sábado, 14 de março de 2015

JOGOS


Tudo isso, hipóteses, quer dizer que temos um pouco menos desse muito mais, 
ou, para sermos heterodoxos e verdadeiros, um pouco mais desse muito menos!
E ao pensar ser mero jogo de palavras, sem hesitar diremos ser menos letais
que os sombrios e exatos jogos dos números e estatísticas,frios e impessoais
(que no afã de mostrar tudo abraçam o nada). Aqueles menos, aquecem mais.

Olhar o que contemplamos, contemplar o que olhamos, eis a diferença
(que parece não valer uma vírgula) maior, profunda, mística e intensa,
mais infinita que as entrelinhas escritas nas estrelas e nos buracos necrosados.
O hoje não estanca a fantasia, o sonho, ao contrário, os realimenta, os reanima
e disso virá o amanhã, ainda que travestido da palidez de corpos saciados.

Adiante, brilhante soma de trevas e luzes, dará o rumo desse voo cego, n’outro plano, tempo e templo que a fé ensina e determina... Eterna é e assim será a vida
convém reconhecer, vivemos e morremos sem alternativa, ao rimar da sorte

n’um pouco do teu eu, n’um muito do meu ego... Eterna também é e será a morte!

ESOTÉRICO


Corta o espaço da boca da noite o riso nervoso de bruxas e duendes,
assustador, febril, estridente bate nos ouvidos da gente como açoite
e pior, bem pior, jorra a adrenalina no fluxo sangüíneo, gelatinando artérias
do cenho franzido à boca tão séria, os poros explodem em medo de esquinas.
E tudo se passa n’um pavor crescente que a lua reflete e esconde, demente,
dragão e São Jorge em luta mortal - Quem venceu, quem vencerá? -
Nas mãos, o destino - passado, futuro, presente - As cartas não mentem...
Astros comandam os homens, o mítico adorna a corola da estrada.
e o terror está no ontem que passou e não volta.
O hoje e o futuro (que nem sempre chega), vestidos de mel ou de sal,
são páginas que pairam solertes entre os mortais, vindas do antes...
... Flertes do agora, para o nunca mais...

EQUAÇÕES


Sim, todos os mistérios podem ser desvendados ainda que em séculos.
Solucioná-los, eis o desiderato dos homens - do prático, ao sonhador -
Não venham, entanto, pintar quadros sem os matizes da magia, do mítico
(do que solução depende para parir novos mistérios).
Somos a soma e divisão de tempos idos e dos tempos que virão,
também dos próprios mistérios dessa graça atemporal chamada vida;
ela, como o próprio tempo e todos os mistérios, cabe inteira
na figura pura e curva de todas as circunferências onde o tudo e o nada
convivem, se entrelaçam e passam e passam e tornam a passar eternamente... De perto, na primeira fila deste espetáculo, mudo e zerado,
o destino de cada um aplaude e se realiza travestido de incógnitas...


SOMBRAS



Espeto nas sombras do avarandado de uma casa esquecida
um filme em preto em branco. Vida, minha vida!
Ali adiante, parece, o campo é menos cinza, quase verde
sublimado de um tempo de vir ou ser, de esquecer-te!
A pálida noite se dissipa na penumbra do nada ter,
na reminiscência dolorosa, fria, ah, e sem prazer.
A terra como espelho de meus olhos explode úmida,
gotas de orvalhos esculpem, à punhaladas túrgidas,
o meu jamais na geada dos atalhos...

Repete-se a cena à sombra, maior, espanta e se repete
o filme, preto e branco, vida, minha vida, marionete.
O vento povoa o nada do antes, repassa o que me esmaga.
Cai o pano, a alma adormece e, parece, esquece!...
N’algum lugar do sempre a cena se apaga...

CONCLUSÃO



Consoante o escopo desse atual contexto
de nada valem agora, minhas alegorias
nem o sinalizar de um novo texto,
nem luz dissipada de inexistente dia.

Não há culpados pelo quanto noto,
talvez nem saibas o que procuras,
contaminamos as águas deste copo,
gotas de estupidez mataram a ternura.

De nada valeram nossas descobertas
e a intolerância indicando a sorte
matou o ontem, fez-se porta aberta
para o até sempre de nossas mortes.

Leva contigo, ao menos por esporte
os bons momentos e, na hora certa,
quando teus passos encontrar teu norte
saudade minha, então, em ti desperta...

CONDIÇÃO HUMANA


Luz, luar, brinquedo, rua
continua a prece desta noite tenra
e lá se vão arestas, frestas, prendas,
quedando impunes ao raptar ternuras.
Ah, vaga-lumes destas claras asas
que enternecem escuros esvoaçando nuas
nas cordilheiras puras de tuas encruzilhadas.

