como sua mãe pensara. Tranquilo com a solução que encontrara, não realizou o contorno devido e, não viu que sua mãe o observava da janela do oitão que dava visão para o sul de onde vinha e onde se localizavam as lenharias dos “Seus” Emílio e Camargo; a do “Seu” Belizário, ficava ao norte de sua casa. Estranhou mas, não desconfiou, quando chegou em casa, exceto a porta da cozinha todas as demais aberturas da casa, inclusive as janelas, estavam hermeticamente fechadas. Depositou a lenha no local próprio, próximo ao fogão (campeiro, feito de barro com uma chapa de ferro, com quatro aberturas, duas graxeiras, imensos forno e boca, recolhedor de cinzas, cano de zinco com belo “chapéu” externo de metal, representando um galo e a rosa dos ventos, para dar vazão a fumaça e indicar o sentido daqueles) e chamou pela mãe. Ouviu a porta da cozinha se fechar atrás de si e dali surgir sua mãe, já com o mango, o temido relho de couro trançado, nas mãos. – Quer dizer que não fizestes o que mandei e trazes lenha “verde”... – Sequer deu tempo para explicar, só correr dentro de casa para fugir da surra que se avizinhava e que não foi possível evitar... Pelo menos, o corre-corre havia cansado a mãe do moleque que quando conseguiu encurralá-lo, já não tinha tanta força no braço nem disposição física para prolongar a surra, contentando-se com três ou quatro “relhaços” e a promessa de outros “castigos”, nunca confirmados... Ufa!

Diga-se, para não cometer injustiça com a mãe, especialmente pois que o pai nunca bateu no moleque, o carinho, dedicação, preocupação, mimo, muito mimo até, era a forma de tratamento comum e cotidiana que ela dedicava ao moleque. Só que ninguém agüenta, por tudo isso e por melhor mãe que seja, uma ou diversas queixas de seu pimpolho, por dia...

A avó do moleque (que este escolhera para morar quando acuado pela mãe, atirou-se pela janela e em desabalada corrida – em 08 segundos realizou, o verdadeiro, imbatível até agora, todavia oficialmente jamais reconhecido, recorde mundial dos cem metros rasos - esbaforido, chegou a casa da avó e pediu para morar com ela e desde então lá ficou, até o falecimento daquela – certo que as casas estavam todas localizadas na mesma área, a uma distância de cem a duzentos metros lineares entre uma e outra. Todavia a avó, ainda que mais severa, aparentemente, não batia e isso era muito, muitíssimo importante, preferindo aplicar “castigos” para correção de erros e faltas, demonstrar o caminho correto a ser seguido, dando conselhos. Além disso fora ela, a avó, que ficara a cabeceira dele quando ele foi acometido da única doença grave que teve, já reportada acima, que denominavam de “inflamação nos rins” e que, adulto, viria a saber o nome certo, nefrite aguda.

Na verdade o nome, certo ou errado, não importava, o problema causado era o mesmo, a indizível fraqueza que não lhe permitia estar em pé, tonturas e enjôos e, pior, as insuportáveis dores que a doença provocava, dores incríveis, como se duas facas, uma em cada rim, neles estivessem espetadas e qualquer movimento, por menor que fosse, até um meneio de cabeça, lembrava que as facas estavam lá, espetadas... era muito doloroso. Acometido da doença renal, sendo comprometidos e inflamados ambos os rins; seis meses deitado em uma mesma posição, pois que qualquer movimento desfolhava em dores, como se facas afiadas estivessem enfiadas em sua carne. Assim, inerte sobre a cama, perdeu todo os cabelos da nuca e o que antes era claro, depois se tornaram castanhos escuros, após o restabelecimento (por isso diz, enquanto a idade avança abrindo clareiras em sua cabeça, não é a primeira vez que perde cabelos e espera que nasçam de novo, repetindo-se o milagre ocorrido em sua tenra idade).

