segunda-feira, 17 de junho de 2013

MAIS OUTRAS PEQUENAS HISTÓRIAS... (Continhos)


Outra vítima foi, merecidamente diga-se, o Tenente Octacílio, militar respeitado na região por seu garbo e imponência (parecia que olhava os outros, do alto de sua soberba), dono do terreno da esquina, considerável área de terras em que plantava hortaliças e outras plantas, com canteiros bem cuidados, um primor, tendo no centro a residência, grande construção, arredondada, de madeira, com teto de zinco e aberturas, portas e janelas, “enfeitadas” com vidros em pequenos quadrados, por toda a extensão deles, certamente para a luz do dia por eles ingressar. Pois bem, uma tarde, em meio a disputa de “cortes” (esclareça-se que tal disputa consistia em, uma vez para cada um, tentar cortar o barbante retesado da pandorga remontada-como se dizia quando a pandorga estava no ar- através de um elemento cortante, normalmente uma lâmina de barbear, preso ao fim da “cola” ou cauda de cada pandorga) cortaram o barbante da pandorga preferida do moleque, um “marimbondo” branco e amarelo que, pela força do ar zumbia intensamente; e lá se foi ele, correndo atrás enquanto ela caía, fazendo piruetas no céu, direto em meio à plantação do Tenente, lá estancando a queda, sem danos, inteira.
O moleque bateu palmas à frente da casa do empertigado militar e logo, logo, veio ele atender ao lado de seus dois cachorros policiais, bestas feras que intimidavam e afastavam qualquer visitante, por mais corajosos que fossem. De verdade, o moleque tinha medo daqueles cachorros.

- O que tu queres, guri? – perguntou, vociferando.

- É a minha pandorga que caiu e está lá no meio de sua plantação de couve... por favor, o Sr. poderia me deixar entrar para apanhá-la ou buscá-la para mim (claro que, então, o português não era bom – até agora é mais ou menos - nem a concordância era tanta, vicío que se pega depois e não se consegue dele desgrudar).

- Deixa que eu te trago – falou o Tenente, encaminhando-se à busca a pandorga em meio à plantação...
De lá a trouxe inteira e quando chegou à frente do moleque, antes de entregá-la, fechou a mão grande que possuía reduzindo a pandorga a um feixe de varetas quebradas e papel rasgado, arremessando o produto de sua “criminosa” atitude, por sobre a cerca de arame farpado que separava sua propriedade da rua (que não era asfaltada, repita-se).
Estarrecido, indignado, o moleque, puxou do bolso traseiro de sua calça remendada, sua “funda” ou “bodoque”, ou ainda “atiradeira”, e munindo-se da munição que a rua e o campo lhe oferecia, mais conhecida como pedra, botou a correr o Tenente e seus cachorros que foram se abrigar na casa... mesmo assim e ainda indignado e cego pelo ocorrido, continuou o moleque a “chumbiar” (atirar pedras com a funda) a casa, especialmente quebrando, um a um, todos quadrículos de vidro das janelas e portas, bem como, atirando as maiores pedras no telhado de zinco... Foram dez ou quinze minutos, quem sabe uma eternidade de terror para o Tenente e seus cachorros que por certo jamais esperaram ou esqueceram tal reação...
Desnecessário dizer da alentada queixa que o Tenente apresentou aos pais do moleque, pretendendo ressarcimento dos prejuízos. O pai do moleque, ponderada e sensatamente, quis saber sua versão sobre o ocorrido... Contada a verdade, mostrada a horripilante prova, ao que ficara reduzido o antes majestoso “marimbondo”, após chamar a atenção do moleque para não mais reagir com violência diante da violência externa, nem se deixar escapulir do eixo em que deveria sempre assentar a razão (o velho pai sempre aconselhava: “Meu filho, jamais esqueça, some o coração à cabeça”), voltou-se ao Tenente e, serenamente disse-lhe que, por vias tortas, tinha recebido de volta o justo preço por sua equivocada atitude e que não iria ressarci-lo pois merecidamente colhera o que plantara e, acaso pretendesse ir além, bem poderia este buscar o Judiciário e nele escancarar sua falta de sensibilidade diante da criança que o moleque era, portando-se daquela forma, como um moleque qualquer, com idade moral inferior a do próprio moleque que apedrejara a si, seus cachorros e sua casa... O Tenente jamais ingressou no Judiciário...
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Recentemente tinha falecido sua avó, que sempre o defendia (era um santinho para ela, “meu São José”, como dizia; fato comprovado por sua mãe através do relato da D. Conga, uma vizinha que ao vê-lo passando abraçado à avó, dissera “o moleque é um anjo com a avó do lado... mas quando vai sozinho, é um demônio feito gente”; Ocorre que a casa da D. Conga ficava a meio caminho da escola, tinha uma cerca branca, de ripas de madeira, que era um chamativo para que nela se passasse uma vara fazendo um som que alertava os sete cachorrinhos basset, que D. Conga criava; os “lingüiças” passavam correndo por entre as ripas da cerca e perseguiam o moleque que ia em disparada até a primeira esquina e lá chegando se munia de diversas pedras e as atirava com a mão ou com a funda contra os pobrezinhos dos cães que recuavam e prudentemente voltavam para casa... todos os dias isso acontecia obrigando D. Conga a prender os pobres animais para não serem apedrejados na hora da ida e da vinda do moleque à escola) ...
      1. Conga era mulher do “Seu” Rui que, como o "Seu" Maragato, era um homeopata que curava todo o mundo da região com seus acônitos, mercúrios,arsênicos e beladonas, e que, também como o "Seu" Maragato,    gostava de um carteado (jogos de cartas, jogos de azar) no “Seu” Emílio ou Clube Sete de Setembro onde tinha jogos de “tava" (“jogo do osso” para muitos), de bochas e de cartas (truco, pife, sueca, vinte e um, bacará, etc.) e/ou no Caça e Pesca, clube do centro da cidade. 
O "Seu" Maragato era marido da professora, D. Diamantina, severa, dedicada educadora, fundadora da Escola Rui Barbosa que até hoje existe em Uruguaiana e que alfabetizou muita gente boa, uma molecada infernal e mal comportada de então, a qual disciplinava principalmente através da palmatória com a qual distribuía bolos às mãos dos infratores.

