sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

DEU!


Agora, somente agora, deu no que deu
e no que foi preciso para chegar no teu eu
poucos sabem, nem tu sabes, só Deus
mas, agora deu, ainda bem que agora deu!

Festejemos o bom, belo e fugaz chegar
enquanto o mundo só faz passar, girar e passar
o rodo no todo, mas agora é o topo, o andar
por sobre este festejar do agora que está a se dar...

E não quero saber, pouco me importa,
se a vida é direita, se a vida está torta.
se amar é sofrer em paisagens incertas
ou, passagem do ser às horas desertas.

Não quero viver teu não quero com sabor de sal
só quero o bem que recebo divorciado do mal
que acaba com a imaginação, resultando dilemas
que reacendem o nunca mais e ressecam os poemas


DESEJO A TODOS, UM FELIZ NATAL
E UM 2017, PLENO DE SAÚDE E PAZ!

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

POR DO SOL - Continho


Já realizara várias atividades no Foro Cível, Central quando foi gentilmente interpelado por uma pessoa que perguntou:- “Lembras de mim?”. A idade, o tempo transcorrido, a indubitável dificuldade em reter fisionomias, tudo conspirava para que fosse honesto e dissesse “Não, não lembro” mas a pergunta e o semblante de quem perguntava era tão simpático que exigia um pouco de compostura, gentileza. Por isso respondeu sorrindo, com evasivas, enquanto buscava no fundo de si mesmo um lampejo de lembrança, uma luzinha que fosse...

“Fomos colegas na UFRGS, nos formamos juntos, 'tá certo que eu estudava pela manhã, tu à noite, mas naquele vinte de dezembro, mágico e de feliz lembrança, estávamos sentado lado a lado ansiosos aguardando o chamado à colação de grau... somos colegas e até hoje guardo comigo alguns escritos que cometeste, então... tem um poema que eu tenho certeza que o escreveste para mim, naquele dia em que me viste à mesa, no bar da faculdade, o bar do Jaime e me achando triste, célere, escreveste o 'Monólogo', lembra?... ali, na hora, no improviso... cujo original eu guardo até hoje e seguidamente mostro aos meus amigos, coisa linda... Falando nisso, ainda escreves?” - “Sim..." - balbuciou - "... ainda cometo alguns escritos, não com a mesma freqüência daquela época, todavia...” 

- “Eu lembro, também do 'Adeus' e daquele poema que tratava dos gêmeos no ventre materno (O Direito de Estar Só), dentre outros, como o 'Mutante' (que uso para não dizer minha idade), o 'Eu não sei', etc, etc...” … Meio constrangido, respondeu quase inaudivelmente - “Que bom ouvir isso...”.

Convido-te a tomar um cafezinho, colega, e continuar lembrando os velhos tempos, aqueles professores maravilhosos como nosso paraninfo, o Dr. Antônio Costa e Silva, professor titular do departamento de Direito Civil, a Dra. Isabela, também do Civil, o gênio processualista civil mundialmente reconhecido, Dr. Galeno Velhinho de Lacerda, então ilustre Desembargador, e seu atento auxiliar, Dr. Noronha... além dos também professores e doutores, Lubianca da Medicina Legal, Ney Arendt do processo civil, Luiz Prunes e Leite, do Trabalho, Marco Aurélio Oliveira, Reginaldo Felker, Pitta Pinheiro, Otávio Caruso da Rocha, Lenine, dentre tantos outros sábios da época...”...

Juntos, ingressaram na sala da OAB/RS do Foro Central para saborear o cafezinho prometido.

Alguns momentos depois, com os olhos voltados à janela, visualizaram a paisagem que dali se mostrava... Quase ao fim da tarde, ao entardecer, é verdade, aquele dia de sol dava adeus a Porto Alegre, nossa bela capital e ao Guaíba (Rio?, Ria?, Lago?, ninguém, ou ele, saberia definir com certeza, reverberando-se, todos, em incontornável controvérsia) e, como todos os porto alegrenses sabem e se deliciam (e até mesmo os porto alegrenses por empréstimo como ele, um uruguaianense), com a visão, repetida, do seu sempre presente lindíssimo por do sol...

