sábado, 27 de fevereiro de 2010

Amanhã (logo adiante)
fisicamente
estarei morto
e nada mais
terá importância,
nem tua ausência,
meu desconforto,
minha artrite
todas as ânsias,
tua inconsciência...
E serei, triste,
resto de estrada,
folha despencada
do firmamento,
não mais que um nada
de esquecimento...

Lua nova

Cansei de borrar meus sonhos com tintas do não fazer
e de irrigar os meus olhos com histórias do pode ser.

Cansei de viver na lua minguante do não viver,
pisar na febre das ruas do bem-querer, mal-querer,
da guerra do dia-a-dia pintada de insensatez,
de querer ser meio-dia na noite desse talvez.

De germinar egoísmo, cansei de morrer semente,
quero agora o ativismo de viver todo o presente,
tropear saudades, quimeras, abrir cancelas de aurora,
deixar de só ser espera, querendo e fazendo agora!

Estática

Molhava os pés, distraída,
nas águas doces do açúde
enquanto nelas, refletida
na mansidão na quietude
a inocência saltitava
- Que visão! Que encanto dava
aos meus sonhos de guri...

Agora, de volta, aqui,
às águas do mesmo açúde
não mais são cristalinas...
Nem a vida, que não pude
evitar de poluí-la...
Resta a imagem da menina
que nunca mais esqueci...

Pirilampos

Imagina pirilampos sem carga na bateria,
no fundo escuro do campo, na soga da desvalia.
Imagina pirilampos no pisca-pisca das horas
brotadas dos acalantos que tive e joguei fora.
Imagina pirilampos no lusco-fusco do outrora
boiando sobre remansos de passos idos embora.
Agora, pilchando o pranto desse leite derramado
sou um desses pirilampos na solidão arranchado.
Desgarrado pirilampo, desnudo de alegorias,
sem o abraço, o encanto, do quanto sonhei um dia.
Meus sonhos, pirilampos de luz e som apagados,
jazem solitos no campo do que foi sem ter passado.

Inverno

Tarde úmida, o Pampeiro sopra firme em Uruguaiana
E já faz mais de semana sem dar alce p'rá ninguém
Quem me dera o vento frio, com um sol pálido de estio,
Que só o Minuano tem!

Minha vida tem andado qual o tempo em Uruguaiana
E já faz tantas semanas, se arrebenta de ninguém
Quem me dera agora fosse tempo de colher pão doce
Que o meu cesto já não tem!

Como a minha Uruguaiana, p'rá esta ou n'outra semana
Espero venha o Minuano com o sol feito batom
Quem me dera neste Junho, com a viola que empunho
Festejar um tempo bom!

Ato falho

Saboreava o chimarrão,
solito, do fim da tarde,
folhando à toa o jornal,
despassito, sem alarde...
De repente o irreal
de um nome, qual tentação
saltou da secção "Recados",
repontando o meu passado...
Dizia a simples mensagem:
"Volte logo, meu amado!"...
Como pode tal bobagem,
deixar-me nesta agonia?
O amargo da fantasia
queimando amargo no amargo
- sal e mel, entreverados -
no sol posto do passado...
E a dor, sei lá, adormecida
por vacinas do ausente
voltou a dizer presente
na quadra da minha vida...
Até parece engraçado,
o meu amor exilado
voltou pleno no contraste
do nada desse recado
- que não foi tu que mandaste,
nem p´rá mim foi destinado...

Moleque engraxate

Tão cedo para a vida acordaste
moleque engraxate, tão cedo choraste
o choro que o mundo te provocou
moleque engraxate a ilusão terminou.
Caminhas inseguro, moleque engraxate
carregas na língua a fala que bate,
pequeno e sisudo, arguto e vilão,
apreendes e professas outro palavrão.
Proclamas a glória de saber lustrar,
tu que não sabes nem mesmo brincar
e o germe que viça no peito inocente
é o virus do ódio que por tudo sentes.
O amor, a infância, são coisas banais
sofres na carne da realidade punhais
e as feridas abertas não cicatrizarão
sucumbes ao vício, desconheces perdão.
Trabalhas agachado aos pés d'outra gente
por míseros centavos te tornas contente
e pensas que dinheiro, moleque engraxate,
a tudo e a todos convence e abate.
Ah! quando te olho assim na sujeira,
na altura do nada, criança fagueira
deploro esta vida de muitos madrasta
que divide homens em classes e castas.
Vejo-te moleque sem eira nem beira,
moleque engraxate entregue a fogueira
do mundo imundo que bate e tonteia
e te fez tão jovem conhecer suas teias.
É noite e ainda tu andas nas ruas,
perambulas sem dono, sem lar, continuas...
Apregoas tua fibra moleque falaz,
moleque engraxate, que pena me dás!