O certo é que todos, desde o Tenente Octacílio, passando pelos "Seu" Rui e "Seu" Maragato, mais D. Conga e D. Diamantina, e todos os citados nas "histórias" aqui contadas, foram pessoas que integraram o universo mágico do moleque, detentoras do seu respeito e carinho, ainda que tenha ele sido tão sapeca e "língua solta".
  
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A área em que o moleque nasceu tinha inesgotável nascente d’água formando uma cacimba, logo adiante o poço de onde “tirava água” potável para beber e, seguindo um filete d’água que a medida que avançava campo à fora ia engrossando, formando, no meio, uma espécie de piscina que o moleque chamava de açude ou sanga, onde este e outros tantos parceiros regalavam-se nos escaldantes verões da época, tomando banho, nadando, divertindo-se.
Também tinha muitas plantas frutíferas, laranjeiras, bergamoteiras, pessegueiros, pitangueiras, amoreiras e até uma figueira que dava os figos mais gostosos que o moleque provou na vida (somente os figos ele esperava para comer maduros; o restante das frutas, eram comidas “verdes” p’rá não dar chance de que outros o fizessem). Ah, tinha o tomateiro, relíquia de sua avó que o plantava regado a muito zelo e sem adubo químico, cujo fruto, colhido no pé e com uma pitadinha de sal, tinha inolvidável sabor. O campo ainda oferecia plantas rasteiras que desabrochavam em abóboras, melões e melancias, como por milagre já que, para conhecimento do moleque, ninguém as plantava ou cuidava, simplesmente apareciam por geração espontânea da natureza.
As duas pitangueiras frutificavam em diferentes épocas, nunca concomitantemente. Um dia mandaram o moleque comprar fósforos no “bolicho” do “Seu” Fífi que ficava em meio a um arvoredo e, neste, reluzia uma pitangueira com lindos frutos vermelhos e carnosos. Na passagem, o moleque apanhou meia dúzia de pitangas e entrou no “bolicho” saboreando-as. “Seu” Fífi, sentado em uma cadeira de balanço, atrás do balcão de madeira de onde atendia seus fregueses, vendo o moleque comendo pitangas, irritado, reclamou dizendo severamente que nunca mais ele fizesse aquilo. O moleque tentou ponderar – Mas “Seu” Fífi, o Sr. vai “chorar” por duas ou três “pitanguinhas”...? – Não quero saber de lero, ainda mais de ti, malandro passado, desavergonhado! Vê se não faz mais isso, está proibido, viu! – Rapidamente o moleque girou os calcanhares e saiu “chispando” do “bolicho”, sem comprar os fósforos. Chegou em casa e munido de um copo de lata (que era feito de lata de azeite, com alça soldada pelo vizinho funileiro) colheu de uma das pitangueiras, de sua casa, que estava cheia de frutos, o suficiente para encher o copo de lata e, na mesma velocidade que veio, voltou ao “bolicho”; “Seu” Fífi continuava sentado na cadeira de balanço e sem dela se levantar, vociferou – “O que queres Moleque? Já te disse que...” – Não terminou a frase, atingido pelas pitangas que o Moleque levara no copo de lata, palavrões e desaforos do Moleque: - Toma, velho miserável, pelas pitangas que comi... faça bom proveito, seu cretino (e outros, impublicáveis). Quando “Seu” Fífi se recuperou do golpe surpresa que havia sofrido, o moleque já ingressava em outro “bolicho” para, finalmente, comprar fósforos...
Tinha o “Bar Azul”, o “bolicho” do “Seu” Inácio, a padaria do “Seu” Frederico, o “Bar” do “Seu” Baterone, o pomposo armazém de secos e molhados do “Seu” Honorato, as “lenharias” do “Seu” Belizário, do “Seu” Emílio e do “Seu” Camargo. Um dia a mãe do moleque mandou-lhe comprar lenha (fogão à gás, refrigerador, eletrodomésticos em geral não existiam ou, se existiam, era um luxo dado a quem tinha bala na agulha, que não era o caso da família do moleque que só conhecia o rádio galena (instrumento rudimentar de chumbo que captava som) e o de luz elétrica (ambos, maravilhas e mistério para o moleque que não entendia como tanta gente neles cabia, como era possível ouvi-los falando, tocando diversos instrumentos musicais, cantando... deviam ser, acreditava, minúsculos anões, com perdão do pleonasmo).
