quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

PSEUDO INVENTÁRIO


Há um pouco de pressa em mim, em nós,
Para chegar, melhor, para voltar
Após quase um século de distância
E poucos metros de ilusão e aprendizado.
O ritmo não é frenético e a vida cansa
Na presença da paisagem esquelética
E célere ida e vinda à criança, à dança,
Tudo é ânsia, misturados noites e dias
Nesta elegia elétrica, sendo a esperança
Matiz, matriz e agora, passando na farsa
Onde grassam vertigens desgovernadas,
Aurora do amanhã que já se foi embora.

A noite entrevada deste quase ido, anuncia
O fim de madrugadas, dos tempos, dos dias...

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

MAIS UMA DO MOLEQUE QUALQUER (Os loucos dados da sorte)


Então, era tudo isso, Nem bem caía a noite e aos poucos os guris iam indo para o ponto de reunião e de todas as brincadeiras digamos noturnas; tal ponto era no único ponto de luz da região, poste de eletricidade que tinha uma lâmpada de poderosos 100 watts, bem na esquina formada pelas ruas sete de setembro e vinte e sete de outubro (hoje, Gregório Beheregary); ali localizava-se o boliche (armazém) Ferro Carril, do Sargento Camargo, depois dos filhos deste, o Enio e o Fulô e bem depois dos Monteiros; o boliche que encerrava suas atividades comerciais por volta das 20:00 horas. Em um noite fria, tudo fechado reuniram-se naquela esquina, primeiros a chegar, o moleque e mais três amigos, o Quico, o Gurizote, apelido depois abreviado para Zote, ambos filhos de D. Mariquinha e do “Seu” Emílio e o Febrônio, filho de D. Ramona e do “Seu” Monteiro.

Por mera curiosidade, levando-se em conta os comentários ouvidos pelo moleque qualquer que, diga-se, não entendeu patavina daquela história então, o nome Febrônio se devia a um pretenso erro médico pois D. Ramona ao início da gravidez se sentia tomada de muitas dores e por isso teria sido encaminhada ao médico obstetra pela parteira-mor da região, a consagrada e amada por todos, vó Alexandra, que não detectara nada de anormal que explicasse as dores sofridas; “Seu” Monteiro veio diretamente da granja que possuía no interior do município para levar a mulher ao médico e dar andamento às possíveis consequências dessa visita, compra de remédios na farmácia, etc. Após minucioso exame físico que realizou, o médico concluiu que D. Ramona não estava grávida e sim tinha problemas com fibromas no útero e tais tumores do tecido conjuntivo, felizmente benignos, é que causavam as dores sentidas prescrevendo imediato início ao tratamento respectivo mediante remédios comprados à Farmácia do Carlinhos. De fato, as dores foram amenizadas pelo tratamento intensivo afastando temores de intervenção cirúrgica dita possível pelo médico, todavia, a barriga de D. Ramona continuava a crescer para logo adiante, dizem nem bem completados sete meses de gestação nascer um guri que o casal resolveu dar o nome de Febrônio, em jocosa e aliviada lembrança do(s) fibroma(s) que se é que existiu(ram) não impediu(ram) o feto de cumprir sua trajetória mesmo que encurtada pelo nascimento prematuro.

Voltemos, porém, ao principal, naquela noite fria de junho, em que os moleques, todos beirando os 13 anos de idade, reuniram-se na esquina; concluíram que eram muito poucos, só quatro, para brincar de “caçador”, ou de “padeirinho”, mesmo de esconde-esconde e sem fazer nada, falando “abobrinhas” preferiram aguardar a chegada dos demais componentes da molecada; aí, o moleque qualquer lembrou-se de que tinha recortado da revista semanal “O Cruzeiro” (dos grandes Péricles – do Amigo da Onça; Millor Fernandes – do Pif-Paf; do repórter David Nasser e tantos outros) uma fotografia da grande atriz Eva Wilma, de maiô e aquilo sim era uma notícia encantadora, de outro mundo, aquela mulher muito bonita, sentada com as pernas à mostra e um sorriso maravilhoso no rosto, olhos enternecedores; e tudo isso cabia no bolso do moleque que, não sem antes criar uma curiosidade e expectativa saltitante e sôfrega nos demais moleques, teceu loas àquele “monumento”.
O recorte foi disputadíssimo por todos e visto sob todos os ângulos possíveis à luz do poste e logo alguém resolveu lançar um repto para todos: poderiam ante àquela maravilhosa visão, inscrevê-la para sempre na memória e, auxiliados pela sadia e pura imaginação que se tem naquela idade, quem sabe possuí-la até os confins de um não sei quê (porque ninguém sabia ao certo o que era o quê no que se refere e enquanto a natureza se encarrega de produzir e dirigir a transição da infância impúbere à puberdade). E todos concordaram realizarem a masturbação que o apelo físico juvenil propunha; acordaram uma disputa de quem chegaria primeiro ao final e quem mais longe mandaria seus potentes e viscosos líquidos naturais...Estão discutindo tudo isso, vamos chamar de regulamento do concurso ou disputa, quando veem passando o Sérgio “Caveira” que agora ficava muito bravo quando lhe chamavam de Sérgio “da Porca ciumenta” eis que, alguns dias antes, “Seu” José, pai dele tinha lhe dado uma surra com um relho de couro cru, trançado, pois seu filho entrara na cozinha da casa perseguido por uma das porcas da criação de animais de corte que o “velho” tinha, com a porca tentando se “esfregar” no Sérgio que, por sua vez tinha a roupa suja de barro... “Seu” José antigo nas lides de criação de animais intuiu que o filho andara de “safadeza” com a porca e, o sabia como diziam, que após tal procedimento era necessário dar uns relhaços na porca para não deixá-la se apaixonar pelo “safado zoomaníaco”.