Esperando a primavera

Que improviso se fará em tua presença
e quantos sonhos levarão a inconsistência
destes tempos que de luz estão escuros.
Espaços todos ocupados pela descrença
de tanto usada repartiu-se a impenitência
em dupla crise, poluente e ar impuro.

Não que te bastem improvisos rebuscados
nem deles tenhas o poder já consumado
pelos acordes que retinem em teus termos.
É que a procura deste real, integralizado
em corpo inteiro, uno ou multifacetado
faz-se de atos e coisas que não vemos.

E assim, na dúvida e espera que vivemos
quando enfim chegares, bela e radiante,
trarás em ti o improviso que não temos.
Então, mais se fará a vida, cintilante
e ínfimo terá sido o inverno que vivemos.
E diante disso, tudo será daí em diante...

Meneios

Andar e dizer com o corpo
a prece dos insensatos,
assim te vêem, embora inocente
em tuas perguntas e anseios,
de todas as respostas escondidas.
Caminhas na leveza do firme pensar
enquanto a beleza descansa
os homens doidos por não ter senso
pensam demônios, luxúria
e escapam simplistas por olhares vagos.
E quando andas, no andar sinuoso
sem perceber ou pressentir,
o terremoto que teu corpo causa
os torcicolos que teu andar realiza.

A demissão (Poema/Mini Conto/Continho)

Apenas sei que quando me dei por gente
eu estava no mundo
e já conhecia um bocado de suas manhas.
Enquanto me chamavam de pobre moleque
eu, com a cara estampando toda a tristeza
tirava vantagem dessa necessidade
de apiedarem-se que as pessoas têm.
Que sabia de cinismo? só sabia que
uns olhos marejados, um rosto contraído,
uma máscara de amargura, enfim,
era o suficiente para assegurar-me,
ao menos por alguns dias, mesa farta.
Era um artista! Em dois minutos, no máximo,
lá estava resplandecendo em sorrisos
para mostrar a alva fileira de dentes
que naquela época eu possuía; aliás,
só tinha duas cáries, se tanto... não lembro bem...
O que lembro é da Maria-Pega, oh, se lembro!
e como pegava a Maria. Para mim, novinho
e cheirando a fraldas, como ela dizia,
ela foi a prima-dona verdadeira.
Naquela época só não gostava da chuva,
a cidade se escondia
e eu ficava sem aquilo que era a minha família:
o povo que escorria por entre as ruas
e que me sustentava, sim sustentava,
uma trombadinha aqui, outra acolá
e já estava garantido o "grude".
Especializei-me no ramo e tirei patente,
fiz o teste vocacional na prática
e optei pelo viver o mais possível
sem grandes esforços. Foi um erro
porque, na verdade, fiz muito esforço
para não fazer esforço e acabei cansando.
Um dia fui engavetado, como diziam na época
quando a pessoa ia para a cadeia...
e me tornei doutor! Entrei especialista
em trombadas e saí de lá cheio de solfejos
e teorias novas. Apliquei-as e foi dando certo
até que assaltei, no maior sangue-frio,
um velhote e seu dinheiro me fez muito bem
mas o que ele me disse me marcou, me incomodou.
Ele falou nesse negócio de ser tão jovem
e simultaneamente tão vazio, coisas assim;
o sermão foi longo e o tabefe que dei no velho
expressava, hoje compreendo, um tapa no mundo,
no mundo que eu conhecia. Perguntou-me
sobre o que imaginava a respeito do bem, essa coisas
e aceitou altivamente minha ousadia.
No fundo, no fundo fui eu quem levou aquele tapa
e até hoje acho que o velho se deixou roubar...
por que? sei lá, só sei que daí dois, três
ou quatro anos, não estou certo, encontrei-o
e lhe devolvi seu dinheiro, com juros e tudo.
Mas não foi só esse velho, foi também aquele menino
que me olhando com um misto de inveja e orgulho
disse-me naquela praçã que gostaria de ser como eu...
Ser como eu, essa agora!...
O que realmente sou? acho que nem sou, pensei...
O pequeno marginal que vivia em mim
começou a morrer nessas passagens: o velho,
o menino, o medo da cana, tudo crescia
e tudo me empurrava para outro caminho,
um caminho que não trilhara e nem sonhara,
Banquei a coragem e meti a cara com vontade,
assaltei mais um, com a intenção
de começar nova vida, com outra base
mais sólida do que a primeira quando surgi
para preencher um espaco que,
se existia, nem precisava ser preenchido...
No assalto me dei mal e novamente fui preso...
O Juiz de Menores me repreendeu severamente
e acho que me enviaria para o Reformatório
não fora o que tentei lhe explicar.
Ele deixou-me e, com um pouco de relutância,
acreditou no que eu lhe dizia.
Daí em diante me orientou, se preocupou, me protegeu
me deu a chance e foi um pai para mim.
de minha parte fiz o possível para não decepcioná-lo!