- “Não é lindo?... Devias escrever sobre isso... porque não, agora? ...” - “Tal tema já foi explorado por mim no poema chamado 'Sol Posto', acho que não o conheces...“ - "Declama, então, para mim, claro se puderes...” - “...Está bem, lá vai, espero que gostes: 

                                                       'Sol Posto

E cai a tarde assim/ Como a zombar de mim/ Mostrando o que perdi/ Suspenso por um triz/ O sol morre infeliz!.../ ...Como eu também morri!/
É tanto o encantamento/ Da dor, neste momento/ Registro a olho nu/ E a cor da tarde calma/ Esvai-se como a alma/ da tarde que foi tu.../

Mas, amanhã é certo/ O sol aceso, esperto/ Inteiro e renascido/ Virá banhar de luz/ A vida que seduz/ A todos os sentidos.../

Cá dentro o meu sol, posto/ Expulsa para o rosto/ A noite em que estou.../ Nenhum sonho me diz/ À frente o dia feliz/ Da tarde que voltou'...”

  • Olha, continuas o mesmo... Quero que dites para mim anotar essa beleza...” - “Está bem, lá vai...” e com toda a calma, lisonjeado até, viu a pessoa, sofregamente, anotar em uma agenda, o poema antes declamado...

Com um certo entusiasmo, ao final, disse que entendia tal poema apropriado não apenas à beleza daquele e de outros tantos por de sol, também ao momento vivido pelo País, castigado pela trapaça e corrupção, também pela dupla gre-nal, mal das pernas no Brasileirão, tanto o seu Inter, sua religião e paixão, como o Grêmio de alguns dos seus amigos (este ainda que em menor escala de sofrimento) todos sem exceção, torcendo para que seus respectivos amanhãs cheguem cheios de sol, aceso, esperto, banhando de luz a vida que seduz a todos os sentidos... ou que o sonho possa trazer de volta a tarde que voltou ou os dias felizes que todos esperam voltar a viver... Tomara!

Findo o cafezinho, despediram-se com as mesmas promessas que todos os amigos fazem (e, infeliz e dificilmente, cumprem) de logo adiante tomarem outros cafezinhos e jogar conversa fora, felizes apenas pelo fato de, por alguns instantes, recuperarem um pouco dos sonhos que vivenciaram em momentos ditos marcantes na vida de cada um... Tomara!

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

SEM MARGARIDAS


Por onde andam as margaridas?
Despetaladas? Descoradas? Sem incenso?
O que foi feito de suas vidas?
Animadas? Incensadas de sonho imenso?
Por onde andam? No que se resume
O feito ou desfeito, a respeito?
Qual o destino de seus perfumes,
Do meu ciúme em meu peito?

O jardim em que florescemos
Jaz em deserto, esturricado,
Vivo de urzes, sem as raízes
Do que plantamos, já esquecemos
Desse antes agora revisitado
Pelas lembranças, dias felizes.

Por onde andam as margaridas
Que se perderam, muito distante,
Da nascente de seu rio
Bem-mal-me-quer, jogo da vida,
Descolado desses instantes
Que preenchem o meu vazio...

Não há mais o que pensar, esperar
Nem mais, nem menos, é a hora, agora

Eu e tu fomos dois, sem depois...

CONVEXO


Nos desvãos do cotidiano
Revigora-se o simples, o puro
Sem qualquer alarde
No acaso prenhe de ocasos e enganos,
De acertos, sóis e muros
E destrói o que já se vai tarde.
A pressa expressa dos anos,
Forças dos vícios, o futuro,
Navalhas do mal e da bondade
São fogos de jogos que se abrem.
O cedo cede vez à passagem
Ao que se esmera na tela
Do frio e quente dessa cela
Espremida na densa voltagem
Deste retalho chamado saudade...
E o resto como sempre é mistério
Exceto por este agora, revelado,
No gozo e fruição do etéreo
Que sublima todos os pecados...

SÓ OS FORTES SOBREVIVEM

Ainda que agora te entendas um nada
- Não é o que parece-
Levanta-te da calçada, cresce,
Ergue-te, levanta a cabeça
Por menos que mereças
És o hoje para muita gente,
És por isso muito mais, presente
Que o futuro espera logo em frente.
Faça de ti o melhor que possas
Não te deixes cair nas coisas tortas
Em algum lugar alguém de ti precisa
Não te amofines e nem desanimes
A luta é de todos, de alguns a covardia
A vitória será tua, chegado o dia.

