sexta-feira, 23 de dezembro de 2016
DEU!
Agora, somente agora, deu no que deu
e no que foi preciso para chegar no teu eu
poucos sabem, nem tu sabes, só Deus
mas, agora deu, ainda bem que agora deu!
Festejemos o bom, belo e fugaz chegar
enquanto o mundo só faz passar, girar e passar
o rodo no todo, mas agora é o topo, o andar
por sobre este festejar do agora que está a se dar...
E não quero saber, pouco me importa,
se a vida é direita, se a vida está torta.
se amar é sofrer em paisagens incertas
ou, passagem do ser às horas desertas.
Não quero viver teu não quero com sabor de sal
só quero o bem que recebo divorciado do mal
que acaba com a imaginação, resultando dilemas
que reacendem o nunca mais e ressecam os poemas
DESEJO A TODOS, UM FELIZ NATAL
E UM 2017, PLENO DE SAÚDE E PAZ!
segunda-feira, 19 de setembro de 2016
POR DO SOL - Continho
Já realizara várias atividades no Foro Cível, Central quando foi gentilmente interpelado por uma pessoa que perguntou:- “Lembras de mim?”. A idade, o tempo transcorrido, a indubitável dificuldade em reter fisionomias, tudo conspirava para que fosse honesto e dissesse “Não, não lembro” mas a pergunta e o semblante de quem perguntava era tão simpático que exigia um pouco de compostura, gentileza. Por isso respondeu sorrindo, com evasivas, enquanto buscava no fundo de si mesmo um lampejo de lembrança, uma luzinha que fosse...
“Fomos colegas na UFRGS, nos formamos juntos, 'tá certo que eu estudava pela manhã, tu à noite, mas naquele vinte de dezembro, mágico e de feliz lembrança, estávamos sentado lado a lado ansiosos aguardando o chamado à colação de grau... somos colegas e até hoje guardo comigo alguns escritos que cometeste, então... tem um poema que eu tenho certeza que o escreveste para mim, naquele dia em que me viste à mesa, no bar da faculdade, o bar do Jaime e me achando triste, célere, escreveste o 'Monólogo', lembra?... ali, na hora, no improviso... cujo original eu guardo até hoje e seguidamente mostro aos meus amigos, coisa linda... Falando nisso, ainda escreves?” - “Sim..." - balbuciou - "... ainda cometo alguns escritos, não com a mesma freqüência daquela época, todavia...”
- “Eu lembro, também do 'Adeus' e daquele poema que tratava dos gêmeos no ventre materno (O Direito de Estar Só), dentre outros, como o 'Mutante' (que uso para não dizer minha idade), o 'Eu não sei', etc, etc...” … Meio constrangido, respondeu quase inaudivelmente - “Que bom ouvir isso...”.
“Convido-te a tomar um cafezinho, colega, e continuar lembrando os velhos tempos, aqueles professores maravilhosos como nosso paraninfo, o Dr. Antônio Costa e Silva, professor titular do departamento de Direito Civil, a Dra. Isabela, também do Civil, o gênio processualista civil mundialmente reconhecido, Dr. Galeno Velhinho de Lacerda, então ilustre Desembargador, e seu atento auxiliar, Dr. Noronha... além dos também professores e doutores, Lubianca da Medicina Legal, Ney Arendt do processo civil, Luiz Prunes e Leite, do Trabalho, Marco Aurélio Oliveira, Reginaldo Felker, Pitta Pinheiro, Otávio Caruso da Rocha, Lenine, dentre tantos outros sábios da época...”...
Juntos, ingressaram na sala da OAB/RS do Foro Central para saborear o cafezinho prometido.
Alguns momentos depois, com os olhos voltados à janela, visualizaram a paisagem que dali se mostrava... Quase ao fim da tarde, ao entardecer, é verdade, aquele dia de sol dava adeus a Porto Alegre, nossa bela capital e ao Guaíba (Rio?, Ria?, Lago?, ninguém, ou ele, saberia definir com certeza, reverberando-se, todos, em incontornável controvérsia) e, como todos os porto alegrenses sabem e se deliciam (e até mesmo os porto alegrenses por empréstimo como ele, um uruguaianense), com a visão, repetida, do seu sempre presente lindíssimo por do sol...
