quarta-feira, 30 de setembro de 2020

DEBALDE

Ouço barulho de passos femininos na despetalada calçada do meu nada / e de novo, os sinto passando sem pausa, ou sutileza, ou pressentimento. / Apenas o toc-toc da batida dos saltos finos transmitem aos meus ouvidos / um nunca mais que teima em brincar de um esconde-esconde, sem sentido. / Do quase tido que nunca me abandonou, único flerte que não me abandona, / tatuando a pele com a desesperança e morte de sonhos que foram só meus / … e, quem sabe, e como acreditei e mais desejei, possam terem sido teus...! / Após o insensível ruído, de novo o silêncio retoma a cena e vem à tona, / não sei como ele explode tanto quanto o conhecido som do desalento / vestindo-se de solidão, íngreme estrada que se alimenta de tormentos. / Pequeno que sou, menor me sinto e, bem assim, muito menor eu fico / nesta modorrenta fase do nem sempre visto ou vivido, nem jamais dito, / calando a frase presa à garganta dessa infindável bruma em que me vejo, / ao relento das promessas vãs, agouro de pássaros, sem trinado ou solfejo / no horizonte impregnado dos fracassos produzidos por um idiota antigo / que teima em me mostrar como eu fui, como eu sou e o que eu fiz comigo!

sábado, 19 de setembro de 2020

ESTÁ ESCRITO

Dia virá que a bonanza se fará / E tudo igual / E por igual, se tornará/ Dia virá que o castigo passará / E radiante de luz / O sol à terra voltará/ A solidão do isolamento findará / E o sol da vida, / O amor, rebrilhará/ E como se fosse uma fênix* / A humanidade, desse inferno ressuscitará/ Livre da dor, do desamor, da desigualdade, de todo mal, do egoísmo,/ E toda será, plena de sonhos, de infinito, impregnada de iluminismo. **/ - - - - - - - - Dia virá que um de nós não virá / E acontecendo, nada de novo ocorrerá/ E tudo igual assim continuará, / Tudo haverá de ser no ser e assim será/ Livre da escravidão do ter que não estará / Nas lições que o bem ensinará/ E a humanidade na ciência e fé, assim somadas, ao seu destino retornará/ Como se fosse um bouquet de flores perfumadas em alegrias e sorrisos,/ Realizará, ratificará, se beneficiará da obra de Deus partejando paraísos. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- (*) Fênix (s) s.f. (mit.) Ave fabulosa que durava muitos séculos e, queimada, renascia das próprias cinzas; (fig.) o que é único em seu gênero; pessoa de singular merecimento; (astron.) uma das constelações austrais. (Do lat. Phoenix). (Dicionário Brasileiro Zero Hora, Ed. RBS/ZH, 1984, Porto Alegre, Rs). (**) Iluminismo s.m. (fr. Illuminisme) 1. Movimento intelectual europeu do séc. XVIII, caracterizado pela defesa da ciência e a racionalidade crítica no questionamento filosófico (inicial maiúsc.). 2. Doutrina mística fundada na crença em uma iluminação interior, inspirada por Deus. (Dicionário Enciclopédico Ilustrado Veja Larousse, Ed.abril, São Paulo, 2006, 1ª Ed. brasileira, Volume 12, pág. 1348).

sábado, 5 de setembro de 2020

PLENITUDE

Cansei de viver no ontem, no futuro, no indizível / passando pelo hoje, quase imperceptível! / Quero viver o agora, o agora eu quero viver / intensa e unicamente mesmo que tenha de morrer / ou matar o antes, o depois e quem sabe o durante, / não importa, ressuscitar o eterno dos instantes, / viver plenamente o sublime sem medo, sombras / ocultas nas trevas e riscos do que me assombra, / sem me deixar cegar pela falsidade e o brilho / desse efêmero ter e da dor do passar e ir embora / acorrentado à contagem do escoar das horas!

COMENDO MELANCIA

Então parei, em meio à balburdia do meu dia a dia / Ouvi a melodia de um tango antigo, segurei na régua / O furacão impreciso, furioso, que sopra sem trégua / Do fundo da vida, pás do moinho chamado outrora / Que segue girando ironias nas franjas da desilusão, / Da ausência, da desesperança, dessa antiga solidão / Que traz tua imagem esculpida na canção sonora / Destravada, desenvolvida em repetição, labirintite / Do raspar de uma agulha sobre um LP quebrado / Golpeando minha existência que sem filtro ou tema / Se deixa bailar no girar de calcanhares, de teoremas, / No trôpego andar do trem das minhas esquisitices / Rumo à poeira dos tempos e deste silêncio pesado / Que ressoa pelo vento de uma manhã que não veio / Adormecida no ontem transformado em sementes / De esperas jamais germinadas e, ao fim e ao meio, / Naquela melancia, verde como se fosse um espelho / Do que viria logo adiante, findo o sumo vermelho / Sugado até a última gota, em um último repente / Do bandoneon com o fole em derradeiro lamento / Da inumerável canção que desabrocha momentos.