Os ratos (e o
gato!)
Então o gato se ausentou por algum tempo de seu
habitat deixando os ratos à vontade. Livres da presença do gato, os milhares de
ratos oprimidos resolveram se reunir para analisar uma saída que,
obrigatoriamente, afastasse em definitivo o gato e os oprimidos ratos pudessem
viver sua vida sem servirem com suas próprias vidas, banquete ao gato.
Daí os ratos fizeram uma assembleia geral e ao som da
Marselhesa ou da marchinha “Me dá um dinheiro aí”, começaram-na para decidirem
suas vidas... e para presidi-la elegeram um Rato Filósofo.
Um rato velho, de cara pachorrenta, enrugada e tímida foi o primeiro a falar convencido
que a idade lhe dava tal primazia; e disse que dentre os jovens deveriam ser
eleitos representantes que seriam liderados por ele, afinal, era o mais velho,
mais experiente, etc., etc. Excluindo a si próprio, defendia a igualdade dentre
todos os demais. Ele por tudo o que representava, era um igual, mais igual do
que os outros, indiscutivelmente... À formação do Estado necessário eleições
dos iguais via voto sufragado em urna, com a plebe sendo votante e tais iguais
votando e sendo votados. As premissas básicas do Estado seriam a ordem, o
progresso na defesa do rato, pelo povo. Ao líder máximo, o comando máximo, aos
iguais votados um bocado de poder suficiente para o locupletamento justo e, vez
que outra, muito raramente é verdade e nunca no mais igual dos iguais, as moscas
poderiam ser substituídas.
Alguns visando ingresso e aptidão para ser um dos
iguais votados, aplaudiram a ideia, outros, poucos como sempre nestes casos, já
se sentido na condição de votante e executor na prática da defesa contra o
gato, vaiaram estrepitosamente; a maioria dos participantes da Assembleia, como sempre, aliás, quedou-se silenciosa...
Nesse pequeno intervalo, um outro rato levantou-se e berrou seu
ponto de vista que consistia, basicamente, em comportarem-se os ratos, como o
gato e o mais forte, ágil, hábil e inteligente dentre eles, seria eleito o
líder, o mais igual, chamassem-no como o chamassem e ocuparia o posto maior de
comandante, na defesa do rato, e sob tal liderança todos marchariam contra o
Gato, dominando-o, expulsando-o, devorando-o até..
Em cima da fala deste, outro rato anunciou aos berros sua contrariedade pelo que
chamou de imposição natural, isto é, a igualdade pretendida não existia quer
com relação ao gato, quer com relação aos ratos, entre si; que tal trololó
havia varado séculos e custado muito sangue à humanidade ou de todos os
insensatos que acreditaram naquela balela. A única igualdade concebível e
factível de existir entre os homens derivava, sempre de suas próprias desigualdade.
Tentando ser mais claro, vociferou: Nos somos iguais em nossas desigualdades,
somente e em tal paradoxo está contida toda a verdade que os enganadores dos
sonhos e ingenuidade alheia prezam excluir. A igualdade pretendida era tão
fictícia quanto fictícia seria a defesa contra o gato. Defendeu com ardor que
era preciso criar-se algo mais concreto que fosse superior a qualquer rato
individualmente e a soma de todos os ratos, enfim um consenso mundial entre
todos os ratos para marcharem contra os gatos, capaz de enfrentá-los obrigando-os
a aceitar a convivência pacífica ou então destruí-los, invertendo a história...
Da mesma forma como antes o fizera o velho rato que primeiro falara, este
habilmente colocou-se no ponto mais alto da pirâmide social que tentara
erigir...
Como das vezes anteriores à reação imediata elevou-se o
tom do vozerio infernal, prós e contra vociferavam, pela igualdade, pela
liderança, outros ainda, pela força, enfim a assembleia era o caos verdadeiro,
a Babel dos ratos.
Por sobre o som da algaravia, ouviu-se o alerta voz de um rato gozador:
“Aí vem o Gato!”
Foi uma confusão geral, gritos, atropelos, fugas,
desmaios, prantos, uma tristeza que prostrou até o próprio presidente da
assembleia, o Rato Filósofo, que constatou tristemente que a igualdade apenas se
cristalizara no medo, concluindo fatalisticamente que para cada milhão ou
bilhão de ratos, bastava um gato apenas; pior ainda, a simples lembrança ou
menção do nome dele, bastava...
Dissipada a Assembleia pelo corre-corre das aflições
e quimeras, o Rato Filósofo que, pasmo, a tudo assistira e se quedara perdido em
divagações ficando absorto, solitário, inerte, bem mais fraco do que antes sabia que o era, permaneceu de olhos fechados...
Enquanto isso, o gato que enfim chegara de improviso e
faminto, devorou o Rato Filósofo e concluiu, com sólidas razões que os ratos,
filósofos ou não eram iguais no sabor pelo menos...
E para o Gato, isso era tudo quanto bastava saber...
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