Voltemos a compra da lenha, a mãe do moleque mandou-lhe comprar lenha no “Seu” Belizário pois que a lenha do “Seu” Camargo e do “Seu” Emílio era “verde”, úmida, e não pegava fogo com facilidade. Ao contrário a lenha do “Seu” Belizário era seca. O moleque não queria ir buscar lenha no “Seu” Belizário porque, brincando de batalha (cuja arma era a funda e a munição frutinha de cinamomo planta que conhecia como paraíso) com outras crianças, se escondera no pátio da “lenharia” fazendo escudo de proteção a lenha disposta em organizadas camadas por aquele. Ocorre que em meio a enfezada luta, aparece “Seu” Belizário... no fogo cruzado que se seguiu, ele deve ter levado uns quatro “tiros” tendo o que mais o irritou sido disparado pelo moleque que lhe atingiu em cheio a testa, rente ao supercílio... não sangrou mas fez-se logo, logo tremendo inchaço. Pior, para o moleque que fugiu sem prestar socorro algum, ele foi o único visto e anotado pela vítima. Isso fora pela manhã, agora, de tarde a mãe que até ali tudo ignorava, determina peremptoriamente que ele vá direto ao “inimigo”... Era muito pouco tempo para que “Seu” Belizário tivesse esquecido a agressão sofrida, o inchaço devia ainda marcar sua testa... O que fazer?... O moleque saiu para os lados da lenharia do “Seu” Belizário (as do “Seu” Emílio e do “Seu” Camargo ficavam no sentido oposto) e, contornando a quadra, em enorme percurso e tempo despendidos, deu com os costados na lenharia do “Seu” Camargo, mais próxima do que a do “Seu” Emílio. Pediu encarecidamente para escolher as “achas” de lenha pois queria as mais secas, o que não foi possível simplesmente porque, de fato, todas as “achas” eram “verdes”. Sem escolha, agarrou o pesado fardo de lenhas, acondicionadas no saco de estopa vazio que levara e fez o caminho de volta, pensando na desculpa que daria à mãe, sobre a lenha que sabia “verde” quando esta descobrisse; o mais simples sempre é melhor, pensou por isso, afirmaria que tinha ido à lenharia do “Seu” Belizário e a lenha que ele tinha não era tão seca como sua mãe pensara. Tranquilo com a solução que encontrara, não realizou o contorno devido e, não viu que sua mãe o observava da janela do oitão que dava visão para o sul de onde vinha e onde se localizavam as lenharias dos “Seus” Emílio e Camargo; a do “Seu” Belizário, ficava ao norte de sua casa. Estranhou mas, não desconfiou, quando chegou em casa, exceto a porta da cozinha todas as demais aberturas da casa, inclusive as janelas, estavam hermeticamente fechadas. Depositou a lenha no local próprio, próximo ao fogão (campeiro, feito de barro com uma chapa de ferro, com quatro aberturas, duas graxeiras, imensos forno e boca, recolhedor de cinzas, cano de zinco com belo “chapéu” externo de metal, representando um galo e a rosa dos ventos, para dar vazão a fumaça e indicar o sentido daqueles) e chamou pela mãe. Ouviu a porta da cozinha se fechar atrás de si e dali surgir sua mãe, já com o mango, o temido relho de couro trançado, nas mãos. – Quer dizer que não fizestes o que mandei e trazes lenha “verde”... – Sequer deu tempo para explicar, só correr dentro de casa para fugir da surra que se avizinhava e que não foi possível evitar... Pelo menos, o corre-corre havia cansado a mãe do moleque que quando conseguiu encurralá-lo, já não tinha tanta força no braço nem disposição física para prolongar a surra, contentando-se com três ou quatro “relhaços” e a promessa de outros “castigos”, nunca confirmados... Ufa!

