quarta-feira, 17 de agosto de 2016

SEM MARGARIDAS


Por onde andam as margaridas?
Despetaladas? Descoradas? Sem incenso?
O que foi feito de suas vidas?
Animadas? Incensadas de sonho imenso?
Por onde andam? No que se resume
O feito ou desfeito, a respeito?
Qual o destino de seus perfumes,
Do meu ciúme em meu peito?

O jardim em que florescemos
Jaz em deserto, esturricado,
Vivo de urzes, sem as raízes
Do que plantamos, já esquecemos
Desse antes agora revisitado
Pelas lembranças, dias felizes.

Por onde andam as margaridas
Que se perderam, muito distante,
Da nascente de seu rio
Bem-mal-me-quer, jogo da vida,
Descolado desses instantes
Que preenchem o meu vazio...

Não há mais o que pensar, esperar
Nem mais, nem menos, é a hora, agora

Eu e tu fomos dois, sem depois...

CONVEXO


Nos desvãos do cotidiano
Revigora-se o simples, o puro
Sem qualquer alarde
No acaso prenhe de ocasos e enganos,
De acertos, sóis e muros
E destrói o que já se vai tarde.
A pressa expressa dos anos,
Forças dos vícios, o futuro,
Navalhas do mal e da bondade
São fogos de jogos que se abrem.
O cedo cede vez à passagem
Ao que se esmera na tela
Do frio e quente dessa cela
Espremida na densa voltagem
Deste retalho chamado saudade...
E o resto como sempre é mistério
Exceto por este agora, revelado,
No gozo e fruição do etéreo
Que sublima todos os pecados...

SÓ OS FORTES SOBREVIVEM

Ainda que agora te entendas um nada
- Não é o que parece-
Levanta-te da calçada, cresce,
Ergue-te, levanta a cabeça
Por menos que mereças
És o hoje para muita gente,
És por isso muito mais, presente
Que o futuro espera logo em frente.
Faça de ti o melhor que possas
Não te deixes cair nas coisas tortas
Em algum lugar alguém de ti precisa
Não te amofines e nem desanimes
A luta é de todos, de alguns a covardia
A vitória será tua, chegado o dia.

N'UM QUASE FIM DE ROTA


O sol desaparece em meio à névoa escura
Que desce em mim fazendo-me um anoitecer...
As lembranças não são claras, são esparsas,
São confetes, picotadas, puras, são farsas
Dos fatos que consagram esse meu jamais ser
Nas entranhas desse ontem que não passa.
Já nem sei se realmente foste a oitava
Maravilha do meu mundo, a estrela-d'alva,
Ou te revelaste assim pelo viés da estrada
Como estrela cadente no céu de minha alma.
No fulgor do tudo ido, no desvão da jornada
Bem assim fui e sou finito como vagido efêmero,
Prenhe do desejo de ficar escondido, enfermo
Desse infinito ventre dos sonhos perdidos!
Mais criança do que muito mais fui, antes,
Apego-me às causas perdidas deste mar adiante.
E, nas marés, altas e baixas, que me pressinto
Renasce em mim, n’algum lugar esquecido,
A esperança qu'inda viceja em meus labirintos!

ENTERNECIMENTO


Como quem olha, enternecido,
Uma criança dormindo, sorrindo,
O pueril da inocência dos que tem fé...
Assim quis te olhar, riso franco,
Da cor do espanto, do que se era ou é
E, mesmo sabendo que sem palavras
Dissemo-nos adeus, cena fútil dos dois,
Que nada voltará, nem foi e nem será
Guardo em mim aquele olhar, sem depois...

AREIA MOVEDIÇA

Após tantos dribles, na sorte, no cansaço,
De repente faltou apoio ao meu pé direito
Ainda assim sustentei-me, aos pedaços,
Sem chão, sem mais espaços, sem mais jeito.
Finalmente sucumbi ao abraço da derrota,
Terror do agora vindo do terror do adiante.
E o tempo me tragou, feito areia movediça
Marcando a minha pele, tatuando minha alma
Do inócuo de me saber nada, me saber tarde,
Queimado de sonhos e alquebradas vísceras!
Nem se move o tanto quanto desse durante,
Nem se agitam na febre de baldadas liças,
Num tudo ou num nada que se faz distante.
O que era não faz conta no que é ou mais,
A amargura vence a esperança que se vive
Na esturricada agonia do sempre e do jamais
Escorregada da crença que em mim sobrevive
Pela sentença desse canto antigo do meu ser:
“Ah, se bem me lembro, jamais poderás ter
O que ao mesmo tempo sempre e só eu tive”.