- “Não é lindo?... Devias escrever sobre isso... porque não, agora? ...” - “Tal tema já foi explorado por mim no poema chamado 'Sol Posto', acho que não o conheces...“ - "Declama, então, para mim, claro se puderes...” - “...Está bem, lá vai, espero que gostes:
'Sol Posto
E cai a tarde assim/ Como a zombar de mim/ Mostrando o que perdi/ Suspenso por um triz/ O sol morre infeliz!.../ ...Como eu também morri!/
É tanto o encantamento/ Da dor, neste momento/ Registro a olho nu/ E a cor da tarde calma/ Esvai-se como a alma/ da tarde que foi tu.../
Mas, amanhã é certo/ O sol aceso, esperto/ Inteiro e renascido/ Virá banhar de luz/ A vida que seduz/ A todos os sentidos.../
Cá dentro o meu sol, posto/ Expulsa para o rosto/ A noite em que estou.../ Nenhum sonho me diz/ À frente o dia feliz/ Da tarde que voltou'...”
- “Olha, continuas o mesmo... Quero que dites para mim anotar essa beleza...” - “Está bem, lá vai...” e com toda a calma, lisonjeado até, viu a pessoa, sofregamente, anotar em uma agenda, o poema antes declamado...
Com um certo entusiasmo, ao final, disse que entendia tal poema apropriado não apenas à beleza daquele e de outros tantos por de sol, também ao momento vivido pelo País, castigado pela trapaça e corrupção, também pela dupla gre-nal, mal das pernas no Brasileirão, tanto o seu Inter, sua religião e paixão, como o Grêmio de alguns dos seus amigos (este ainda que em menor escala de sofrimento) todos sem exceção, torcendo para que seus respectivos amanhãs cheguem cheios de sol, aceso, esperto, banhando de luz a vida que seduz a todos os sentidos... ou que o sonho possa trazer de volta a tarde que voltou ou os dias felizes que todos esperam voltar a viver... Tomara!
Findo o cafezinho, despediram-se com as mesmas promessas que todos os amigos fazem (e, infeliz e dificilmente, cumprem) de logo adiante tomarem outros cafezinhos e jogar conversa fora, felizes apenas pelo fato de, por alguns instantes, recuperarem um pouco dos sonhos que vivenciaram em momentos ditos marcantes na vida de cada um... Tomara!
quarta-feira, 17 de agosto de 2016
SEM MARGARIDAS
Por onde andam as margaridas?
Despetaladas? Descoradas? Sem incenso?
O que foi feito de suas vidas?
Animadas? Incensadas de sonho imenso?
Por onde andam? No que se resume
O feito ou desfeito, a respeito?
Qual o destino de seus perfumes,
Do meu ciúme em meu peito?
O jardim em que florescemos
Jaz em deserto, esturricado,
Vivo de urzes, sem as raízes
Do que plantamos, já esquecemos
Desse antes agora revisitado
Pelas lembranças, dias felizes.
Por onde andam as margaridas
Que se perderam, muito distante,
Da nascente de seu rio
Bem-mal-me-quer, jogo da vida,
Descolado desses instantes
Que preenchem o meu vazio...
Não há mais o que pensar, esperar
Nem mais, nem menos, é a hora, agora
Eu e tu fomos dois, sem depois...
CONVEXO
Nos desvãos do cotidiano
Revigora-se o simples, o puro
Sem qualquer alarde
No acaso prenhe de ocasos e enganos,
De acertos, sóis e muros
E destrói o que já se vai tarde.
A pressa expressa dos anos,
Forças dos vícios, o futuro,
Navalhas do mal e da bondade
São fogos de jogos que se abrem.