N'UM QUASE FIM DE ROTA


O sol desaparece em meio à névoa escura
Que desce em mim fazendo-me um anoitecer...
As lembranças não são claras, são esparsas,
São confetes, picotadas, puras, são farsas
Dos fatos que consagram esse meu jamais ser
Nas entranhas desse ontem que não passa.
Já nem sei se realmente foste a oitava
Maravilha do meu mundo, a estrela-d'alva,
Ou te revelaste assim pelo viés da estrada
Como estrela cadente no céu de minha alma.
No fulgor do tudo ido, no desvão da jornada
Bem assim fui e sou finito como vagido efêmero,
Prenhe do desejo de ficar escondido, enfermo
Desse infinito ventre dos sonhos perdidos!
Mais criança do que muito mais fui, antes,
Apego-me às causas perdidas deste mar adiante.
E, nas marés, altas e baixas, que me pressinto
Renasce em mim, n’algum lugar esquecido,
A esperança qu'inda viceja em meus labirintos!

ENTERNECIMENTO


Como quem olha, enternecido,
Uma criança dormindo, sorrindo,
O pueril da inocência dos que tem fé...
Assim quis te olhar, riso franco,
Da cor do espanto, do que se era ou é
E, mesmo sabendo que sem palavras
Dissemo-nos adeus, cena fútil dos dois,
Que nada voltará, nem foi e nem será
Guardo em mim aquele olhar, sem depois...

AREIA MOVEDIÇA

Após tantos dribles, na sorte, no cansaço,
De repente faltou apoio ao meu pé direito
Ainda assim sustentei-me, aos pedaços,
Sem chão, sem mais espaços, sem mais jeito.
Finalmente sucumbi ao abraço da derrota,
Terror do agora vindo do terror do adiante.
E o tempo me tragou, feito areia movediça
Marcando a minha pele, tatuando minha alma
Do inócuo de me saber nada, me saber tarde,
Queimado de sonhos e alquebradas vísceras!
Nem se move o tanto quanto desse durante,
Nem se agitam na febre de baldadas liças,
Num tudo ou num nada que se faz distante.
O que era não faz conta no que é ou mais,
A amargura vence a esperança que se vive
Na esturricada agonia do sempre e do jamais
Escorregada da crença que em mim sobrevive
Pela sentença desse canto antigo do meu ser:
“Ah, se bem me lembro, jamais poderás ter
O que ao mesmo tempo sempre e só eu tive”.

quinta-feira, 30 de junho de 2016

MISTÉRIOS, BANDIDOS!


Sem me dar conta, ou fazer sentido
vou recriando mistérios bandidos
e, vez que outra, meus olhos castanhos
queimam etapas, contam rebanhos.

Agora aponta, de novo, outro inverno
como um pedaço do sempre, do eterno,
de um ir e vir nem assim tão estranho,
por sobre navalhas de um medo tamanho.

O que fazer com esse quase tudo tido
que me arrebata ainda que me tenha ferido
e traz ao futuro, além de minhas crenças,
toda descrença de um ser despossuído?...

Pouco me vale te saber distante,
pouco resolve ter-te tido toda, antes,
se o que passou não volta, está perdido
nas franjas de meus mistérios bandidos!

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

PSEUDO INVENTÁRIO


Há um pouco de pressa em mim, em nós,
Para chegar, melhor, para voltar
Após quase um século de distância
E poucos metros de ilusão e aprendizado.
O ritmo não é frenético e a vida cansa
Na presença da paisagem esquelética
E célere ida e vinda à criança, à dança,
Tudo é ânsia, misturados noites e dias
Nesta elegia elétrica, sendo a esperança
Matiz, matriz e agora, passando na farsa
Onde grassam vertigens desgovernadas,
Aurora do amanhã que já se foi embora.

A noite entrevada deste quase ido, anuncia
O fim de madrugadas, dos tempos, dos dias...

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

MAIS UMA DO MOLEQUE QUALQUER (Os loucos dados da sorte)


Então, era tudo isso, Nem bem caía a noite e aos poucos os guris iam indo para o ponto de reunião e de todas as brincadeiras digamos noturnas; tal ponto era no único ponto de luz da região, poste de eletricidade que tinha uma lâmpada de poderosos 100 watts, bem na esquina formada pelas ruas sete de setembro e vinte e sete de outubro (hoje, Gregório Beheregary); ali localizava-se o boliche (armazém) Ferro Carril, do Sargento Camargo, depois dos filhos deste, o Enio e o Fulô e bem depois dos Monteiros; o boliche que encerrava suas atividades comerciais por volta das 20:00 horas. Em um noite fria, tudo fechado reuniram-se naquela esquina, primeiros a chegar, o moleque e mais três amigos, o Quico, o Gurizote, apelido depois abreviado para Zote, ambos filhos de D. Mariquinha e do “Seu” Emílio e o Febrônio, filho de D. Ramona e do “Seu” Monteiro.