Vejam como, com tal experiência, estou aqui
julgando outros menores, orientando-os,
já fui como eles e sei bem de seus azares
e por mais que me esforce não consigo
empurrá-los para um Reformatório
enquanto não o consigamos mudar
o fazendo instrumento de recuperação real e adjetiva;
real porque objetiva, adjetiva porque com amor.
Lutei, lutamos, mas estou desistindo,
desistindo de julgar por não concordar com o método de hoje
que continua sendo o mesmo de meu tempo.
O Reformatório precisa ser reformado
e não desisto de lutar por tal desiderato,
apenas sinto que materialmente nada posso fazer
e dessa forma chamo a atenção para o problema
com este gesto medido, calculado e, quem sabe, inútil,
um gesto considerado por muitos, possivelmente, tresloucado:
Solicito minha demissão do cargo vitalício
por ser incompatível meu dever
(o de mandá-los para o Reformatório)
com a justiça que creio justa e nobre.
Talvez não possa reformar o mundo, nem o Reformatório
mas tenho convicção, terei colaborado para chegar a tanto.
Adeus, a todos!

Ninguém

Sou um nexo sem causa ou efeito
E recebi as surradas teses filosóficas
Da humanidade, de uma só vez
Como recebera, nem embrião,
A herança genética de meus ascendentes.
Enquanto massa, não tenho face
Nem a perspectiva histórica
Que alimenta a ficção e a realidade;
Enquanto indivíduo não tenho massa suficiente
Para deter o que passa em sentido inverso
Ao meu destino. Não detenho nem a mim mesmo, creio.

As paisagens são sempre as mesmas
Para quem não consegue mudar os olhos
Nem a forma de olhar. Devido a isso,
Materializado no nada encontrei meu tudo
E transpus o impossível. O absurdo é que,
Apesar de reconhecer-me no vácuo,
Respiro o oxigênio da vida
E me alimento dele com a febre dos que creem
E vivo dele com o delírio dos viciados.

Todas as minhas mentiras se fundiram
E criaram essa verdade irreversível para mim:
Eu passo! ... Oxalá, não tenha sido tudo inútil!

Morte natural

Morreu como tanta gente
sem campos de batalha,
sem cama, sem palavras,
no anonimato.

Em troca das flores,
velas ou lágrimas,
comuns diante da morte,
ganhou o aparato policial,
a curiosidade popular
e a manchete do jornal.

Ele que pouco ousara
ter tempo de beijar os seus
beijou o asfalto à cem por hora.

Morreu como tanta gente,
no anonimato,
atropelado pelo progresso.

Reconhecimento

Olha para ti mesma,
o corpo ensina bem mais
do que compêndios ou enciclopédias.
Não fora a conjugação de esforços,
desde as mais simples células
aos mais complicados organismos,
por certo tu não existirias
a vida não existiria
e a comunicação, a convivência,
a descoberta, a participação,
não teriam essa vivência educativa
e eloqüente que teu corpo abriga.
Pior do que ser um nada
é sentir-se como um nada;
na verdade, somos tudo
porque somos a própria vida
e a partir daí, tudo é possível.
Olha para ti mesma... entendes agora?

Ponto e vírgula

Estava na rua
e a frase surrada dita pelo velho amigo
soava aos meus ouvidos antes como advertência
do que consolo; não te preocupes, dissera ele,
se uma porta se fecha, dez se abrirão.
A fixação era que aquela porta fechada
ainda há pouco presente, agora era passado
e as dez referidas sem a precisão matemática
representavam um futuro incerto e não sabido
escondido no mutismo próprio do futuro
todavia encravado em tantas vicissitudes
que rigorosamente escapavam ao meu domínio.
Analisei a situação, poder-se-ia dizer
que me encaminhava às férias tantas vezes negadas
mas não era essa espécie de férias que desejava
e nada mais injusto do que tal descanso.
Não era ponto final, isto eu sabia,
no máximo aquilo representava um ponto inconsequente
interrompendo uma frase quase período.
Era evidente que gostaria de minimizar o fato
dando-lhe a amplidão restrita de um ponto e vírgula.
E lá estava eu, na rua, enfrentando a busca de,
pelo menos conservar o status adquirido,
sabendo de antemão que entre a oferta e a procura
eu poderia oscilar na defasagem do tempo
e me reter demais na indecisão.

As grandes questões econômicas e políticas
continuavam a gastar as energias do meu País
e a minha questão, de mera sobrevivência
gastava a energia do meu e de outros corpos
próximos, além de muita sola de sapatos.
E o mundo repassa em minha retina e percepção
voltadas ao jornal de empregos,
estava na rua como tantos outros
e o ponto e vírgula quase significava
um obstáculo gramático de rara proporção...
E a minha questão se confundia com a questão
maior do meu país subdesenvolvido,
lá estava eu, com mil portas por abrir!...

