segunda-feira, 15 de abril de 2019

UM ADEUSINHO, APENAS


Tchau!
Nem parece, mas faz muito, muito tempo
considerando-se apenas os anos,
desconsideradas traumas e urtigas,
contratempos e tuas birras,
dos desacertos aos desenganos.
Tchau!
Caso não entendas, é um tchauzinho ,
sem retorno ou possibilidade disso,
mais que o mito, mais que ouriço,
cansei de tudo, embora paciente,
meio a esmo entendi n'um repente
que serei mais feliz sozinho...

OUTRA DO MOLEQUE - QUERMESSE


Naquele fim de semana a Igreja São Miguel, da paróquia e bairro do mesmo nome (São Miguel) estava comemorando mais um aniversário e o Pároco, Padre Wiro Rauber, festeiro como ele só, promoveu grande festividade iniciando com missa às 18:00H de sexta-feira; no sábado, mais três missas, uma às 08:30H dedicada aos que levantavam cedo, outra às 11:00H aos nem tanto, reconhecidos “como preguiçosos” e a última às 18:00H; no domingo, mais uma vez, missas para os que levantavam cedo, para os “preguiçosos” e às 20:00H, uma missa especial, encerrando os festejos (pelo menos os canônicos, religiosos), oficiada pelo grande, generoso, paciente e sábio bispo de Uruguaiana, cria de Passo Fundo, Dom Luiz Felipe de Nadal (que todos os dias encerrava a programação da Rádio Charrua, com uma plácida predica, de Quietude, Perdão e Paz, finalizada por oração a Deus Pai, Filho e Espírito Santo, sem esquecer da nossa amada Mãe de Deus, a Virgem Maria, Mãe de Jesus).
Após a Santa Missa daquela sexta-feira, no grande pátio da igreja, junto a Casa Canônica, se iniciou a festa laica, que continuaria durante todo o fim de semana, chamada “Quermesse”, com várias “barracas” de jogos, brincadeiras e folguedos que, a seguir, relembramos alguns: Jogos, como os da “Pescaria”, em que o “pescador”, em posse de pseudo “caniço” tentava “pescar” um “peixe” enterrado na areia e que continha, ou não, um “prêmio”; o das “argolas ao gargalho” que consistia em jogar argolas de madeira em garrafas enterradas na areia, cujo rótulo indicava, ou não, o “prêmio”; o das “bolas de meia ao alvo” em que o “arremessador” tentava alvejar “patinhos” de metal que, intercalados por outros “animais” de metal, arrastados por uma engrenagem passavam à frente do “atirador” que a uma distância de cinco ou dez metros arremessava as bolsas de meia tentando atingi-los e quanto maior fosse o percentual de acertos, maior o “prêmio” a ser recebido; etc., etc. Saliente-se que para participar de qualquer um dos jogos, era necessário adquirir fichas, todas de preços módicos, custando poucos Cruzeiros (moeda de então) ou nem isso, centavos ou réis conforme o moleque (exemplo disso, um picolé custava quinhentos réis, ou cinquenta centavos; um copinho de "quentão", um Pila ou um Cruzeiro e assim por diante). Lógico, o moleque não tinha um centavo que fosse, por isso não participava ou exercia qualquer dos jogos à disposição de quem podia pagar por eles; certas coisas não mudam, nunca... O certo é que, mesmo assim, o moleque junto com outros guris iguais a ele, se divertia por estar ali “cuspindo” como se dizia de quem nada fazia.
Tinha mais diversão, porém, uma delas por exemplo era a “Barraca do Beijo Doce” em que se postavam meninas diante do balcão da barraca, carregando cestos cheios de pequenos papéis dobrados e o candidato ao “Beijinho Doce” sequiosos e cheios de esperanças tentavam a sorte, “no escuro”, para que fosse tal beijinho oferecido pela portadora do “cestinho”, sendo exposto ao fracasso total se no pequeno papel aberto estivesse escrito tão somente “tente de novo” ou “quem sabe na próxima”, ou ainda “obrigado por participar” e, um pouco menos frustrado, não muito, “pão de mel, beijinho mais doce não há”; deve haver sim, pensava o moleque sem ou com muito pouca sorte, porque o beijinho que ele queria era o da menina do cesto, sentir em sua face o róseo da suave maciez de pétalas de rosa que os lábios daquela deuzinha de porcelana prometia ou parecia ter...
Mal sabia o moleque que aquela quermesse seria a última que participaria, prestes a sair da cena de sua cidade o que mais queria era ter adquirido o direito de tentar a sorte, pelo menos na Barraca do Beijo Doce e disputar a primazia de, quem sabe, ganhar um beijinho doce da “Gatinha” menina que morava perto de sua casa e que, embevecido, via passar todos os dias para o colégio; naquela quermesse sentiu configurar-se a possibilidade disso mas, sem moedas para contar, bolso e riso vazio, não atingia nem o direito de, sequer arremessar uma “bola de meia” contra os “patinhos” de metal, ou uma tentativa que fosse, na “Pescaria”. Fugiu daquela barraca, foi p’rá baixo do alto falante da “rádio-poste” que atacava tocando músicas do Demetrius, do Sérgio Murilo e outros (como os grandes, Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto e o maior deles, Orlando Silva “o cantor das multidões”) como “Corina, Corina” do primeiro e “Marcianita” do segundo, canções da época, com os intervalos entre uma e outra música, sendo preenchido pela voz grave do locutor (chamado speaker, então – oh, tupiniquins!) que lia as “Dedicatórias”: “Atenção ‘prenda’ de vestido vermelho com uma flor no cabelo, um admirador quer conhecê-la para compromisso sério e lhe dedica a música que segue”; “Atenção, guria de saia plissê ‘gris’* e blusa rosa, um admirador que sonha em namorá-la...” e assim, sucessiva e inocentemente transcorriam a quermesse, os jogos, as dedicatórias, as músicas...