Raios perdidos, mal nascidos,
nos sonhos pálidos do nunca vem
do trem do dia, aguçam mistérios
na noite plácida que avança invernos
resfriando tudo em gélido abraço
de desvalido cansaço, cálido...
No horizonte, buscando espaço,
aponta à barra tênue, uma luz difusa,
que, n’um crescendo partejar de musas,
inunda a terra com a vez do dia.

Assim é a vida, assim o é, repetia,
o velho mestre ao discípulo atento
sem preconizar ou refletir lamentos,
são vários ciclos dentro de um, apenas
Do mel das graças ao sal das penas
há que vivê-los, noites, dias e alvoradas,
pois cada passo nessa caminhada,
ao rumo frágil que ao longe some,
deixa pegadas, forma o universo
e o merecer à condição de homem...

CINZAS

Nos confins desse desate, calmaria, desempate, para a nau no quanto baste.
É chegado o entardecer...
Luz de vela, tremulante, já não há seguir adiante, nem retorno ou pode ser.
Falsa calma reprimida toma conta, entorpece, fecha os olhos, faz-se prece,
n’uma dor quase suicida... Esquecer, prostrar-se em nada,
não existem madrugadas, nem há mais alvorecer...
A contagem regressiva atropela o recomeço neste ser que se completa
pelo avesso dos sonhos, metáforas e limo das metas, por onde derrapa a vida...
Como enfim, disse o poeta, se há um barco ancorado nas águas do improviso,

navegá-lo é preciso, desde o sempre até o fim...

CÁLICE


O que olhos e mãos invisíveis da alma viram, tocaram, sentiram
não está ou cabe em enciclopédias, nem pode a história marcar a palma.
Nem tudo foi ou está escrito; existem comédias, tragédias, crises,
ilusões e passagens de infinito, nesses desvãos do ontem e do agora
que teimam passar como que por fora de sua dimensão real e absoluta.
Adiante o nada a tudo espreita - e desse nada se refaz a luta -
E desse nada, a oração refeita...
Passam entre guerras, vitórias e derrotas, diversas rotas do passar efêmero
perseguindo luas, desdobrando espelhos, nos insondáveis fundos desse medo.
Há que se ver além das reticências, mesmo ao galope desse desenlace,
porque do alçapão das consciências escapam sulcos que povoam faces...
E na agonia da dimensão transitada a vez do tempo é sempre a estrada
íngreme, curva, escassa, torta, presa aos desígnios de inexcedível força...

LÂMINA


Um longo punhal de lâmina afiada,        
ares soturnos,                                          
corta a garganta de uma alvorada,          
desatando raios, explodindo almas...      
E do noturno ido, sem palmas,               

restou esquecido o confete de lágrima.  

Apesar disso, eis que surge o dia
parindo ilusões na manhã que chega
reciclando águas que ficam presas
à umbelical febre dos que odeiam.
E os teus olhos, de minha elegia
ironicamente consagram toda agonia!...

PERDIÇÃO


Assim indicam os tormentos n’uns goles, vai-se o afago
a tempestade é eterna n’águas que a poeira enxugou.
E se há luz no firmamento, pueril indago o que sou...
Não cabe em tua lanterna. no labirinto das horas,
as pilhas nesse desplante golpeado pelo fugidio agora,
que pouco sabe do antes que nunca foi, nem passou...
menos sabe sobre a guerra, buraco negro, quem pudera,
que mistura sangue à terra...

E sem luz neste ainda triste
que me arranha a garganta temporal que em mim ficou,
em meus gestos, medos, fobias, desde quando tu partiste,
em fantasias que trago para aguentar minha espera...


VINHETAS

    
Passam ao largo, vinhetas
Que se encontram no infinito
N’um concreto apressado
Nelas o infinito meu
E no meio fio da sarjeta
Descobre o nós com o seu
Navalhas cortam passados.
Despido de qualquer mito...
Nem tudo é o que parece
Sai, chega, vai, volta
O direito do anzol é torto
Pelas trilhas desbotadas
Perder a vida é estar morto
Expandindo nas estradas
E na morte a gente esquece...
Um quê de natureza morta
Os trilhos são paralelos
Que se acende e revigora
Com começo, meio e fim
No sim d’alma rejuvenescida
Em verdade, são assim
Pelo sopro que produz a vida
Com a aparência daquelas
Pelo vigor d’uma nova aurora!


quinta-feira, 5 de março de 2015

LUA

Na natureza quieta,
uma manhã desperta
esmaecida e fria,
partejando o dia.