Diga-se, para não cometer injustiça com a mãe, especialmente pois que o pai nunca bateu no moleque, o carinho, dedicação, preocupação, mimo, muito mimo até, era a forma de tratamento comum e cotidiana que ela dedicava ao moleque. Só que ninguém agüenta, por tudo isso e por melhor mãe que seja, uma ou diversas queixas de seu pimpolho, por dia...

A avó do moleque (que este escolhera para morar quando acuado pela mãe, atirou-se pela janela e em desabalada corrida – em 08 segundos realizou, o verdadeiro, imbatível até agora, todavia oficialmente jamais reconhecido, recorde mundial dos cem metros rasos - esbaforido, chegou a casa da avó e pediu para morar com ela e desde então lá ficou, até o falecimento daquela – certo que as casas estavam todas localizadas na mesma área, a uma distância de cem a duzentos metros lineares entre uma e outra. Todavia a avó, ainda que mais severa, aparentemente, não batia e isso era muito, muitíssimo importante, preferindo aplicar “castigos” para correção de erros e faltas, demonstrar o caminho correto a ser seguido, dando conselhos. Além disso fora ela, a avó, que ficara a cabeceira dele quando ele foi acometido da única doença grave que teve, já reportada acima, que denominavam de “inflamação nos rins” e que, adulto, viria a saber o nome certo, nefrite aguda.

Na verdade o nome, certo ou errado, não importava, o problema causado era o mesmo, a indizível fraqueza que não lhe permitia estar em pé, tonturas e enjôos e, pior, as insuportáveis dores que a doença provocava, dores incríveis, como se duas facas, uma em cada rim, neles estivessem espetadas e qualquer movimento, por menor que fosse, até um meneio de cabeça, lembrava que as facas estavam lá, espetadas... era muito doloroso. Acometido da doença renal, sendo comprometidos e inflamados ambos os rins; seis meses deitado em uma mesma posição, pois que qualquer movimento desfolhava em dores, como se facas afiadas estivessem enfiadas em sua carne. Assim, inerte sobre a cama, perdeu todo os cabelos da nuca e o que antes era claro, depois se tornaram castanhos escuros, após o restabelecimento (por isso diz, enquanto a idade avança abrindo clareiras em sua cabeça, não é a primeira vez que perde cabelos e espera que nasçam de novo, repetindo-se o milagre ocorrido em sua tenra idade).

Também tinha problemas de hipoglicemia embora ninguém soubesse o que era aquela tremedeira e fraqueza que volta e meia lhe acometia e que "curavam" depois de embutir goela a baixo, como diziam, uma quantidade enorme de alimentos; até que um dia, com o moleque acometido desses sintomas e sem que tivesse pão ou qualquer alimento à mão para fazê-lo comer, a mãe não pestanejou e fez o que chamou de "engrossado de farinha de mandioca com café preto" e, tendo em vista os integrantes desse mingau serem essencialmente amargos "caprichou" no açúcar, colocando-o em grande quantidade tornando palatável dito mingau... sem saber acertou na "cura" quase imediata do moleque que, à segunda ou terceira colherada viu-se ruborizado pelo açúcar, sem tremedeira, forte... daí em diante não tinha melhor e mais completo alimento do que "engrossado de farinha de mandioca com café preto"...

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Na escola o moleque aprontava todas. Irrequieto, peralta, sempre era acusado de ser o autor ou protagonista de qualquer evento negativo, de peraltice... pelo passado que tinha, pagou muito por terceiros que faziam tantas peraltices quanto ele, todavia, certamente aqueles eram muito mais inteligentes, apareciam menos, não se identificavam ou assumiam diferentemente do moleque que, neste como em outros aspectos, era transparente... Qualquer ocorrência desse gênero, lá estava o holofote voltado para o moleque e não adiantava negar a autoria, que n i n g u é m acreditava não ter sido ele.