(*cinza, em espanhol).
Adiante, o moleque, voltou à Barraca de Beijo só p’rá ver e sonhar com a “Gata”, mas ela não estava lá, pelo menos naquele momento, fora substituída pela “Toninha” uma belíssima e amada guria, estudante do Colégio Estadual Dom Hermeto, cujos encantos, em especial a meiguice e a candura inebriavam o moleque, detentor então da volubilidade de pássaros inocentes, românticos e sonhadores, nos adoráveis recreios, das inesquecíveis algaravias e luminosas tardes daquele eterno educandário (e ela jamais soube disso, que pena – p’rá ela, claro).
Pois bem e de novo, ele sentiu a dor da impotência financeira vivenciada naquela infância ou puberdade de poucas oportunidades, o que o arrastaria tentar mudar de sorte em lugar bem longe de sua amada cidade natal, dos seus amigos, dos seus pais e irmãos... Nunca mais viu, qualquer uma delas, fosse a “Gata”, fosse a “Toninha” que continuariam bem vivas, serelepes, saltitantes, lindas e puras na memória, imaginação, saudade e sonho do moleque e para muito além dele...
Fosse como fosse, aquela quermesse, como tantas outras lembranças, jamais passaria, e ficou na lembrança do moleque, estática e perene como as gurias, como a querida Igreja São Miguel, como o bom pároco e amigo Wiro Rauber, o “Padre Wiro” treinador dos times de futebol da Juventude Estudantil Católica, a JEC e da Juventude Operária Católica, a JOC, que tinha lá seus pendores e idiossincrasias com relação às beatas, todavia, era um “baita parceiro” de toda a gurizada.
Citando um exemplo disso, era o Padre Wiro que, ocupante do “carro rainha” do seu Raul, puxado pelo Solito e o Luar, passava na casa do moleque e de seu amigo/irmão Guirland, nas terças-feira em que tinha Sessão Legislativa para assistirem in locum e se divertirem, o mais correto, com o que chamava de “melhor programa humorístico da cidade”, que era protagonizado pela Câmara Municipal de Vereadores de Uruguaiana, especialmente no tal de “Pinga Fogo” quando os ilustríssimos senhores vereadores se digladiavam algumas poucas vezes com linguajar e polêmica empolada e muitas vezes desbotada de senso, risíveis e, em outras, cultuando o fraseado chulo das ruas e as agressões verbais inerentes, quase físicas, não fosse a turma do “deixa disso”, “p’rá que isso” e tal. Apesar de tudo, também ali pontificavam lideranças e expoentes da cultura uruguaianense, como o Vereador José Gomes de Souza (que seria nomeado prefeito biônico na época do regime militar porquanto a cidade fazia fronteira com a Argentina e, à época, através do distrito da Barra do Quaraí, hoje cidade emancipada, com o Uruguai, e por isso era considerada "área de segurança nacional") erudito, pernambucano da gema, político filiado à União Democrática Nacional – UDN (de Direita), dono da Farmácia Minerva, Professor de Ciências do Colégio Estadual Dom Hermeto; também, Mário Dino Papaléo, Vereador Presidente da Câmara, radialista da Rádio Charrua, e outros nem tão luminosos filiados a diversos partidos, como o Partido Trabalhista Brasileiro – PTB (de Esquerda), o Partido Libertador – PL (de Centro) e outros...
As quermesses, como a política, parecem, ficaram aprisionadas no tempo, aqueles quase inocentes tempos em que a maioria vivia sob outros parâmetros, com a ambição maior de, apenas, cultuar o melhor de si, sendo em outros, o que deles esperava... Infelizmente, exceto o tempo, tudo passa, também o moleque, às quermesses, àqueles políticos que poderiam até nem ser brilhantes, ou “salvadores da Pátria” mas por esta viviam, lutavam e não eram corruptos, exceto pelos sonhos que vendiam ou trocavam entre si!
Na quermesse da vida, muitas vezes faltou ao moleque a mesma mola propulsora que emperrou e não lhe deixou colher, na face, o beijinho doce daquelas gurias que nunca souberam o quanto ele queria ter sentido o gosto, parecendo, até, que foi Capiba, o grande mestre e compositor pernambucano, de memoráveis frevos, que vivenciou ou recebeu, via astral, o gosto amargo do inacabado sonho do beijinho doce jamais alcançado ao escrever e musicar o belíssimo poema “Maria Betânia” cuja letra, com tácita licença daquele, se oferece a seguir: “Maria Betânia/ tu és para mim a senhora do Engenho/ Em sonhos te vejo, Maria Betânia/ És tudo que eu tenho/ Quanta tristeza, sinto no peito/ Só em pensar que o meu amor está desfeito/ Maria Betânia te lembras ainda daquele São João/ As minhas palavras caíram bem dentro do teu coração/ Tu me olhavas, com emoção/ E sem querer, pus minha mão em tua mão/ Maria Betânia, tu sentes saudades de tudo, bem sei/ Porém, também sinto saudades do beijo que nunca te dei/ Beijo que vive, com esplendor/ Nos lábios meus, para aumentar a minha dor/ Maria Betânia, eu nunca pensei acabar tudo assim/ Por Deus eu te peço, Maria Betânia, tens pena de mim/ hoje confesso, com dissabor/ Que não sabia, nem conhecia o amor.” (esta canção foi gravada por vários intérpretes da MPB, inclusive pelo afinadíssimo Jessé em dueto com Nelson Gonçalves se somando ao belo arranjo, deu-lhe mais suavidade, encanto e refinamento).