Por mera curiosidade, levando-se em conta os comentários ouvidos pelo moleque qualquer que, diga-se, não entendeu patavina daquela história então, o nome Febrônio se devia a um pretenso erro médico pois D. Ramona ao início da gravidez se sentia tomada de muitas dores e por isso teria sido encaminhada ao médico obstetra pela parteira-mor da região, a consagrada e amada por todos, vó Alexandra, que não detectara nada de anormal que explicasse as dores sofridas; “Seu” Monteiro veio diretamente da granja que possuía no interior do município para levar a mulher ao médico e dar andamento às possíveis consequências dessa visita, compra de remédios na farmácia, etc. Após minucioso exame físico que realizou, o médico concluiu que D. Ramona não estava grávida e sim tinha problemas com fibromas no útero e tais tumores do tecido conjuntivo, felizmente benignos, é que causavam as dores sentidas prescrevendo imediato início ao tratamento respectivo mediante remédios comprados à Farmácia do Carlinhos. De fato, as dores foram amenizadas pelo tratamento intensivo afastando temores de intervenção cirúrgica dita possível pelo médico, todavia, a barriga de D. Ramona continuava a crescer para logo adiante, dizem nem bem completados sete meses de gestação nascer um guri que o casal resolveu dar o nome de Febrônio, em jocosa e aliviada lembrança do(s) fibroma(s) que se é que existiu(ram) não impediu(ram) o feto de cumprir sua trajetória mesmo que encurtada pelo nascimento prematuro.

Voltemos, porém, ao principal, naquela noite fria de junho, em que os moleques, todos beirando os 13 anos de idade, reuniram-se na esquina; concluíram que eram muito poucos, só quatro, para brincar de “caçador”, ou de “padeirinho”, mesmo de esconde-esconde e sem fazer nada, falando “abobrinhas” preferiram aguardar a chegada dos demais componentes da molecada; aí, o moleque qualquer lembrou-se de que tinha recortado da revista semanal “O Cruzeiro” (dos grandes Péricles – do Amigo da Onça; Millor Fernandes – do Pif-Paf; do repórter David Nasser e tantos outros) uma fotografia da grande atriz Eva Wilma, de maiô e aquilo sim era uma notícia encantadora, de outro mundo, aquela mulher muito bonita, sentada com as pernas à mostra e um sorriso maravilhoso no rosto, olhos enternecedores; e tudo isso cabia no bolso do moleque que, não sem antes criar uma curiosidade e expectativa saltitante e sôfrega nos demais moleques, teceu loas àquele “monumento”.
O recorte foi disputadíssimo por todos e visto sob todos os ângulos possíveis à luz do poste e logo alguém resolveu lançar um repto para todos: poderiam ante àquela maravilhosa visão, inscrevê-la para sempre na memória e, auxiliados pela sadia e pura imaginação que se tem naquela idade, quem sabe possuí-la até os confins de um não sei quê (porque ninguém sabia ao certo o que era o quê no que se refere e enquanto a natureza se encarrega de produzir e dirigir a transição da infância impúbere à puberdade). E todos concordaram realizarem a masturbação que o apelo físico juvenil propunha; acordaram uma disputa de quem chegaria primeiro ao final e quem mais longe mandaria seus potentes e viscosos líquidos naturais...Estão discutindo tudo isso, vamos chamar de regulamento do concurso ou disputa, quando veem passando o Sérgio “Caveira” que agora ficava muito bravo quando lhe chamavam de Sérgio “da Porca ciumenta” eis que, alguns dias antes, “Seu” José, pai dele tinha lhe dado uma surra com um relho de couro cru, trançado, pois seu filho entrara na cozinha da casa perseguido por uma das porcas da criação de animais de corte que o “velho” tinha, com a porca tentando se “esfregar” no Sérgio que, por sua vez tinha a roupa suja de barro... “Seu” José antigo nas lides de criação de animais intuiu que o filho andara de “safadeza” com a porca e, o sabia como diziam, que após tal procedimento era necessário dar uns relhaços na porca para não deixá-la se apaixonar pelo “safado zoomaníaco”.