Também tinha problemas de hipoglicemia embora ninguém soubesse o que era aquela tremedeira e fraqueza que volta e meia lhe acometia e que "curavam" depois de embutir goela a baixo, como diziam, uma quantidade enorme de alimentos; até que um dia, com o moleque acometido desses sintomas e sem que tivesse pão ou qualquer alimento à mão para fazê-lo comer, a mãe não pestanejou e fez o que chamou de "engrossado de farinha de mandioca com café preto" e, tendo em vista os integrantes desse mingau serem essencialmente amargos "caprichou" no açúcar, colocando-o em grande quantidade tornando palatável dito mingau... sem saber acertou na "cura" quase imediata do moleque que, à segunda ou terceira colherada viu-se ruborizado pelo açúcar, sem tremedeira, forte... daí em diante não tinha melhor e mais completo alimento do que "engrossado de farinha de mandioca com café preto"...

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Na escola o moleque aprontava todas. Irrequieto, peralta, sempre era acusado de ser o autor ou protagonista de qualquer evento negativo, de peraltice... pelo passado que tinha, pagou muito por terceiros que faziam tantas peraltices quanto ele, todavia, certamente aqueles eram muito mais inteligentes, apareciam menos, não se identificavam ou assumiam diferentemente do moleque que, neste como em outros aspectos, era transparente... Qualquer ocorrência desse gênero, lá estava o holofote voltado para o moleque e não adiantava negar a autoria, que n i n g u é m acreditava não ter sido ele.

A professora dos primeiros anos do primário (hoje até a 4ª série do 1º grau), D. Buby (Maria José Pysaco), pela qual o moleque tinha veneração, sabia lidar com ele. Além de incentivá-lo a ler mais do que lia, lhe atribuía obrigações de liderança na aula, para ser exemplo para seus coleguinhas, todavia não perdoava suas falhas e volta e meia o submetia ao “castigo” de ficar retido na sala de aulas durante o recreio. Na primeira vez que isso aconteceu, o moleque vendo-se sozinho, pulou a janela e lá se foi aproveitar o recreio com seus colegas; o zelador, “Seu” Firmino o flagrou e o entregou a professora; no outro dia, aumentado o tempo de duração do castigo para uma semana sem recreio, a própria professora ficou na sala cuidando que o moleque cumprisse a pena imposta. D. Ruth, a servente, trouxe o cafezinho para que a professora o saboreasse ali mesmo, na sala de aula; o moleque vendo a professora tomar o cafezinho e sentido o aroma exalado pelo café, ele que era viciado na rubiácea, com ar e voz angelical perguntou à professora o porque daquela maldade que estava fazendo com ele, dando-lhe dois “castigos”... “Não entendi” - ela respondeu – “Que saibamos apenas estás impedido de sair para o recreio e o que era para durar um dia foi aumentado para durar uma semana por causa da fuga que realizastes ontem...” – “Não é pelo aumento do tempo da duração que eu falo em dois castigos, sim porque adoro café e a Sra. está tomando um que me parece tão gostoso... esse castigo é bem pior, muito pior do que o de ficar sem recreio... assim estou sendo castigado duas vezes... pagando muito além do que devo, se é que devo”. D. Buby se rendeu àquele argumento, àquela falácia que mesmo sem saber o moleque esgrimara em proveito próprio. Não lhe liberou para o recreio, todavia, nos demais dias, mandou servir-lhe o mesmo cafezinho que tomava. Não se sabe se foi por isso mas desde então aquele pedaço de gente, matreiro e ardiloso, era o único aluno que convidava para comer bolos e doces na festa (mesmo quando não tinha festa) de seu aniversário, em primeiro de outubro de cada um daqueles afortunados anos.