Cata-vento

Resumia-se o outono no cair de folhas
e em tardes mornas, nada além.
Um dia, fez-se um pé de vento
e me colocou na estrada
e desde aí não parei mais.
Como redemoinho procuro meu epicentro
sem me livrar de tantas voltas
e percorro a vida como se esperando,
a cada instante, a calmaria.
Enquanto o sopro da esperança
empurra-me para a frente
o vento da decepção me estanca,
a brisa da moral me reanima.
Sigo em frente, ou ré, mas sigo
e por vezes tomo o rumo de todos os pontos cardeais
rodando pela cruz, sem destino ou abrigo,
sem encontro ou recado. Indo.
Tento multiplicar o pão sem o trigo
e apenas consigo o milagre de estar vivo
o que, apesar dos pesares, gosto muito
porque o inverno sei ao chegar resumir-se-á
em um fechar de olhos e em tardes frias,
nada além...

Inconsciência

Acorda que a vida aqui fora te chama!
Acorda, de qualquer forma terás o sono eterno e o drama
extingüir-se-á como um sopro de acaso.
Acorda, não te entregues a esse sono que te fará perder a consciência,
entrega-te ao amor que fará perder o ódio e o egoísmo.

Acorda, quero te ver desperta, acesa, desnuda de incógnitas,
descoberta para mim que não tenho o sono que te rouba,
descoberta para mim que não tenho o canto que te ganha,
descoberta para ti que deténs a alegria que me falta.

Acorda, estou esperando e já faz uma vida que espero
e, parece, teu sono é tanto que não te dás conta, enquanto dormes
o sonho mais lindo sou eu quem tenho.

Acorda, eu espero a tanto tempo...

Imaginação

Encontrara sua amada
após buscá-la inutilmente na realidade,
reduzida a uma fotografia antiga
em uma casa de antigüidades.

Aquele rosto fotografado
no alvorecer da arte fotográfica
espelhava a candura, a ingenuidade
que ele sonhara haver existido.

Apaixonado por àquela imagem
sabia que não a veria em carne e osso
mas acreditava que a encontraria
em um canto qualquer do infinito,
lá onde os mortais penetram
apenas com as asas da imaginação.

Um dia, após violenta tempestade
à sua frente fez-se o arco-íris
rapidamente alçou-se à estrada colorida
percorrendo-a em um sopro de vida.

Com a chave que não soube explicar
como viera ter às suas mãos,
abriu a porta do céu e encontrou sua amada.
A fotografia do início de um século
transmudara-se para aqueles braços
que o envolveram em sua paz e amor.

A cidade inteira, enquanto isso,
penalizada comentava que perdera
seu cidadão mais pitoresco:
um bom sujeito, louco e inofensivo
que amava, como se o ato de amar
por si só não fosse uma loucura,
amava uma fotografia!

O direito de estar só

Um dos gêmeos, revoltado resmungava;
o outro, mais humilde, permanecia quieto.
O primeiro estendeu-se comprimindo o outro
e tudo não passava de uma provocação.
Não estavam delimitadas suas áreas
e nem cabia acordo. Ao mais forte, tudo!

Enquanto se dilatava o ventre da mãe
um sugava o alimento, o outro a fome;
um o poder, o outro a servidão;
um a exuberância física, o acinte,
o outro a fraqueza, a humilhação;

E quando vieram ao mundo
ultrapassando o portal do indizível
o esfomeado engoliu o seu ódio,
o opulento engoliu seu orgulho
e mesmo assim conseguiram permanecerem sós.

Abortados, jamais viriam a saber
que repetiram em um ventre de mulher
o drama do ventre do mundo.

Sol posto

E cai a tarde assim
como a zombar de mim
mostrando o que perdi,
suspenso por um triz
o sol morre infeliz
como eu também morri.

E tanto encantamento
da dor, neste momento
registro a olho nu
e a cor da tarde calma
esvai-se como a alma
da tarde que foi tu.

Mas, amanhã é certo
o sol aceso, esperto,
inteiro e renascido
virá banhar de luz
a vida que seduz
a todos os sentidos.

Cá dentro meu sol posto
expulsa para o rosto
a noite em que estou,
nenhum sonho me diz
à frente o dia feliz
da tarde que voltou.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Poesia em preto e branco

Olha teu retrato refletido no vermelho
desses lábios
e a plenitude do mistério na escuridão
desses cabelos
e a alvura do silêncio transitando
nessa pele.