O cedo cede vez à passagem
Ao que se esmera na tela
Do frio e quente dessa cela
Espremida na densa voltagem
Deste retalho chamado saudade...
E o resto como sempre é mistério
Exceto por este agora, revelado,
No gozo e fruição do etéreo
Que sublima todos os pecados...
SÓ OS FORTES SOBREVIVEM
Ainda que agora te entendas um nada
- Não é o que parece-
Levanta-te da calçada, cresce,
Ergue-te, levanta a cabeça
Por menos que mereças
És o hoje para muita gente,
És por isso muito mais, presente
Que o futuro espera logo em frente.
Faça de ti o melhor que possas
Não te deixes cair nas coisas tortas
Em algum lugar alguém de ti precisa
Não te amofines e nem desanimes
A luta é de todos, de alguns a covardia
A vitória será tua, chegado o dia.
N'UM QUASE FIM DE ROTA
O sol desaparece em meio à névoa escura
Que desce em mim fazendo-me um anoitecer...
As lembranças não são claras, são esparsas,
São confetes, picotadas, puras, são farsas
Dos fatos que consagram esse meu jamais ser
Nas entranhas desse ontem que não passa.
Já nem sei se realmente foste a oitava
Maravilha do meu mundo, a estrela-d'alva,
Ou te revelaste assim pelo viés da estrada
Como estrela cadente no céu de minha alma.
No fulgor do tudo ido, no desvão da jornada
Bem assim fui e sou finito como vagido efêmero,
Prenhe do desejo de ficar escondido, enfermo
Desse infinito ventre dos sonhos perdidos!
Mais criança do que muito mais fui, antes,
Apego-me às causas perdidas deste mar adiante.
E, nas marés, altas e baixas, que me pressinto
Renasce em mim, n’algum lugar esquecido,
A esperança qu'inda viceja em meus labirintos!
ENTERNECIMENTO
Como quem olha, enternecido,
Uma criança dormindo, sorrindo,
O pueril da inocência dos que tem fé...
Assim quis te olhar, riso franco,
Da cor do espanto, do que se era ou é
E, mesmo sabendo que sem palavras
Dissemo-nos adeus, cena fútil dos dois,
Que nada voltará, nem foi e nem será
Guardo em mim aquele olhar, sem depois...
AREIA MOVEDIÇA
Após tantos dribles, na sorte, no cansaço,
De repente faltou apoio ao meu pé direito
Ainda assim sustentei-me, aos pedaços,
Sem chão, sem mais espaços, sem mais jeito.
Finalmente sucumbi ao abraço da derrota,
Terror do agora vindo do terror do adiante.
E o tempo me tragou, feito areia movediça
Marcando a minha pele, tatuando minha alma
Do inócuo de me saber nada, me saber tarde,
Queimado de sonhos e alquebradas vísceras!
Nem se move o tanto quanto desse durante,
Nem se agitam na febre de baldadas liças,
Num tudo ou num nada que se faz distante.
O que era não faz conta no que é ou mais,
A amargura vence a esperança que se vive
Na esturricada agonia do sempre e do jamais
Escorregada da crença que em mim sobrevive
Pela sentença desse canto antigo do meu ser:
“Ah, se bem me lembro, jamais poderás ter
O que ao mesmo tempo sempre e só eu tive”.
De repente faltou apoio ao meu pé direito
Ainda assim sustentei-me, aos pedaços,
Sem chão, sem mais espaços, sem mais jeito.
Finalmente sucumbi ao abraço da derrota,
Terror do agora vindo do terror do adiante.
E o tempo me tragou, feito areia movediça
Marcando a minha pele, tatuando minha alma
Do inócuo de me saber nada, me saber tarde,
Queimado de sonhos e alquebradas vísceras!
Nem se move o tanto quanto desse durante,
Nem se agitam na febre de baldadas liças,
Num tudo ou num nada que se faz distante.