Pois bem, convidado a participar do concurso, disputa, Sérgio o mais velho de todos, recusou-se a atendê-los, dizendo que tinha algo muito melhor a fazer e, sendo flagrado com uma garrafa de “Praianinha”, uma cachaça da época, foi interpelado e praticamente obrigado a se explicar... vais beber? Tu és “bebum”? Para quem tu levas a canha? Te explica “Da porca”, não vais embebedar a porca não é? ...e por aí formou-se o burburinho até que, vencido, Sérgio explicou que estava levando a garrafa de cachaça para D. Anastácia que por isso e em troca ia “dá” p’rá ele... Rebuliço em meio à gurizada, vamos juntos... se ela vaí “dá” p”rá ti, não custa nada “dá” p’rá nós... Mas eu paguei a cachaça sozinho, disse Sérgio.... - Gritou, Febrônio - Não tem problema nós fizemos uma vaquinha e todos colaboram e tu não terás prejuízo algum, ao contrário – Todos concordaram, até Sérgio que complementou – Me deem o dinheiro antes... não me comprometo por ela, se ela quiser tudo bem, mas se não quiser não devolvo o dinheiro.

Partiram todos, os agora cinco guris rumo as bandas da “carretera”, estrada de chão que ligava Uruguaiana à Queimada e dali, com intersecções, à Livramento, Alegrete e Quaraí (do célebre e misterioso Cerro do Jarau que, quem sabe, um dia alguém daquelas redondezas escreva sobre ele pois dizem que as luzes de lanternas e lampiões se apagavam dentro dele, sendo nele a residência da Salamandra, belíssima princesa Moura encantada...). Chegando ao rancho de D. Anastácia o Sérgio tomou a frente e, como combinado lhe estendeu a garrafa de cachaça ali mesmo aberta e após um grande gole disse-nos que concordava em “dar” p’rá todos, que se organizassem desde que o primeiro seria o Sérgio e depois os outros, em ordem, sem alarde... Vai o Sérgio p’rá o sacrifício ficando os outros quatros tentando cada um ser o segundo e ninguém se entendendo. Quico, então, sugeriu que fosse decidido no “par ou ímpar” jogo efetuado com os dedos, parecido com o, atual, “papel, pedra, tesoura”; a decisão foi por maioria já que o moleque qualquer votou contra tal escolha eis que era péssimo praticante do tal de “par ou ímpar”, não ganhava de ninguém. Funcionou a máxima de Murphy “de onde menos se espera, daí é que não sai nada” e o moleque qualquer foi o último, ficando no aguardo de sua vez... Todos satisfeitos, chegara a vez do moleque que se encaminhou como um gladiador de lutas e causas desconhecidas... Olhando-o firme e resoluta, D. Anastácia sentenciou um aqui jaz que foi blague durante vários dias repetida pelos “amigos” do moleque...um “Tu não!” arrepiante, humilhante, acachapante vociferado na cara do moleque que passou a ouvir todos os dias, toda a hora, por todos que tomaram conhecimento desse fato parecendo até que o vento, soprando no taquaral repetia o mortal epíteto: “TU, NÃO!...”, “TU, NÃO!...”, “TU, NÃO!...”.

Algum tempo depois, não saberia precisar quanto, em conversa com Quico e após alguns “Tu, não...” o moleque foi informado que aquele estava com um problema sobre o qual tinha receio, vergonha melhor dizendo, de falar aos seus pais... disse ele que ao urinar tinha muita ardência e algumas dores no pênis e aquilo começara com uma pequena ardência mas que já estava incomodando muito e não sabia o que fazer para se curar, tendo vontade até de falar com a D. Vita que era meio curandeira, meio benzedeira da região, mas que também tinha vergonha até do marido dela, o Valdemar. O moleque lembrou-se de um amigo de seu pai, o Jacutinga, que gostava de uma boa serenata e estava trabalhando como guarda do Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência, o SAMDU, hoje substituído pelo SAMU e que, homem que era e conhecido do moleque quem sabe pudesse “dar uma mão” indicando ao Quico o que poderia ser feito ou a quem pedir ajuda sem que seus pais descobrissem ou ele passasse a vergonha de escancarar ao mundo suas “partes pubentas”.