Olha o rumo e o tempo do vislumbre
desses olhos
e o mundo que repassa em rimas
nesses sentidos
levando em si o encantamento
desse corpo.

Olha a luz em contraposição
nesses labirintos
e a lucidez da fronte altaneira
nesse etéreo
formando a mulher no negro e branco
da poesia vida.

À luz dos caminhos nossos

Eu quero sufocar tua boca
em beijos mastigados, tontos
sugar, na carícia louca,
o sol deste reencontro.

Eu quero refazer o dia,
rasgada a loucura tanta,
em céus de estrela guia
no amor que comigo canta
e assim percorrer a vida
à luz dos caminhos nossos!

Eu quero engolir-te inteira
e sendo engolido tudo
fazer do infinito a esteira
do nós sem apelos surdos.

Eu quero explodir sementes
de sonhos em realidade amada
viver nosso presente,
matar esta dor cansada
e assim reviver, querida,
à luz dos caminhos nossos.

Mulher

E assim te vejo e sinto, carne e sonho
na lascívia do infinito chamado agora
e do fundo de teu olhar, toda a vida
e o desejo encontram a recíproca,
revisitados no canto deste despertar.

Tu mulher agora, bem mais que antes,
ao acordar explodindo em meus braços
não mais ouvirás murmúrios ou queixas
de coisas e risos não feitos
nem o lancinante grito de haver passado.

Ao acordar, o corpo dirá, enfim corpo
e o mundo será, enfim vida!
E nos teus lábios e nos teus olhos
a languidez de se saber enfim mulher
e, em mim, o infinito de ser o homem!

Lua cheia

Nem de perto sonhar
mas é noite de lua cheia
e a prata teima em ficar
no espanto da escuridão.

Pende em mim o acalanto que restou
preso em meus braços, entre meus passos
à lua cheia dos teus abraços.

Afago mistérios passeando-os ao léu
em céus que a escuridão desmente,
plenos de luas e estradas curvas
onde, por vezes sóis irrompem diletantes.

Atento, não me visto só de devaneios,
enquanto brilha fora um luar errante,
cá dentro, meu peito esmaga os teus seios.

Inverossímil

Andar entre andares, mudo
sendo a impressão do que se guarda
no fundo, ao buscar-se o tudo
lambuzado de sentir-se um nada.

E se viver nisso, no milagre
da alternância do incontrastável
explodindo a cheia que consagre
o impossível e o improvável.

E continuar entre os absurdos
(surdo a apelos, entre outros surdos)
colado ao pêndulo das horas
chegando e tendo de se ir embora.

Do paradoxo, na banalidade
do ser-não-ser desta eternidade
viver o agora é o grande prêmio
da loteria do passar efêmero.

E a música segue, algo diluída
entre harmônica e dissonante
nos infinitos presos aos instantes
indefinidos que chamamos vida.

Títeres

Antes, embala os rumos do agora
pela destreza dos ventos
e não te envergonhes de ser criança
eis que é duro deixar de sê-lo
e nada se acrescenta quando,
exceto que tudo se perde.
Não me julgues pior do que sou,
nem envenenes meu pecado
com o mal que não tenho.
As questões se bifurcam
desdobrando estradas e vias
sequer sonhadas ou queridas,
levando-nos aos mistérios
de amanhãs insuspeitados
e a presença do inusitado
determina, no bailado da vida,
a extensão do palco medido
nos milímetros da corda bamba.

Logo ali ... o inferno!

Eu não sei

Eu não sei se pensa em mim,
mas eu em você penso sim.
Eu não sei se sonha comigo
mas eu muito sonho consigo.
A flor nasce à vida? à morte?
O homem tem ou faz sua sorte?
Eu não sei e nem compreendo
a dor que sempre vou tendo.
Eu não sei, confesso não sei
se foi o bem ou o mal que dei,
se tudo o que tinha a dar
eu consegui ou não realizar.

Quem não sentiu no amor
um gosto amargo de dor?
Quem nesta vida que passa
não conheceu a desgraça?
Quem não deixou na esperança
um sonho sonhado em criança?
Eu não sei se existe a saudade,
se a vida em si é bondade.
Eu não sei se vivo ou se morro.
Eu não sei se páro ou corro.
Eu não sei se sou o que sou.
Eu não sei se fico ou se vou.
Estou perdido na vida, no nada,
não encontro saída ou entrada,
até o vento me consegue levar
e não sei onde e quando parar.

Eu não sei se sou Deus ou sou pó
Eu só sei que me sinto táo só.

Lume

Não tenho medo de morrer!
Tenho medo de não viver!
Eis o pecado que não quero
na ânsia do ser e do que espero
deixar escorrer entre os meus dedos
o agora desta vida que vai cedo!

Viver e estar vivo são diferentes
sem ser conflitantes:
Estar vivo é significativo!
Viver é significante!