O que era não faz conta no que é ou mais,
A amargura vence a esperança que se vive
Na esturricada agonia do sempre e do jamais
Escorregada da crença que em mim sobrevive
Pela sentença desse canto antigo do meu ser:
“Ah, se bem me lembro, jamais poderás ter
O que ao mesmo tempo sempre e só eu tive”.
quinta-feira, 30 de junho de 2016
MISTÉRIOS, BANDIDOS!
Sem me dar conta, ou fazer sentido
vou recriando mistérios bandidos
e, vez que outra, meus olhos castanhos
queimam etapas, contam rebanhos.
Agora aponta, de novo, outro inverno
como um pedaço do sempre, do eterno,
de um ir e vir nem assim tão estranho,
por sobre navalhas de um medo tamanho.
O que fazer com esse quase tudo tido
que me arrebata ainda que me tenha ferido
e traz ao futuro, além de minhas crenças,
toda descrença de um ser despossuído?...
Pouco me vale te saber distante,
pouco resolve ter-te tido toda, antes,
se o que passou não volta, está perdido
nas franjas de meus mistérios bandidos!
quarta-feira, 20 de janeiro de 2016
PSEUDO INVENTÁRIO
Há
um pouco de pressa em mim, em nós,
Para
chegar, melhor, para voltar
Após
quase um século de distância
E
poucos metros de ilusão e aprendizado.
O
ritmo não é frenético e a vida cansa
Na
presença da paisagem esquelética
E
célere ida e vinda à criança, à dança,
Tudo
é ânsia, misturados noites e dias
Nesta
elegia elétrica, sendo a esperança
Matiz,
matriz e agora, passando na farsa
Onde
grassam vertigens desgovernadas,
Aurora
do amanhã que já se foi embora.
A noite entrevada deste quase ido, anuncia
O
fim de madrugadas, dos tempos, dos dias...
segunda-feira, 18 de janeiro de 2016
MAIS UMA DO MOLEQUE QUALQUER (Os loucos dados da sorte)
Então,
era tudo isso, Nem bem caía a noite e aos poucos os guris iam indo
para o ponto de reunião e de todas as brincadeiras digamos noturnas;
tal ponto era no único ponto de luz da região, poste de
eletricidade que tinha uma lâmpada de poderosos 100 watts, bem na
esquina formada pelas ruas sete de setembro e vinte e sete de outubro
(hoje, Gregório Beheregary); ali localizava-se o boliche (armazém)
Ferro Carril, do Sargento Camargo, depois dos filhos deste, o Enio e
o Fulô e bem depois dos Monteiros; o boliche que encerrava suas
atividades comerciais por volta das 20:00 horas. Em um noite fria,
tudo fechado reuniram-se naquela esquina, primeiros a chegar, o
moleque e mais três amigos, o Quico, o Gurizote, apelido depois
abreviado para Zote, ambos filhos de D. Mariquinha e do “Seu”
Emílio e o Febrônio, filho de D. Ramona e do “Seu” Monteiro.
Por mera
curiosidade, levando-se em conta os comentários ouvidos pelo moleque
qualquer que, diga-se, não entendeu patavina daquela história
então, o nome Febrônio se devia a um pretenso erro médico pois D.
Ramona ao início da gravidez se sentia tomada de muitas dores e por
isso teria sido encaminhada ao médico obstetra pela parteira-mor da
região, a consagrada e amada por todos, vó Alexandra, que não
detectara nada de anormal que explicasse as dores sofridas; “Seu”
Monteiro veio diretamente da granja que possuía no interior do
município para levar a mulher ao médico e dar andamento às
possíveis consequências dessa visita, compra de remédios na
farmácia, etc. Após minucioso exame físico que realizou, o médico
concluiu que D. Ramona não estava grávida e sim tinha problemas com
fibromas no útero e tais tumores do tecido conjuntivo, felizmente
benignos, é que causavam as dores sentidas prescrevendo imediato
início ao tratamento respectivo mediante remédios comprados à
Farmácia do Carlinhos. De fato, as dores foram amenizadas pelo
tratamento intensivo afastando temores de intervenção cirúrgica
dita possível pelo médico, todavia, a barriga de D. Ramona
continuava a crescer para logo adiante, dizem nem bem completados
sete meses de gestação nascer um guri que o casal resolveu dar o
nome de Febrônio, em jocosa e aliviada lembrança do(s) fibroma(s)
que se é que existiu(ram) não impediu(ram) o feto de cumprir sua
trajetória mesmo que encurtada pelo nascimento prematuro.