N’outro dia, D. Buby teve de se ausentar da aula atendendo chamado da D. Zélia, a diretora, para ir a secretaria. Em franca atividade psicológica, temerosa do que podia aprontar o moleque em sua ausência, determinou a este a função de mantenedor da disciplina; não queria balbúrdia ou algazarra, competindo ao moleque manter seus coleguinhas quietinhos durante sua ausência; saiu então e não demorou mais do que um minuto para que todos, sem exceção, todos, começassem a dar o ar da graça, na sala de aula sem lei ou professora. Baldados os esforços do moleque ninguém para quieto, viu-se então na contingência de cumprir as determinações que recebera e, sem alternativas, subiu na mesa da professora iniciando um discurso político contundente, prometendo, como todo “bom” político faz, desde o impossível, até o inverossímil que todos teriam a nota máxima, não precisavam mais fazer o dever de casa, nem prestarem atenção no que a professora ensinava, por decreto todos saberiam tudo, até mandaria asfaltar a sala de aula, construiria pontes móveis, ligando a casa de cada um com a escola, com motores instalados na pista, para que ninguém necessitasse caminhar para nelas chegar, bastava ficar em pé e pronto, a duração do recreio seria aumentada atingindo o tempo de duração das aulas, estas, por sua vez, teriam a duração máxima de um recreio por semana. Cada promessa era demonstrada por garatujas que chamava de desenho das promessas, realizados no quadro negro, utilizando o giz. Assim, pensou, conseguira controlar seus coleguinhas mantendo-os sentados em suas respectivas carteiras, esquecendo-se do barulho que cada promessa produzia, com aplausos e gritos de vivas... N’um determinado momento, mais uma promessa feita e demonstrada no quadro negro teve um sepulcral silêncio como resposta. De costas para a janela, pensou que não tinha sido claro, nem agradara aquela promessa, emendou outra de imediato dizendo que se eleito fosse terminaria com a obrigação de usar uniforme e demitiria a diretora e todos os professores que não obedecessem a nova ordem, inclusive D. Buby... O pesado silêncio de seus coleguinhas foi quebrado pelas palmas de duas pessoas, postadas à janela, D. Buby e D. Zélia Lopes, a professora e a diretora que vieram verificar o motivo daquela gritaria... O moleque desceu de cima da mesa e foi impedido de apagar o quadro negro; mais, ficou um mês sem recreio e de “bico seco”, sem cafezinho...

domingo, 16 de junho de 2013

OUTRAS PEQUENAS HISTÓRIAS DE UM MOLEQUE QUALQUER (Continhos)


Outras pequenas histórias de um moleque qualquer

Aquele era um dia especial. À noite viria o primeiro (e único, viu-se depois, eis que casaram e viveram muitos e muitos anos juntos e só a morte do varão os separou, geraram extensa prole) candidato a namorado da irmã mais velha do moleque, a Rita, pedir para frequentar a casa, oficializar o namoro, essas coisas de então. Pela manhã a mãe do moleque fora a vizinha cidade argentina de Passo de Los Libres para realizar compras de lá trazendo quase l,5 kg de mortadela tipo bolonha e a delícia chamada “Dulce de Leche” (Doce de Leite), além de uma caixa de balas da marca Cremalin, também de leite. O moleque adorava tudo aquilo e desde a chegada da mãe iniciou o cerco para pelo menos comer um pouquinho do Dulce de Leche, pois não; mas sua mãe, ciosa inclusive quanto aos acontecimentos da noite, negou-lhe tudo, dizendo que após o jantar certamente ele, junto com os demais, mais o rapaz que chegaria para pedir a mão da irmã do moleque coisa que um dia ele entenderia e blá, blá, blá e blá blá blá. A única coisa que naquele momento o moleque entendia era daquele doce especialmente e do quilo de delícia contido naquele vidro fechado cujo olor do doce, embora só na imaginação do moleque, deixava escapar.

Enquanto isso a irmã sortuda que à noite teria a confirmação e reconhecimento do namoro, ao final da manhã, se apressou em lavar e encerar o chão da sala por onde haveria de entrar o namorado, fechando-a logo após e advertindo a todos, especialmente ao moleque, que não era permitido a ninguém entrar nesse recinto. Ocorre que no mesmo ficava o armário onde a mãe do moleque havia guardado a mortadela e o vidro de doce de leite, intactos...

À tarde, como era de costume então, todos foram sestear, dormir logo após o almoço, menos o moleque que não era de dormir à tarde, preferindo a manhã encompridando o sono da noite. Então aquela janela da sala era um convite, um passaporte para pelo menos dar só uma provadinha no doce, só um naquinho, nada mais que um naquinho... Apoderando-se de uma colherzinha de chá na cozinha, o moleque pulou a janela, abriu o armário da dispensa (a cristaleira, como chamavam) e não sem muito esforço abriu o vidro daquela delícia chamada Dulce de Leche, enfiando a colherzinha colhendo de imediato um grande naco que degustou com insuperável sensação de prazer, saindo da sala, indo embora, para longe daquela tentação... nem cinco minutos depois lá estava ele de novo pulando a janela e, agora, mergulhou a colherzinha duas vezes no vidro e na boca... saiu de novo da sala, não sem antes perceber que, ao lado do vidro, se encontrava a mortadela e, quem sabe, fosse um bom petisco se somada ao gosto do doce, sabe-se lá... lá fora, além do desejo de voltar e comer mais um pouquinho só do doce, somou-se a curiosidade de provar, junto, a mortadela e, ainda que indeciso, muniu-se de uma faca na cozinha e lá foi saltar a janela, o que acabou fazendo a tarde toda, comendo todo o Dulce de Leche e toda a mortadela, sabendo-se perdido pelo pecado da gula.