Como sempre, Quico foi convencido pelo moleque e, ambos, se dirigiram ao SAMDU que ficava em uma esquina, perto da Loja e Oficina de calçados Mutti, pela Rua General Câmara. Chegando lá o moleque falou com Jacutinga relatando as dores ditas sentidas pelo Quico; Jacutinga mandou que ambos esperassem e ingressou no prédio voltando algum tempo depois com uma determinação que lhe foi dada: Quico seria atendido imediatamente pelo médico pois poderia ser portador de doença grave e, mais, era possível que fossem chamados seus pais, também. Quico olhou para o moleque e disse eu me vou embora e é agora... –Calma, calma, o Jacutinga disse que é o médico que vai te examinar e se vai te examinar como é que pode saber se tu ‘tá ou não ‘tá doente; e bem baixinho, quase no ouvido do Quico: “O Jacutinga não é de nada, não sabe nada, é só um fiasquento...”. “Vem comigo então” disse Quico e juntos com um cara vestido de roupa branca que acharam que era enfermeiro mas devia ser atendente de enfermagem que naquele tempo tinha ou auxiliar ou técnico, ambos ingressaram na sala do médico, um jovem boa praça, como também era o Jacutinga e até o cara da roupa branca.

O médico mandou Quico arriar as calças e vestindo luvas de borracha e trazendo uma espécie de bigorninha e martelinho também de borracha, pegou o pênis do Quico e o colocou por sobre a bigorninha enviando um sinal com os olhos para o enfermeiro este segurou Quico com força enquanto o médico dava uma forte martelada na raiz do pênis, esguichando pus e inflamação retida na uretra... Dói só de lembrar, também retornando o pavor pelo imenso urro de dor que o moleque achou foi ouvido até pelos pais do Quico a quatro ou cinco quilômetros dali. Após isso, o médico determinou injetassem penicilina no Quico, prescrevendo mais nove aplicações da mesma injeção, uma a cada dois dias, durante vinte dias e a chamada dos pais do Quico.

Feito isso, o médico explicou que aquela doença era chamada de doença venérea, conhecida por gonorreia ou blenorragia, originária do gonococos, micróbio que é o agente específico da mesma, doença que só podia ser adquirida mediante coito ou relação sexual por pessoa infectada desse micróbio. Por isso precisava que contássemos a história direitinho para que a pessoa infectada e que estaria transmitindo a doença pudesse ser tratada, curada. O moleque fez o relato mais sucinto possível porém, não esqueceu de se reportar ao famoso “Tu, não” pelo qual vinha sofrendo o que hoje chamamos de “bulling” para ser bem ameno. O médico pediu os endereços de todos os participantes, inclusive de D. Anastácia e disse para o moleque que ele tinha que agradecer aos céus pelo fato de ser tão ruim no tal de “par ou ímpar” e de, sabe-se lá porque, ter D. Anastácia sentenciado “Tu, não!”.

Sérgio, o “Caveira” ou o “Da Porca Ciumenta”, Quico, Gurizote (Zote) e Febrônio, pela ordem, juntos com D. Anastácia, se submeteram a tratamento de penicilina que na época, como dizia a marchinha carnavalesca, curava até defunto e só não curava dor de cotovelo e, ao que se saiba, pelo menos os guris ficaram curados.

Por muito tempo o moleque se apresentava ao início ou em meio as algazarras com seus amigos, com um agora sonoro e bem humorado “Eu, não!” ... A vida seguiu seu curso, antes da natural diáspora daqueles bem aventurados guris, outras noites frias e quentes presenciaram as reuniões daqueles moleques tempos lúdicos e inocentes! Tudo e todos se foram, para sempre!

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

FOLHETIM



Por vezes sou o que nunca pensei ser,
sem ter porquês, sem sequer fazer
na vida, na maré retrátil, maré sem fim
de idas e voltas dentro e além de mim

Também um sair, andar, voltas de não ou sim
n'um ir e vir que vem p'rá mim ou sai de mim

Por vezes me sinto a tese, antítese ou a síntese
do mal, do bem que há em tudo e assim
cego de não, cego de sim, início, meio, fim
à roda viva por entre arestas cor de carmim...


Espelho e Vida, meu folhetim!