Tenta proteger o corpo
-do frio que não sofro-
pobre mulher de rua
conhecida por “Lua”!

Essa mulher -quem sabe-
vivida, de tantas fases,
pintou mil céus em quase
bem e de mal me quer...

Foi muito linda quando nova
e dessa beleza retém provas
na face, no olhar esquivo
quiçá brilhante, quiçá ativo.

À herança, como horizonte,
expõem uma lua sob a ponte,
fantasmagórica volta do ontem
na derradeira fase minguante.

DUALIDADE


Sei que vais dizer: “tem nada a ver, o que ocorreu é banal, pode esquecer”,
não é assim, p’rá mim (e nem será), o que passou, não passará...
Fui todo presa, ceguei de luz, feliz (até por crer que eras feliz, sei lá...).

Agora que dizes, passou p’rá ti e passará p’rá mim (tem nada a ver),
banalidades p’rá esquecer, vejo que fui nem aprendiz de feiticeiro, me iludi
querendo eterno e verdadeiro o céu que nunca esteve em ti...

Eu que o criei tenho de agora, não importa como ou em que hora,
apagá-lo na senda última do coração... Desilusão, tudo escurece...

E o que foi ou pensei ser... Esquece!... Esquece!...

terça-feira, 3 de março de 2015

CEGUEIRA


Não deixa de ser uma questão relevante diante da retórica repressiva
este andar/rodar/girar maluco, desses calcanhares
que pisoteiam e machucam o passar incólume.
E nem adianta o repisar, como o acende/apaga dos vaga-lumes,
desse seguir o verde e o espiral das horas que chegam com pressa
e depressa se vão embora, contaminadas à loucura de um ficar efêmero.
Os homens enfermos do que odeiam não se dão conta e mais se afligem
que o imenso peso do quanto fazem é o infinitesimal do quanto dizem,
sendo o maior de seus defeitos, a tentativa de combater os efeitos
e não as causas que, vãs e perenemente, tantos os oprimem.
Mais que isso, cegos se entrechocam (moscas tontas dançando o repetido,
enfadonho, sinistro, triste, solitário e algoz exercício do egoísmo)
sem se darem conta que importante é viver muito além do se sentir vivo,
não apenas para si, muito mais para os outros na alegria do pão dividido...
Enquanto isso, a Natureza vilipendiada e agredida grita, indica e explode
partejando vidas e, além disso, ensinando que viver o nós ainda se pode...

CIRANDADO


Guardei na bainha a adaga... àquela, ainda suja do sangue da vaca amarela:
Quem mandou fazer aquilo, um dilúvio na panela, mil quilos da amarela?
Perdi mais de mil rodas, sem perder rodas cutia,se p’rá alguns saiu de moda
Quero, só para as gurias, cantar verso pé-quebrado, de maçãs e melancias...
Quem mandou rodar o tempo esquecido da titia, perder noites, perder dias,
perder sopros, alquimias? Foi Jó que teve escravos, rosa, cravo, cachimbó!
A ciranda que foi “inha”, cirandou e fez passar, volta e meia, meia volta,
quem mais deu?.. quem mais vai dar?... os guerreiros da vovó?
Quem mandou perder os dedos pelo vidro do anel?
Quem mandou perder-se em medos e ser o bobo do quartel?...
Sou pobre, pobre, pobre, lá da ponte do Ibicui, passam ricos, os nobres, todos passam por ali... Tu também passa em mim pela ponte do Ibicui,,,
De marré, marré, deci *, pedir filha em casamento é negado ainda assim...
Quem mandou negar a fé se a riqueza está no sim? Oferecer ouro e prata
Até sangue de barata, sem conseguir ir até o fim
destes passa-passarás em que se quer passar, ficando com o que não vinha
de um futuro que estava além de lá, em amanhãs que a gente tinha...
- Quem mandou trancar porteiras às escoriações vividas?
Quem mandou fechar fronteiras sem curar todas as feridas?...
Por isso dona vida entrei dentro dessa roda rodando espirais de nada,
sem dizer frases bonitas, sem saber quando e quanto era a entrada...
Quem mandou viver saudades da infância que era tão minha?
O tempo não tem idade ou instância que eu nem sonhava que tinha...
E as brincadeiras antigas, de roda, prazer, cantigas, repassadas em folhetim
enquanto um inocente sorriso volta inteirinho p’rá mim...


*(Marais, bairro pobre de Paris, França; o de marré, marré, deci, da brincadeira é corruptela da expressão “marais je sui”, cuja tradução literal para o português é “de Marais eu sou”).