Olhava o córrego refletindo nesgas de céu
e o comparava a sua própria existência:
também transitara por leitos a si destinados
refletindo nesgas de céu, sem contê-lo;
às vezes, com a impessoalidade do espelho
outras, com projetos somados ao que refletia.
O anzol sequer dava sinal de esperança ou vida
(vida que a minhoca, embora a luta, entregara)
diante do descompasso e enfado dos peixes.
Ora, como peixe desprezara tantos anzóis
por sabê-los engôdos que a dor contém;
como minhoca, dera a vida a anzóis errados
atraindo olhares e ações gulosas.
Só anzol não fora, assim pensava... ou fora?...
De repente, agitação na linha e na água,
um idiota, como ele, vencera a dúvida
e se jogara, corpo inteiro, ao destino.
Era a vida presa aos enganos e curvas,
de novo atraída pelos encantos do proibido,
debatendo-se vã, às forças últimas...
Puxou a linha, à ponta, um peixe pequeno,
boca dilacerada, sufocando no gasoso,
extinguindo a vida, rebelada e vã
à morte que vinha, que vinha, que vinha...
Berrou, então, ao ouvido do peixe:
"Idiota!" e o enviou de volta às águas...
Encerrou a pescaria sem haver pescado
nada além do que um pouco de si mesmo,
refletido que estava na história vivida...
Aos amigos diria, mais tarde, sobre pescaria:
"Meu maior peixe é o amanhã que sou
sendo a vida a maior de todas as pescarias!"