Sobreveio o café da tarde e sua tia Dila serviu o moleque de uma taça de café com leite de mais ou menos 200,00 ml que o moleque tomou acompanhando-a com doze bolachas marinheiras (espécie de biscoitão argentino) que fora também trazido por sua mãe, junto com as latas de patê, de sardinha, alfajores e muito mais.
Na hora certa chegou o pretendente, Gelci, e foi recebido pelo pai da pretendida... Da conversa o que mais sobressaiu e marcou a memória de todos, foi a sentença ditada pelo pai com voz firme e ar circunspecto, sisudo, cientificado das intenções e profissão do pretendente (mestre padeiro) e dando sua permissão ao namoro: “Então o senhor é padeiro. Pois bem, tem a minha permissão, o senhor pode namorar minha filha, frequentar minha casa nos dias tais e tais, no horário das tantas as tantas, entretanto, quero deixar bem claro que minha filha não é massa para o senhor sovar e sovar, passar no cilindro e depois largar para que o fogo do forno ou da maledicência alheia a cozinhe...”.

Após a janta que se seguira, viria a sobremesa tendo a mãe da moça e do moleque alertado a todos sobre o doce de leite que seria servido, lançando um olhar e sorriso alegre ao moleque pois chegara a hora e ele veria que teria valido a pena esperar. Surpresa! No vidro de doce nem uma colherzinha que fosse restara, e da própria mortadela restara apenas o barbante...Como? Quem?... tia Eustáquia foi a primeira a falar, vi o moleque pulando a janela com uma colherzinha na boca... tia Dila falou mais alto, não pode ser, o moleque tomou café com 12 marinheiras eu servi ele e sei e não tem tamanho nem estômago suficiente no probrezinho para tanto, isso é invencionice da tia Eustáquia e bem se sabe que toda e qualquer coisa que acontece culpam o pobrezinho do moleque, mas desta volta não vou deixar, eu sei que não foi ele, não pode ter sido ele, tenho certeza.

O mistério não durou vinte e quatro horas, o pai do moleque conseguiu persuadi-lo a confessar o que fizera e como fizera, restando-lhe um grande castigo cumprido parcial e minimamente adiante... pelo menos de uma bela surra escapara desta, como de outras vezes...

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Aos cinco anos de idade para escapar de uma surra o moleque “fugiu” para a casa da avó Nãna, mãe de sua mãe, que ficava a uma distância não superior a 100,00 metros da casa materna, passando a morar com a avó até os onze anos quando esta veio a falecer. Ganhou um cachorro chamado Flopes que foi ensinado pela avó para obedecê-lo. Flopes era tudo de bom em matéria de cão, fazia tudo que o moleque mandava, pega, larga, vai, vem, etc. Na enorme área habitada pela família a casa da avó ficava mais ou menos no meio, ao lado do poço artesiano de onde se retirava a água potável para beber e um pouco pelo lado do açude gerado pela nascente d’água que percorria no sentido longitudinal o terreno de ponta a ponta, ora formando uma espécie de piscina (o açude) ora, em seqüência, algumas sangas, cercadas por árvores frutíferas como pessegueiros, laranjeiras, pitangueiras, figueiras, etc., e pelos taquarais (taquaras e bambus de onde se extraíam caniços p’rá pescaria e varetas p’rá pandorgas ou pipas ou papagaios, como queiram). Mas, também, a enorme área de terreno guardava seus mistérios e seus fantasmas. Tinha, por exemplo, a “Mulher de Branco” que assombrava os incautos nas noites enluaradas e nas noites de inverno, especialmente, que rivalizava nos medos do moleque com o famoso Sete Trouxas, fisicamente ao alcance dos seus olhos e mãos; mais distante todavia presente, fugidiamente,  existiam na imaginação do moleque a Mula Sem Cabeça, o Bicho Papão e outros entes fantásticos menos votados...

