quinta-feira, 28 de maio de 2020

CHEIRINHO


Consoante o escopo destes versos
sob o domínio do medo e calafrios,
sigo-me sangas, lagos, um quase rio
no desafio de me saber disperso,

aquém.
Vida, amor, melhor perder brincando
do que vencer chorando
ninguém!

Porém,
há um cheirinho de queres me dar
num beijo,
em teu derredor, todo lugar, no ar!
Desejo

em mim.
Teus escritos soam palavras ternas
nas muitas horas de espera
sem fim!

Lascivo,
sinto, pressinto, quero
para mim teu cheirinho inteiro,
vivo,
aroma e perfume que espero!

terça-feira, 26 de maio de 2020

DA COR DO MEL


Olhos da cor do mel de camoatim, (*)
Claros de luz dourada, abrasivos
Como tua pele que ficou em mim
Perenemente tatuada em meus braços
Como a saudade, que me faz cativo
Da falta que me faz o teu regaço.

Sei que foi o destino, sem culpados,
Que nos colocou entre o certo e o errado
Brincando em jogos e amanhãs incertos
Para, logo adiante, nos fazer promessa
Do que seria e não foi, tudo às avessas,
Oásis, no que não era e se tornou deserto.

Tudo foi passando ao rimar dos ventos,
Em quase tudo tempestade ao quase sol
Do nunca, luz furtada dos renascimentos
E despedidas de cada um etéreo arrebol.
Assim vivemos joguetes do azar, da sorte,
Vives em mim até que me beije a morte.

(*) Camoatim, s.m. (entomologia)(bras.), Espécie de abelha melífera...
(Dic. Ilustrado da Língua Portuguesa, Ed. Globo, 1953).

segunda-feira, 25 de maio de 2020

VIRA-LATA


Vira-lata da vida, ao desamparo
Criado solto, sem dono ou preparo
Um real e desvalido Huckleberry Finn (*)
De todos tormentos da aflição sem fim.
Nasceu pobre, cresceu pobre, de tudo
Exceto da Graça de Deus que, Mudo,
O manteve milagre de vida sem trave
Com fome, sim, mas sem doença grave.

Na torturante trajetória solo
Pouco ou nada sabe de mãe ou colo
E menos ainda sobre lar ou teto.
Sofrendo intempéries no deserto
E amarga incógnita em seu dia a dia
De aventuras que a desventura esfria.
No oscilante rumo da trajetória
É o caos a bússola dessa história.

O tesouro pode estar naquela esquina
Que se faz encontro, que se faz rima,
Que se debruça por sobre a calçada
Na lata de lixo não visitada,
No fundo de um baú que ninguém tem,
Aqui, acolá, pouco mais do que além,
Fazendo casa nos sonhos, por onde
Se colore a vida de esconde-escondes.

Enquanto passa da cancela ao pátio
Sem pedir licença, um tanto errático
Na dança das sombras ao clarão da lua
Revisa o alforje preenchido nas ruas
Nele encontrando a sua própria janta
Que neste agora é o regozijo à "pança".
Após, se recolhe no esconderijo de palha
Aquecido pelo calor que o galpão espalha.

Não pediu ou queria isso, era o que tinha
Amanhã quem sabe, ao dia, sua fada madrinha
A varinha mágica, algo assim de abracadabra,
Fará com que o céu seja a porta que se abra
E finalmente lhe entregue o abraço esperado
Que lhe conforte, lhe faça se sentir amado
Como nunca o foi por ninguém, senão por pena
Boa chama que, perto do amor, é tão pequena...


(*) Personagem de livros de Mark Twain (pseudônimo de Samel Langhorne Clermens, escritor norte-americano): principal no livro “Huckleberry Finn” e coadjuvante no livro “As aventuras de Tom Sawyer”.

OBRAS


A obra-irmã, prima da obra-prima
extasiou-se perante sua obra-mãe
irmã da obra-mãe da obra-prima
e esta, mais famosa pelo sinônimo,
beleza e qualidade infinita, sorriu
condescendente, sublimando afeto.
Embora todo seu glamour e grandeza
a Obra-prima sabia, não fossem as outras
nem prima seria, talvez nem obra
e, como todo o ser superior que era
jamais desprezaria ou estrangularia
àquelas que, de uma forma ou de outra,
compõem o espectro de sua grandiosidade.
Irmãs, mães, tias e primas saíram abraçadas,
entrelaçadas, juntas nos painéis dos cantos
e acalantos, sem pretenderem nada além
do que manterem coesão no suportar da canga
e o respeito à individualidade do agora
submetidas à sorte do realejo das horas
e da eternidade, com suas cartas na manga.