Voltemos,
porém, ao principal, naquela noite fria de junho, em que os
moleques, todos beirando os 13 anos de idade, reuniram-se na esquina;
concluíram que eram muito poucos, só quatro, para brincar de
“caçador”, ou de “padeirinho”, mesmo de esconde-esconde e
sem fazer nada, falando “abobrinhas” preferiram aguardar a
chegada dos demais componentes da molecada; aí, o moleque qualquer
lembrou-se de que tinha recortado da revista semanal “O Cruzeiro”
(dos grandes Péricles – do Amigo da Onça; Millor Fernandes – do
Pif-Paf; do repórter David Nasser e tantos outros) uma fotografia da
grande atriz Eva Wilma, de maiô e aquilo sim era uma notícia
encantadora, de outro mundo, aquela mulher muito bonita, sentada com
as pernas à mostra e um sorriso maravilhoso no rosto, olhos
enternecedores; e tudo isso cabia no bolso do moleque que, não sem
antes criar uma curiosidade e expectativa saltitante e sôfrega nos
demais moleques, teceu loas àquele “monumento”.
O
recorte foi disputadíssimo por todos e visto sob todos os ângulos
possíveis à luz do poste e logo alguém resolveu lançar um repto
para todos: poderiam ante àquela maravilhosa visão, inscrevê-la
para sempre na memória e, auxiliados pela sadia e pura imaginação
que se tem naquela idade, quem sabe possuí-la até os confins de um
não sei quê (porque ninguém sabia ao certo o que era o quê no que
se refere e enquanto a natureza se encarrega de produzir e dirigir a
transição da infância impúbere à puberdade). E todos concordaram
realizarem a masturbação que o apelo físico juvenil propunha;
acordaram uma disputa de quem chegaria primeiro ao final e quem mais
longe mandaria seus potentes e viscosos líquidos naturais...Estão
discutindo tudo isso, vamos chamar de regulamento do concurso ou
disputa, quando veem passando o Sérgio “Caveira” que agora
ficava muito bravo quando lhe chamavam de Sérgio “da Porca
ciumenta” eis que, alguns dias antes, “Seu” José, pai dele
tinha lhe dado uma surra com um relho de couro cru, trançado, pois
seu filho entrara na cozinha da casa perseguido por uma das porcas da
criação de animais de corte que o “velho” tinha, com a porca
tentando se “esfregar” no Sérgio que, por sua vez tinha a roupa
suja de barro... “Seu” José antigo nas lides de criação de
animais intuiu que o filho andara de “safadeza” com a porca e, o
sabia como diziam, que após tal procedimento era necessário dar uns
relhaços na porca para não deixá-la se apaixonar pelo “safado
zoomaníaco”.
Pois bem,
convidado a participar do concurso, disputa, Sérgio o mais velho de
todos, recusou-se a atendê-los, dizendo que tinha algo muito melhor
a fazer e, sendo flagrado com uma garrafa de “Praianinha”, uma
cachaça da época, foi interpelado e praticamente obrigado a se
explicar... vais beber? Tu és “bebum”? Para quem tu levas a
canha? Te explica “Da porca”, não vais embebedar a porca não é?
...e por aí formou-se o burburinho até que, vencido, Sérgio
explicou que estava levando a garrafa de cachaça para D. Anastácia
que por isso e em troca ia “dá” p’rá ele... Rebuliço em meio
à gurizada, vamos juntos... se ela vaí “dá” p”rá ti, não
custa nada “dá” p’rá nós... Mas eu paguei a cachaça
sozinho, disse Sérgio.... - Gritou, Febrônio - Não tem problema
nós fizemos uma vaquinha e todos colaboram e tu não terás prejuízo
algum, ao contrário – Todos concordaram, até Sérgio que
complementou – Me deem o dinheiro antes... não me comprometo por
ela, se ela quiser tudo bem, mas se não quiser não devolvo o
dinheiro.