Pois bem, convidado a participar do concurso, disputa, Sérgio o mais velho de todos, recusou-se a atendê-los, dizendo que tinha algo muito melhor a fazer e, sendo flagrado com uma garrafa de “Praianinha”, uma cachaça da época, foi interpelado e praticamente obrigado a se explicar... vais beber? Tu és “bebum”? Para quem tu levas a canha? Te explica “Da porca”, não vais embebedar a porca não é? ...e por aí formou-se o burburinho até que, vencido, Sérgio explicou que estava levando a garrafa de cachaça para D. Anastácia que por isso e em troca ia “dá” p’rá ele... Rebuliço em meio à gurizada, vamos juntos... se ela vaí “dá” p”rá ti, não custa nada “dá” p’rá nós... Mas eu paguei a cachaça sozinho, disse Sérgio.... - Gritou, Febrônio - Não tem problema nós fizemos uma vaquinha e todos colaboram e tu não terás prejuízo algum, ao contrário – Todos concordaram, até Sérgio que complementou – Me deem o dinheiro antes... não me comprometo por ela, se ela quiser tudo bem, mas se não quiser não devolvo o dinheiro.

Partiram todos, os agora cinco guris rumo as bandas da “carretera”, estrada de chão que ligava Uruguaiana à Queimada e dali, com intersecções, à Livramento, Alegrete e Quaraí (do célebre e misterioso Cerro do Jarau que, quem sabe, um dia alguém daquelas redondezas escreva sobre ele pois dizem que as luzes de lanternas e lampiões se apagavam dentro dele, sendo nele a residência da Salamandra, belíssima princesa Moura encantada...). Chegando ao rancho de D. Anastácia o Sérgio tomou a frente e, como combinado lhe estendeu a garrafa de cachaça ali mesmo aberta e após um grande gole disse-nos que concordava em “dar” p’rá todos, que se organizassem desde que o primeiro seria o Sérgio e depois os outros, em ordem, sem alarde... Vai o Sérgio p’rá o sacrifício ficando os outros quatros tentando cada um ser o segundo e ninguém se entendendo. Quico, então, sugeriu que fosse decidido no “par ou ímpar” jogo efetuado com os dedos, parecido com o, atual, “papel, pedra, tesoura”; a decisão foi por maioria já que o moleque qualquer votou contra tal escolha eis que era péssimo praticante do tal de “par ou ímpar”, não ganhava de ninguém. Funcionou a máxima de Murphy “de onde menos se espera, daí é que não sai nada” e o moleque qualquer foi o último, ficando no aguardo de sua vez... Todos satisfeitos, chegara a vez do moleque que se encaminhou como um gladiador de lutas e causas desconhecidas... Olhando-o firme e resoluta, D. Anastácia sentenciou um aqui jaz que foi blague durante vários dias repetida pelos “amigos” do moleque...um “Tu não!” arrepiante, humilhante, acachapante vociferado na cara do moleque que passou a ouvir todos os dias, toda a hora, por todos que tomaram conhecimento desse fato parecendo até que o vento, soprando no taquaral repetia o mortal epíteto: “TU, NÃO!...”, “TU, NÃO!...”, “TU, NÃO!...”.

