sábado, 5 de dezembro de 2020

NO ESCURO

Fraco, me submeto aos desvãos da vida / como um caracol, em eterna defensiva; / calado, assisto o desmantelar de sonhos / e a perversidade da dor da despedida. / A vida passa sem que o real dela se viva / e às tantas mudanças a que me proponho / não passam de viradas dos calendários / e assim sigo não caudal, mas caudatário. / Não me surpreendem mais tantas picuinhas / nem mais me irritam, somente me magoam,/ o que fiz, o que não fiz, às coisas minhas / machucam a mim, antes que em outros doam. / Fazer significante o que nem é significativo / verbalizar loucuras, tentar animar o inanimado / não torna nobre ou melhor qualquer objetivo / antes e novamente crucifica o crucificado. / Por que fazer do nada imensa tempestade? / use, para enaltecer o bem, tanta energia / e se cada um assim fizer, a humanidade, / haverá de realmente viver à luz do dia! ...

UTOPIA

Envergonhado com o que ocorria / escondeu-se o sol por entre sogas de desvalia / ali permanecendo até a vinda de outra estrela / envelhecida e tão amarelecida quanto ele / talvez com menos morte, quem sabe menos vida, / menos forte para que se pudesse de frente vê-la. / Envergonhado o sol, fazer ou mudar, nada podia / diante da ganância, cobiça, roubos, má liturgia / que nos homens explodia. Quem sabe o novo astro / clareasse idéias, purificasse ações e intenções / do que antigos homens e deuses deixaram rastros. / Enquanto isso, anoitecia, enquanto isso, morria / o último ser humano pleno de chagas e heresias, / no ritual, busca selvagem, da inatingível utopia... / / E, pasmem, Ulisses à Penélope jamais voltaria!

NÁUFRAGO

Venho e me coloco vestido de argumentos / Tu, despida, faz-me o contraponto no espanto / dos acalantos que de há muito se afastaram / até dos pensamentos; se de nada sei, desconto / no pranto que te banha, as pequenas gotículas / que se multiplicam em cachoeiras de lágrimas / distribuindo forças ao gaguejar das vírgulas. / Diante disso a lógica se desfaz em reticências / nas essências de corpóreas e imateriais curvas / e o sol brilha diante do insuspeitável etéreo / trazendo mais que luz aos meus olhos com raios / rasgando o entardecer dos meus mistérios / como se fossem refúgio ao meu final naufrágio.

AOS MEUS AMORES

Não quero, nem me deixem deixá-los mal, / Ninguém! / Ainda que eu fique, ou vá e como tal, / Aquém! / Importam-me meus amores, que eles sigam / Além! / Pois neles sou, por menos que o digam, / Alguém! /

FIM DE CAMINHO

Há uma insuperável distância entre o que deveria ter feito / e o que fiz; nem adiantam lamentos, tristezas, desculpas vãs / para preencher o vazio no peito, sem jeito de me dar por feliz, / de ser feliz, nos estrebuchados amanhãs de repetidos hoje, / ontem e, antes disso, para além do outrora, sem outro espaço / que não chorar o eterno agora que escapou dos meus braços. / É como, acaso o tempo dividido em sua unidade, momentos, / um a um escoando entre meus dedos lisos, escorregadios, / viessem a parar e eu andasse na corda bamba dos desvarios / e ainda assim não trouxesse de volta os que deixei ao relento / e nem soube o quanto eram importantes para mim, então / e para sempre! Para além das horas e muito além do céu / alguém depositou flores germinadas nestes sim e não / que usei bastante enquanto murchavam todas as quimeras, / essências belas desse quase tido que sequer vivenciei / trocadas por um punhado de encantos de perecível léu. / / E o que passou, se foi! ... E o que ficou, ... eu sei!