Pingos de céu

Chovia.
A chuva açoitava,
com grossos pingos,
a vidraça da janela.
Um pingo
correu celeremente
em toda a extensão
do vidro frio ...
Perdeu-se no anonimato.
Outro pingo
recebeu companhia,
cintilou, reviveu
provou que, ainda,
dois é mais que um.

Tantos pingos,
alguns sós
outros acompanhados,
descendo açodados
a vidraça impessoal
para reunirem-se
na esquadria,
para perderem
a forma,
a individualidade
em holocausto ao todo,
ao infinito.

A humanidade é pingo
na vidraça do mundo.
A vida é a janela
para a eternidade.
Quantos pingos
correm celeremente
e se perdem
no anonimato?
Pingos desiguais
no formato
mas, no fundo
igualados
pela procedência,
todos irmãos da razão.
Pingos sós
e acompanhados
marchando
na lividez do tempo.

E, após percorrida
a vidraça impessoal,
chegar à esquadria
não importará o porte
e sim a substância
sem ânsia, na morte
da matéria
o nascer para a vida
que é o destino,
uma célula apenas,
do Universo divino.

Acidente

Um carro em alta
na rua baixa
canta pneu ...

Um baque surdo
bradou bem alto
o que ocorreu ...

Um corpo rola
como uma bola
cheia de adeus ...

E o carro em alta
na rua baixa
sangra pneu ...

Diálogo

"- Cada passo é um passo
rumo ao tudo ou ao nada;
cada finta é uma deixa
de todas as queixas
ou de contos de fada;
cada gesto um abraço
ou um triste rechaço
de alguém em alguém;
cada seio é um regaço
de quem vai ou quem vem."

"- O que sabes da origem dos mundos?
do como, do porquê do profundo
filosofar que te envolve e tantas vezes te cala?
Anda, brinda com tua fala, desenvolves o brilho
no ouvinte zeloso que embora orgulhoso
de ver o filho com tantas opiniões,
sem querer uma polêmica lembra-lhe
que há situações em que a lógica acadêmica
com aparente razão não nos deixa sentir
importantes mensagens vindas de nossos corações.

Por isso pergunto o que sabes de tua própria origem?
Que sabes dessa coisa gozada, engraçada, indolor
para alguns e tão complicada chamada Amor?"

"- Pai o amor é ..."

"- Não, não tentes defini-lo porque de um mortal
Ele não merece uma definição; tente senti-lo,
apenas senti-lo, é nossa mais humana ação;
talvez não descubras a origem dos mundos,
mas descobrirás tua própria origem
e analisando mais fundo verás que o nada
só existe onde falta o Amor!"

"- Puxa, pai, o filósofo era eu assim eu pensava,
mas você ..."

"- Sei disso filho, mas vê um filósofo sem amor
é uma casa sem vida, é a noite de um dia.
Para que não seja vã tua filosofia,
não seja pagã, nem noite de um dia,
meu filho, jamais esqueça:
some o coração à cabeça!"

"- Obrigado, meu Velho,
cada passo é um passo rumo ao tudo,
cada finta é uma deixa de todas as queixas,
cada gesto, um abraço de alguém em alguém,
cada seio um regaço de quem vem e não vai!".

Diretriz

Quebra a estrutura do não
e repete o prodígio do som
nos lábios de tua aurora.

Não te prendas no ontem
eis que teu amanhã é
e o vento acaricia teus passos.

E o rumo é o sempre!

Basta de improvisos e improvisar-te
sendo antes o que não és,
depois o que não foste.

Identifica-te no rimar dos sonhos
e na busca da realidade
sendo hoje o que mereces.

Quebra a estrutura do não
e repete o prodígio do sempre!

Do ponto de vista do criminoso ocasional

Sinto o peso do mundo sobre mim,
pesa-me uma vida mais que a morte.
Tudo se conjugou para o resultado
que extingüiu o sonho, extripou a força
e, sem ânimo, prostou a realidade.
Vertiginosamente ruiu a fé, o poder
e me vi impotente diante de um corpo.
Só e fraco, vazio e torpe, vi meu ego
retratado em tantos monstros.

Instrumento, causa ou conseqüência,
não importa, fui cada uma das coisas
ou adjetivos, todas elas, tudo.

Interrompi uma trajetória, uma luz
que não era a minha e, mesmo que fosse,
não tinha tal direito. A partir daí
fez-se tarde, falta, fardo e medo
fez-se ausência de quem nunca tive.
Fui o epílogo inesperado e algoz
inserindo em meu próprio livro
o amargo capítulo de minha culpa
e a certeza triste de não haver desculpa.

Continuarei a caminhada, a dois,
levando minha vítima comigo,
eu também vítima do meu passado.