Algum tempo depois, não saberia precisar quanto, em conversa com Quico e após alguns “Tu, não...” o moleque foi informado que aquele estava com um problema sobre o qual tinha receio, vergonha melhor dizendo, de falar aos seus pais... disse ele que ao urinar tinha muita ardência e algumas dores no pênis e aquilo começara com uma pequena ardência mas que já estava incomodando muito e não sabia o que fazer para se curar, tendo vontade até de falar com a D. Vita que era meio curandeira, meio benzedeira da região, mas que também tinha vergonha até do marido dela, o Valdemar. O moleque lembrou-se de um amigo de seu pai, o Jacutinga, que gostava de uma boa serenata e estava trabalhando como guarda do Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência, o SAMDU, hoje substituído pelo SAMU e que, homem que era e conhecido do moleque quem sabe pudesse “dar uma mão” indicando ao Quico o que poderia ser feito ou a quem pedir ajuda sem que seus pais descobrissem ou ele passasse a vergonha de escancarar ao mundo suas “partes pubentas”.

Como sempre, Quico foi convencido pelo moleque e, ambos, se dirigiram ao SAMDU que ficava em uma esquina, perto da Loja e Oficina de calçados Mutti, pela Rua General Câmara. Chegando lá o moleque falou com Jacutinga relatando as dores ditas sentidas pelo Quico; Jacutinga mandou que ambos esperassem e ingressou no prédio voltando algum tempo depois com uma determinação que lhe foi dada: Quico seria atendido imediatamente pelo médico pois poderia ser portador de doença grave e, mais, era possível que fossem chamados seus pais, também. Quico olhou para o moleque e disse eu me vou embora e é agora... –Calma, calma, o Jacutinga disse que é o médico que vai te examinar e se vai te examinar como é que pode saber se tu ‘tá ou não ‘tá doente; e bem baixinho, quase no ouvido do Quico: “O Jacutinga não é de nada, não sabe nada, é só um fiasquento...”. “Vem comigo então” disse Quico e juntos com um cara vestido de roupa branca que acharam que era enfermeiro mas devia ser atendente de enfermagem que naquele tempo tinha ou auxiliar ou técnico, ambos ingressaram na sala do médico, um jovem boa praça, como também era o Jacutinga e até o cara da roupa branca.

O médico mandou Quico arriar as calças e vestindo luvas de borracha e trazendo uma espécie de bigorninha e martelinho também de borracha, pegou o pênis do Quico e o colocou por sobre a bigorninha enviando um sinal com os olhos para o enfermeiro este segurou Quico com força enquanto o médico dava uma forte martelada na raiz do pênis, esguichando pus e inflamação retida na uretra... Dói só de lembrar, também retornando o pavor pelo imenso urro de dor que o moleque achou foi ouvido até pelos pais do Quico a quatro ou cinco quilômetros dali. Após isso, o médico determinou injetassem penicilina no Quico, prescrevendo mais nove aplicações da mesma injeção, uma a cada dois dias, durante vinte dias e a chamada dos pais do Quico.

Feito isso, o médico explicou que aquela doença era chamada de doença venérea, conhecida por gonorreia ou blenorragia, originária do gonococos, micróbio que é o agente específico da mesma, doença que só podia ser adquirida mediante coito ou relação sexual por pessoa infectada desse micróbio. Por isso precisava que contássemos a história direitinho para que a pessoa infectada e que estaria transmitindo a doença pudesse ser tratada, curada. O moleque fez o relato mais sucinto possível porém, não esqueceu de se reportar ao famoso “Tu, não” pelo qual vinha sofrendo o que hoje chamamos de “bulling” para ser bem ameno. O médico pediu os endereços de todos os participantes, inclusive de D. Anastácia e disse para o moleque que ele tinha que agradecer aos céus pelo fato de ser tão ruim no tal de “par ou ímpar” e de, sabe-se lá porque, ter D. Anastácia sentenciado “Tu, não!”.

Sérgio, o “Caveira” ou o “Da Porca Ciumenta”, Quico, Gurizote (Zote) e Febrônio, pela ordem, juntos com D. Anastácia, se submeteram a tratamento de penicilina que na época, como dizia a marchinha carnavalesca, curava até defunto e só não curava dor de cotovelo e, ao que se saiba, pelo menos os guris ficaram curados.

Por muito tempo o moleque se apresentava ao início ou em meio as algazarras com seus amigos, com um agora sonoro e bem humorado “Eu, não!” ... A vida seguiu seu curso, antes da natural diáspora daqueles bem aventurados guris, outras noites frias e quentes presenciaram as reuniões daqueles moleques tempos lúdicos e inocentes! Tudo e todos se foram, para sempre!

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

FOLHETIM



Por vezes sou o que nunca pensei ser,
sem ter porquês, sem sequer fazer
na vida, na maré retrátil, maré sem fim
de idas e voltas dentro e além de mim

Também um sair, andar, voltas de não ou sim
n'um ir e vir que vem p'rá mim ou sai de mim

Por vezes me sinto a tese, antítese ou a síntese
do mal, do bem que há em tudo e assim
cego de não, cego de sim, início, meio, fim
à roda viva por entre arestas cor de carmim...


Espelho e Vida, meu folhetim!