Infelizmente a avó, a quem o moleque adorava sendo a única pessoa que ele respeitava com veneração, adoecera gravemente estando então acamada. N’um daqueles dias, o moleque aprontara todas para sua tia Dila enquanto sua mãe fora a Passo de Los Libres para realizar compras (na Argentina, por questão de câmbio e de melhores condições de riqueza do País, então, as mercadorias eram muito mais baratas do que em Uruguaiana); quando a mãe do moleque chegou ao anoitecer, Dila fez um rosário de queixas do moleque que fizera isto, aquilo e mais aquilo e que não obedecia, passara toda a tarde infernizando sua vida, blá, blá, blá e blá, blá, blá e... ao que a mãe do moleque, sabendo que ele estava perdido pelo campo disse, deixa estar que agora quando chamá-lo para jantar vamos levá-lo lá para o quarto grande (que ficava quase 60,00m lineares de distância do quarto onde estava sua avó) e vou dar-lhe uma surra para aprender a respeitar e deixar de ser malcriado, etc.; o moleque que estava vigilante desde a chegada de sua mãe e controlando para ver se sua tia Dila faria queixas dele, saiu do esconderijo onde estava gritando impropérios para a mãe e para a tia, dirigindo-se ao quarto da avó onde pretendia se homiziar e entregar aquelas malvadas que queriam lhe surrar. Com uma rapidez desconhecida, tia Dila postou-se à porta do quarto da avó do moleque impedindo sua entrada e querendo agarrá-lo, este então escapuliu para o campo acompanhado pelo seu fiel cachorro, o Flopes, lá permanecendo. Algum tempo depois a avó do moleque questionou Dila e a mãe dele para saber onde andava o mesmo; está brincando foi a resposta enquanto o chamavam... mas não teve rogos da tia Dila, de sua mãe que fizesse o moleque voltar, mesmo que sua avó doente agora, diziam, o chamava e ninguém iria impedi-lo de entrar no quarto dela, nem tentariam pegá-lo, nem bateriam nele... o fato é que ele não confiava fosse verdade isso tudo e por isso permanecia à beira do açude perto do poço artesiano, ao luar e sob o frio do inverno daqueles junhos de Uruguaiana ...

Como fazê-lo voltar para casa, acalmar a avó que o queria perto? Os rogos de todos não adiantavam... o que fazer? Então a irmã do moleque, Ezolda, quase três anos mais velha do que ele teve a brilhante idéia, logo aceita por todos, de se cobrir com um lençol branco e se postar atrás do muro do poço surgindo dali, a 15,00m da barranca do açude onde se encontrava o moleque e seu cachorro, fingindo-se de “Mulher de Branco”, assustando-o... E assim fez, esgueirando-se chegou ao poço e de lá abrindo os braços para dar maior amplitude à figura fantasmagórica que pretendia criar, assombrou o moleque que, n’um primeiro momento sentiu horripilante e gelado arrepio só voltando-se um pouco à realidade quando ouviu o rosnado de Flopes a seus pés, daí a gritar “pega” foi um lapso e Flopes saiu à cata do “fantasma” que a esta altura fugia berrando larga Flopes, pára Flopes, socorro, entrando em casa, sala a dentro, passando por sobre o colo do casal de namorados que ali estavam (o Gelci e a Rita, lembram), com o Flopes em seus calcanhares, fazendo o mesmo. Foi um alarido global, com todo mundo indo para socorrer Ezolda, a esta altura sob o acolchoado e cobertores da cama da mãe, com a Flopes não lhe dando tréguas, todavia sem mordê-la... Enquanto isso o moleque, aproveitando, rindo às gargalhadas ingressou no quarto de sua avó Nãna, que lhe perguntou o que estava havendo ao que candidamente disse que estava brincando com a Ezolda e, ao ser perguntado se já havia jantado disse que não e que queria jantar ali ao lado da avó e, até, dormir com ela, tanta era sua saudade...

E como decretou José de Alencar em sua Iracema, tudo passa sobre a terra... também essa passou para o moleque que, de novo, não teve qualquer castigo (a avó não deixava que o castigassem, de jeito nenhum).