A professora dos primeiros anos do primário (hoje até a 4ª série do 1º grau), D. Buby (Maria José Pysaco), pela qual o moleque tinha veneração, sabia lidar com ele. Além de incentivá-lo a ler mais do que lia, lhe atribuía obrigações de liderança na aula, para ser exemplo para seus coleguinhas, todavia não perdoava suas falhas e volta e meia o submetia ao “castigo” de ficar retido na sala de aulas durante o recreio. Na primeira vez que isso aconteceu, o moleque vendo-se sozinho, pulou a janela e lá se foi aproveitar o recreio com seus colegas; o zelador, “Seu” Firmino o flagrou e o entregou a professora; no outro dia, aumentado o tempo de duração do castigo para uma semana sem recreio, a própria professora ficou na sala cuidando que o moleque cumprisse a pena imposta. D. Ruth, a servente, trouxe o cafezinho para que a professora o saboreasse ali mesmo, na sala de aula; o moleque vendo a professora tomar o cafezinho e sentido o aroma exalado pelo café, ele que era viciado na rubiácea, com ar e voz angelical perguntou à professora o porque daquela maldade que estava fazendo com ele, dando-lhe dois “castigos”... “Não entendi” - ela respondeu – “Que saibamos apenas estás impedido de sair para o recreio e o que era para durar um dia foi aumentado para durar uma semana por causa da fuga que realizastes ontem...” – “Não é pelo aumento do tempo da duração que eu falo em dois castigos, sim porque adoro café e a Sra. está tomando um que me parece tão gostoso... esse castigo é bem pior, muito pior do que o de ficar sem recreio... assim estou sendo castigado duas vezes... pagando muito além do que devo, se é que devo”. D. Buby se rendeu àquele argumento, àquela falácia que mesmo sem saber o moleque esgrimara em proveito próprio. Não lhe liberou para o recreio, todavia, nos demais dias, mandou servir-lhe o mesmo cafezinho que tomava. Não se sabe se foi por isso mas desde então aquele pedaço de gente, matreiro e ardiloso, era o único aluno que convidava para comer bolos e doces na festa (mesmo quando não tinha festa) de seu aniversário, em primeiro de outubro de cada um daqueles afortunados anos.

N’outro dia, D. Buby teve de se ausentar da aula atendendo chamado da D. Zélia, a diretora, para ir a secretaria. Em franca atividade psicológica, temerosa do que podia aprontar o moleque em sua ausência, determinou a este a função de mantenedor da disciplina; não queria balbúrdia ou algazarra, competindo ao moleque manter seus coleguinhas quietinhos durante sua ausência; saiu então e não demorou mais do que um minuto para que todos, sem exceção, todos, começassem a dar o ar da graça, na sala de aula sem lei ou professora. Baldados os esforços do moleque ninguém para quieto, viu-se então na contingência de cumprir as determinações que recebera e, sem alternativas, subiu na mesa da professora iniciando um discurso político contundente, prometendo, como todo “bom” político faz, desde o impossível, até o inverossímil que todos teriam a nota máxima, não precisavam mais fazer o dever de casa, nem prestarem atenção no que a professora ensinava, por decreto todos saberiam tudo, até mandaria asfaltar a sala de aula, construiria pontes móveis, ligando a casa de cada um com a escola, com motores instalados na pista, para que ninguém necessitasse caminhar para nelas chegar, bastava ficar em pé e pronto, a duração do recreio seria aumentada atingindo o tempo de duração das aulas, estas, por sua vez, teriam a duração máxima de um recreio por semana. Cada promessa era demonstrada por garatujas que chamava de desenho das promessas, realizados no quadro negro, utilizando o giz. Assim, pensou, conseguira controlar seus coleguinhas mantendo-os sentados em suas respectivas carteiras, esquecendo-se do barulho que cada promessa produzia, com aplausos e gritos de vivas... N’um determinado momento, mais uma promessa feita e demonstrada no quadro negro teve um sepulcral silêncio como resposta. De costas para a janela, pensou que não tinha sido claro, nem agradara aquela promessa, emendou outra de imediato dizendo que se eleito fosse terminaria com a obrigação de usar uniforme e demitiria a diretora e todos os professores que não obedecessem a nova ordem, inclusive D. Buby... O pesado silêncio de seus coleguinhas foi quebrado pelas palmas de duas pessoas, postadas à janela, D. Buby e D. Zélia Lopes, a professora e a diretora que vieram verificar o motivo daquela gritaria... O moleque desceu de cima da mesa e foi impedido de apagar o quadro negro; mais, ficou um mês sem recreio e de “bico seco”, sem cafezinho...

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