Partiram
todos, os agora cinco guris rumo as bandas da “carretera”,
estrada de chão que ligava Uruguaiana à Queimada e dali, com
intersecções, à Livramento, Alegrete e Quaraí (do célebre e
misterioso Cerro do Jarau que, quem sabe, um dia alguém daquelas
redondezas escreva sobre ele pois dizem que as luzes de lanternas e
lampiões se apagavam dentro dele, sendo nele a residência da
Salamandra, belíssima princesa Moura encantada...). Chegando ao
rancho de D. Anastácia o Sérgio tomou a frente e, como combinado
lhe estendeu a garrafa de cachaça ali mesmo aberta e após um grande
gole disse-nos que concordava em “dar” p’rá todos, que se
organizassem desde que o primeiro seria o Sérgio e depois os outros,
em ordem, sem alarde... Vai o Sérgio p’rá o sacrifício ficando os
outros quatros tentando cada um ser o segundo e ninguém se
entendendo. Quico, então, sugeriu que fosse decidido no “par ou
ímpar” jogo efetuado com os dedos, parecido com o, atual, “papel, pedra,
tesoura”; a decisão foi por maioria já que o moleque qualquer
votou contra tal escolha eis que era péssimo praticante do tal de
“par ou ímpar”, não ganhava de ninguém. Funcionou a máxima de
Murphy “de onde menos se espera, daí é que não sai nada” e o
moleque qualquer foi o último, ficando no aguardo de sua vez...
Todos satisfeitos, chegara a vez do moleque que se encaminhou como um
gladiador de lutas e causas desconhecidas... Olhando-o firme e
resoluta, D. Anastácia sentenciou um aqui jaz que foi blague durante
vários dias repetida pelos “amigos” do moleque...um “Tu não!”
arrepiante, humilhante, acachapante vociferado na cara do moleque que
passou a ouvir todos os dias, toda a hora, por todos que tomaram
conhecimento desse fato parecendo até que o vento, soprando no
taquaral repetia o mortal epíteto: “TU, NÃO!...”, “TU,
NÃO!...”, “TU, NÃO!...”.
Algum
tempo depois, não saberia precisar quanto, em conversa com Quico e
após alguns “Tu, não...” o moleque foi informado que aquele
estava com um problema sobre o qual tinha receio, vergonha melhor
dizendo, de falar aos seus pais... disse ele que ao urinar tinha
muita ardência e algumas dores no pênis e aquilo começara com uma
pequena ardência mas que já estava incomodando muito e não sabia o
que fazer para se curar, tendo vontade até de falar com a D. Vita
que era meio curandeira, meio benzedeira da região, mas que também
tinha vergonha até do marido dela, o Valdemar. O moleque lembrou-se
de um amigo de seu pai, o Jacutinga, que gostava de uma boa serenata
e estava trabalhando como guarda do Serviço de Assistência Médica
Domiciliar de Urgência, o SAMDU, hoje substituído pelo SAMU e que,
homem que era e conhecido do moleque quem sabe pudesse “dar uma
mão” indicando ao Quico o que poderia ser feito ou a quem pedir
ajuda sem que seus pais descobrissem ou ele passasse a vergonha de
escancarar ao mundo suas “partes pubentas”.