Rota

Estrela cadente
que engana o viajante
que busca no céu
os caminhos da terra,
os caminhos da vida,
os caminhos da luta,
os caminhos da sorte,
estrela caída
de uma quimera.

Estrela cadente,
ideal de ventura
que vi e vivi
em dois olhos morenos ...

Lenda da geada

Na noite tão linda
Vestida de prata
Caiu o orvalho em forma de pranto
E toda de branco minha pampa adornou
E a noite de prata mais prata ficou.

Piazito eu era vovô desvendava
Os mistérios do mundo p'ro neto guri
De todos os contos o mais lindo que ouvi
Dizia que a geada era um choro gelado
De um qüera que há muito tempo atrás
Foi tropear o Cruzeiro do Sul.

E apesar da beleza do campo celeste
Do fulgor, da magia de sua tropilha
Por vezes retorna em sua retina
A imagem saudosa do pago terrestre

E quando ele chora o rebanho acompanha
De tanta tristeza que a tudo resfria
Parando o minuano na noite que é dia ...

E quando geava, vovô repetia
O qüera de novo da pampa lembrou
e a paz do seu pranto a pampa abraçou...

O minuano murmura no ventre da terra
Enquanto ele chora a saudade incontida
Cantigas de inverno, história que encerra
A alma gaúcha no cíclo da vida.

De óculos escuros

Hoje, estou a olhar o mundo de óculos escuros
e vejo tudo cinza...
Desanimo ante a perspectiva de enfrentar meu dia
e a natureza contribui para esse desânio,
está quente, grave, abafado.
Apesar disso tenho de fazer o que faço sempre
agir no mesmo diapasão
e dedilhar o conhecidissimo teclado
da velha máquina de escrever,
cair na mesma rotina cheirando a mofo.

Quando menino colori meus óculos de cor-de-rosa,
depois várias cores alternaram-se nas lentes
exceto a rosa que, agora sei, não mais virá.
Ao verde da adolescência sucederam o vermelho,
o amarelo, o lilás e este cinza que me cerca
e me força a usá-lo cada vez mais
mantendo-o, possivelmente como símbolo
do azedume recolhido ao interior de meu ego
durante minha própria campanha na vida.

Espero que minha decadência física,
amanhã, seja minha ascendência moral
e possa cobrir de branco o contúedo inócuo
trazido nas lentes da reminiscência.

Por enquanto e pelo menos, hoje,
estou olhando o mundo de óculos escuros
e posso afirmar, com toda a certeza,
não há beleza no que vejo!

Mutante

Sou tão velho quanto o tempo
e tão novo quanto a eternidade.
Não sou a medida cronológica
que querem me atribuir;
não me divido em partes
sou um todo! E com essa responsabilidade
a cada instante me renovo,
me transformo em mais eu mesmo.

A todo instante me submeto
ao teste de viver; renasco
em cada esperança, após morrer
em cada decepção; com isto,
sou velho e moço, simultaneamente
e misturo minha finitude
com o infinito de minha própria extensão.
Eu!

Andorinha

Eu fui um súdito
de sua beleza,
eu fui certeza
de seu amor
e caminhei
sob a leveza
sem ter tristezas
por seu amor.

Hoje, aceito
dentro do peito
esta saudade
e a solidão,
qual andorinha
você partiu
p'rá ser rainha
n'outro verão.

Forças

Arrombaram sua intimidade
e retiraram o hímen de sua fé e força.
Desnaturada manhã em que o sol não veio
e o sonho trombou com a realidade.

Estava ali, tresloucada, deteriorada,
como gente sem adjetivos, fria e chuvosa ...
Conhecera a fome material, imaterial,
a fome de tudo. Era carente de si mesma.

Aquela água passava sob a ponte,
quisera ser ponte mas se confundiu tanto
com águas passadas... as esperadas nunca vieram.

O rio a chamava, a vida lhe fugia
em meio a ficção que revestira sua brisa.
Agora tudo era iminente e sujo e fraco ...

A cabeça, o pensamento, a empurravam:
Passa da ponte à água e tudo será passado,
molha o corpo apaga a idéia. Descansa, enfim!

O mundo passando pela ponte, apressado, problematizado,
se enfrentando, dilapidado, indo.
O corpo inerte, fraco, ali permanecia quieto,
cabeça e pensamento revoando sobre as águas
que, mansas, pareciam dizer "Vem! ... Vem!" ...

De repente, dentro de si o chamado à vida, à luz.
Passado o êxtase do desencanto, atrelou-se ao sol,
lá adiante a vida continuava distante e alegre,
triste e presente. Rindo. Chorando. Vida!

Ponte e estrada aceitou o convite
e se perdeu na multidão.
A fé se revigorara na dor solitária e aguda do desespero!

