segunda-feira, 19 de setembro de 2016

POR DO SOL - Continho


Já realizara várias atividades no Foro Cível, Central quando foi gentilmente interpelado por uma pessoa que perguntou:- “Lembras de mim?”. A idade, o tempo transcorrido, a indubitável dificuldade em reter fisionomias, tudo conspirava para que fosse honesto e dissesse “Não, não lembro” mas a pergunta e o semblante de quem perguntava era tão simpático que exigia um pouco de compostura, gentileza. Por isso respondeu sorrindo, com evasivas, enquanto buscava no fundo de si mesmo um lampejo de lembrança, uma luzinha que fosse...

“Fomos colegas na UFRGS, nos formamos juntos, 'tá certo que eu estudava pela manhã, tu à noite, mas naquele vinte de dezembro, mágico e de feliz lembrança, estávamos sentado lado a lado ansiosos aguardando o chamado à colação de grau... somos colegas e até hoje guardo comigo alguns escritos que cometeste, então... tem um poema que eu tenho certeza que o escreveste para mim, naquele dia em que me viste à mesa, no bar da faculdade, o bar do Jaime e me achando triste, célere, escreveste o 'Monólogo', lembra?... ali, na hora, no improviso... cujo original eu guardo até hoje e seguidamente mostro aos meus amigos, coisa linda... Falando nisso, ainda escreves?” - “Sim..." - balbuciou - "... ainda cometo alguns escritos, não com a mesma freqüência daquela época, todavia...” 

- “Eu lembro, também do 'Adeus' e daquele poema que tratava dos gêmeos no ventre materno (O Direito de Estar Só), dentre outros, como o 'Mutante' (que uso para não dizer minha idade), o 'Eu não sei', etc, etc...” … Meio constrangido, respondeu quase inaudivelmente - “Que bom ouvir isso...”.

Convido-te a tomar um cafezinho, colega, e continuar lembrando os velhos tempos, aqueles professores maravilhosos como nosso paraninfo, o Dr. Antônio Costa e Silva, professor titular do departamento de Direito Civil, a Dra. Isabela, também do Civil, o gênio processualista civil mundialmente reconhecido, Dr. Galeno Velhinho de Lacerda, então ilustre Desembargador, e seu atento auxiliar, Dr. Noronha... além dos também professores e doutores, Lubianca da Medicina Legal, Ney Arendt do processo civil, Luiz Prunes e Leite, do Trabalho, Marco Aurélio Oliveira, Reginaldo Felker, Pitta Pinheiro, Otávio Caruso da Rocha, Lenine, dentre tantos outros sábios da época...”...

Juntos, ingressaram na sala da OAB/RS do Foro Central para saborear o cafezinho prometido.

Alguns momentos depois, com os olhos voltados à janela, visualizaram a paisagem que dali se mostrava... Quase ao fim da tarde, ao entardecer, é verdade, aquele dia de sol dava adeus a Porto Alegre, nossa bela capital e ao Guaíba (Rio?, Ria?, Lago?, ninguém, ou ele, saberia definir com certeza, reverberando-se, todos, em incontornável controvérsia) e, como todos os porto alegrenses sabem e se deliciam (e até mesmo os porto alegrenses por empréstimo como ele, um uruguaianense), com a visão, repetida, do seu sempre presente lindíssimo por do sol...

- “Não é lindo?... Devias escrever sobre isso... porque não, agora? ...” - “Tal tema já foi explorado por mim no poema chamado 'Sol Posto', acho que não o conheces...“ - "Declama, então, para mim, claro se puderes...” - “...Está bem, lá vai, espero que gostes: 

                                                       'Sol Posto

E cai a tarde assim/ Como a zombar de mim/ Mostrando o que perdi/ Suspenso por um triz/ O sol morre infeliz!.../ ...Como eu também morri!/
É tanto o encantamento/ Da dor, neste momento/ Registro a olho nu/ E a cor da tarde calma/ Esvai-se como a alma/ da tarde que foi tu.../

Mas, amanhã é certo/ O sol aceso, esperto/ Inteiro e renascido/ Virá banhar de luz/ A vida que seduz/ A todos os sentidos.../

Cá dentro o meu sol, posto/ Expulsa para o rosto/ A noite em que estou.../ Nenhum sonho me diz/ À frente o dia feliz/ Da tarde que voltou'...”

  • Olha, continuas o mesmo... Quero que dites para mim anotar essa beleza...” - “Está bem, lá vai...” e com toda a calma, lisonjeado até, viu a pessoa, sofregamente, anotar em uma agenda, o poema antes declamado...

Com um certo entusiasmo, ao final, disse que entendia tal poema apropriado não apenas à beleza daquele e de outros tantos por de sol, também ao momento vivido pelo País, castigado pela trapaça e corrupção, também pela dupla gre-nal, mal das pernas no Brasileirão, tanto o seu Inter, sua religião e paixão, como o Grêmio de alguns dos seus amigos (este ainda que em menor escala de sofrimento) todos sem exceção, torcendo para que seus respectivos amanhãs cheguem cheios de sol, aceso, esperto, banhando de luz a vida que seduz a todos os sentidos... ou que o sonho possa trazer de volta a tarde que voltou ou os dias felizes que todos esperam voltar a viver... Tomara!

Findo o cafezinho, despediram-se com as mesmas promessas que todos os amigos fazem (e, infeliz e dificilmente, cumprem) de logo adiante tomarem outros cafezinhos e jogar conversa fora, felizes apenas pelo fato de, por alguns instantes, recuperarem um pouco dos sonhos que vivenciaram em momentos ditos marcantes na vida de cada um... Tomara!