Como
sempre, Quico foi convencido pelo moleque e, ambos, se dirigiram ao
SAMDU que ficava em uma esquina, perto da Loja e Oficina de calçados
Mutti, pela Rua General Câmara. Chegando lá o moleque falou com
Jacutinga relatando as dores ditas sentidas pelo Quico; Jacutinga
mandou que ambos esperassem e ingressou no prédio voltando algum
tempo depois com uma determinação que lhe foi dada: Quico seria
atendido imediatamente pelo médico pois poderia ser portador de
doença grave e, mais, era possível que fossem chamados seus pais,
também. Quico olhou para o moleque e disse eu me vou embora e é
agora... –Calma, calma, o Jacutinga disse que é o médico que vai
te examinar e se vai te examinar como é que pode saber se tu ‘tá
ou não ‘tá doente; e bem baixinho, quase no ouvido do Quico: “O
Jacutinga não é de nada, não sabe nada, é só um fiasquento...”.
“Vem comigo então” disse Quico e juntos com um cara vestido de
roupa branca que acharam que era enfermeiro mas devia ser atendente
de enfermagem que naquele tempo tinha ou auxiliar ou técnico, ambos
ingressaram na sala do médico, um jovem boa praça, como também era
o Jacutinga e até o cara da roupa branca.
O médico
mandou Quico arriar as calças e vestindo luvas de borracha e
trazendo uma espécie de bigorninha e martelinho também de borracha,
pegou o pênis do Quico e o colocou por sobre a bigorninha enviando
um sinal com os olhos para o enfermeiro este segurou Quico com força
enquanto o médico dava uma forte martelada na raiz do pênis,
esguichando pus e inflamação retida na uretra... Dói só de
lembrar, também retornando o pavor pelo imenso urro de dor que o
moleque achou foi ouvido até pelos pais do Quico a quatro ou cinco
quilômetros dali. Após isso, o médico determinou injetassem
penicilina no Quico, prescrevendo mais nove aplicações da mesma
injeção, uma a cada dois dias, durante vinte dias e a chamada dos
pais do Quico.
Feito
isso, o médico explicou que aquela doença era chamada de doença
venérea, conhecida por gonorreia ou blenorragia, originária do
gonococos, micróbio que é o agente específico da mesma, doença
que só podia ser adquirida mediante coito ou relação sexual por
pessoa infectada desse micróbio. Por isso precisava que contássemos
a história direitinho para que a pessoa infectada e que estaria
transmitindo a doença pudesse ser tratada, curada. O moleque fez o
relato mais sucinto possível porém, não esqueceu de se reportar ao
famoso “Tu, não” pelo qual vinha sofrendo o que hoje chamamos de
“bulling” para ser bem ameno. O médico pediu os endereços de
todos os participantes, inclusive de D. Anastácia e disse para o
moleque que ele tinha que agradecer aos céus pelo fato de ser tão
ruim no tal de “par ou ímpar” e de, sabe-se lá porque, ter D.
Anastácia sentenciado “Tu, não!”.
Sérgio,
o “Caveira” ou o “Da Porca Ciumenta”, Quico, Gurizote (Zote)
e Febrônio, pela ordem, juntos com D. Anastácia, se submeteram a
tratamento de penicilina que na época, como dizia a marchinha
carnavalesca, curava até defunto e só não curava dor de cotovelo
e, ao que se saiba, pelo menos os guris ficaram curados.
Por muito
tempo o moleque se apresentava ao início ou em meio as algazarras
com seus amigos, com um agora sonoro e bem humorado “Eu, não!”
... A vida seguiu seu curso, antes da natural diáspora daqueles bem
aventurados guris, outras noites frias e quentes presenciaram as
reuniões daqueles moleques tempos lúdicos e inocentes! Tudo e
todos se foram, para sempre!
quinta-feira, 7 de janeiro de 2016
FOLHETIM
Por
vezes sou o que nunca pensei ser,
sem
ter porquês, sem sequer fazer
na vida, na maré retrátil, maré sem fim
de
idas e voltas dentro e além de mim
Também
um sair, andar, voltas de não ou sim
n'um
ir e vir que vem p'rá mim ou sai de mim
Por
vezes me sinto a tese, antítese ou a síntese
do
mal, do bem que há em tudo e assim
cego
de não, cego de sim, início, meio, fim
à
roda viva por entre arestas cor de carmim...
Espelho
e Vida, meu folhetim!
Assinar:
Postagens (Atom)