No espelho

Tu que me falas desse modo
com a autoridade da aparência
e, na essência, te manténs indiferente
nesta estampa que deténs: Nada és!
E me informas: Nada sou também!

Do espelho, essa imagem me provoca
e desloca à estampa envelhecida,
os pesares que os anos a cercaram.

E assim, muda, falas e me espantas
dançando impune na frieza do aço
escancarando essências transparentes.

Tu, oposto e aparente, percorres o fio
da existência que passa ao largo
em vicissitudes que os fulcros mostram.

Tu em mudança, o eu que está agora,
o eu chegado do que tu demonstras,
aparentemente, em verdade, aparentemente...

Desilusão

Eu o forte.
Nada vendo em teus olhos,
vi além, o reflexo dos meus.
E me enganei!

O espelho assim me trouxe
ilusão e o irreal.

E sózinho amei,
inventei
e arrebentei de nada.
Eu o forte. Eu meu nada!

Enquanto me amas

Enquanto me amas
eu sou a essência e a substância
do sonho.

Enquanto me amas
a saudade fica de fora
e o vazio se ausenta.

Só tu existes. Só tu és mundo.
Eu vivo o doce de teu beijo
e o linguajar sublime
do teu corpo.

Enquanto me amas
eu sou o amor
e nós, o infinito!

Bolinha de Vidro

Novinha, a bolinha de vidro era usada alegre,
Batida, estalada, entre as bolinhas
Companheiras ou inimigas
Das mãos do menino às mãos do acaso era jogada
De tanto usada, de tanto batida, acabou lascada,
Jogada, esquecida, na lata do lixo.
Da lata do lixo para o lixo da terra
E lá se vai o tempo, não se vai a espera.

Enfim, chega um dia, improvisado
No menino usado que revolve o lixo
Buscando o alimento, o brinquedo, o quem sabe
E descobre a bolinha de vidro lascada e sua.

Usada de novo, batida estalada,
Lá vai a bolinha , nas mãos do menino,
Feliz o menino, nas mãos a bolinha
Que se refazia no cíclo da história.

E o cíclo se fecha. A bolinha de vidro
fragmenta-se e pronto, mas não perde o encanto:
Reflete colorido o sol
Que, atrevido, a possui sobre o lixo.

ELIPSES

E assim a força centrífuga me atinge e o mundo roda
E a roda sou eu...Em nada sei e penso.

Embora o receio e a curva,
Sigo empurrado e sacudido por sonhos
E o sonho sou...Em tudo sei, o escuro...

E o remoinho dos passantes e certezas
Aderem-se ao menino
E o menino sou, de espirais incertos.

E perplexo, consigo o nada e o tudo
Inventando a vida
E a vida sou, desfolhando cinzas.

E rodo à curva, o tempo corre
E movo o novo do infinito hoje
E o hoje sou, em amanhãs que tenho...

E o mundo meu se chama enigma
E rasga o antes e o depois
E o antes e o depois sou, em mim o espaço
Como tempero de todos os meus tempos
Que este tempo urde
A curva próxima espera-me em seu todo
De recriar mistérios ao menino moço...

MONÓLOGO

Neste jeito de conversa
Bota a tristeza na mesa,
Não reduz o teu talento
E dispara teus momentos.
Solta a língua com vontade
Contrariando este recato
Que manténs por conveniência
Diante da auto censura
E te afasta da mesura
Que te envolve como ciência
Levando o teu evento
Ser apenas marco chato
De um mesmo cotidiano
Que repete este teu dia
Transformado em teus anos
Tudo igual sem consequência.

Neste jeito de conversa
Bota a saudade no bolso,
A estrada em tua mão,
O teu eu em teu retrato
E te despe e te refaz
Sem ser tema nem parágrafo,
Fala o quanto tu quiseres
De escutar estás morrendo...

Fala que eu estou te escutando
E não sou a tua consciência
E não sou o teu passado
E não sou o teu momento
E não sou o teu não sei...

Fala que eu sou o vento
Sou tão forte e tão vazio,
Sou o céu que nada escuta
Sou a estrela que iludiu...
Quem afirma que caiu...
Sou a cama que te abraça
Sou o sono que te envolve
Sou a lágrima que é graça
Que ao riso te descobre.

Bota a tristeza na mesa,
A esperança em teu rosto
E sorri para o teu jeito,
Para o jeito do teu mundo
E compreenderás que o tudo
Não existe sem o nada!

Fala tudo que te escuto,
Sou a tua alvorada
Que escapou de tua noite
E vem brincar em teu dia,
Na magia do vermelho
Desses olhos ora inchados
Pela chuva do passado.
Neste jeito de conversa
Manda a tristeza à mesa
E teu tempo será o outro
Fala tudo que quiseres,
Solta a mágoa para o mundo
E teu tempo será outro...